A realidade de estrangeiros que realizam trabalho voluntário no Brasil
“Depois de 22 horas de viagem, eu finalmente cheguei em São Paulo. Completamente cansado, carregava minhas malas para fora dos portões do aeroporto, quando duas garotas animadas me viram e já começaram a me abraçar e a me beijar”, Fabrice Bente, alemão de nascença, se espantou com a receptividade brasileira logo de cara. “Na Alemanha, nós apertamos as mãos ao nos conhecer, sem abraços ou beijos. Que vergonha”. Aos 24 anos, o estudante da Alemanha decidiu viajar ao Brasil para fazer trabalho voluntário.
O jovem escolheu o país por puro acaso: queria ganhar experiência fora da Europa e pensou que o voluntariado valeria mais a pena do que estagiar gratuitamente em alguma companhia que não apreciasse seu trabalho. Claro que houve gastos. Bente acredita ter pago por volta de 400 libras no pacote de viagem. No entanto, a família que o acolheu, com bastante carinho, não cobrou a estadia. Logo que saiu do aeroporto, pegou um ônibus e foi para o que seria a sua casa pelos próximos três meses. “Lá estava eu, sentado em uma sala de estar a mais de dez mil quilômetros da minha casa de verdade, conversando com três pessoas que eu nunca tinha visto na vida e fazendo carinho no cachorro”, brinca.
Em relação aos gastos, Chiara Lucrecia, a diretora de intercâmbios para estrangeiros da Associação Internacional de Estudantes em Ciências Econômicas e Empresariais (Aiesec) — um movimento de liderança jovem que realiza parcerias com organizações não-governamentais —, compartilhou que os estrangeiros gastam muito dinheiro, já que funciona como uma viagem. Porém, os custos precisam ser vistos, na verdade, como um investimento. Os voluntários estrangeiros trazem conhecimento do mundo e das diferenças para o brasileiro e, pelo fato de estarem em um ambiente pouco familiar, desenvolvem um aspecto de liderança e troca.
Independentemente do tipo de trabalho exercido pelo voluntário, o processo de receber pessoas de outros países requer três etapas: primeiro, ele se inscreve na plataforma de intercâmbio; depois, passa por um tipo de entrevista; e, por fim, é alocado a alguma família brasileira que se dispõe a receber intercambistas. Depois desses passos, a pessoa viaja e pode trabalhar em diversas áreas que precisam de ajuda. Fabrice Bente, por exemplo, se envolveu com o Smart Project, o qual faz parcerias com o Centro de Integração de Negócios de São Paulo. Sua tarefa era conectar pequenas startups brasileiras, que foram fundadas por pessoas discriminadas ou deficientes, a grandes empresas mundiais, como Google, Bayer, Monsanto e Coca-Cola.
Kubilay Altinkaya, jovem turco de 22 anos, viajou ao Brasil para trabalhar, principalmente, com crianças. Ele e seu grupo tinham a função de brincar e ensinar a elas inglês básico. Muitos projetos voluntários relacionados a crianças e adolescentes são fundados com o intuito de mantê-los sempre ocupados com atividades úteis como aprender alguma língua, praticar esportes, tocar algum instrumento musical, entre outras, justamente para que não passem seu tempo nas ruas e corram o risco de se envolver com situações de perigo. Altinkaya contou que, ao contrário do que esperava, os brasileiros foram extremamente amigáveis, apesar de serem um tanto “cabeça quente”.
Ao se falar em criminalidade, a experiência da jovem russa Valeria Ledeneva foi o oposto do garoto turco. Ela passou dois meses em Recife, em Pernambuco, como voluntária. Certa noite, enquanto voltava da balada com os amigos, um de seus companheiros foi esfaqueado. Hoje, trata o assunto com mais naturalidade, dizendo que prenderam o esfaqueador e que, pela ferida não ter sido profunda, o colega ficou bem. “Às vezes, era muito perigoso ficar fora de casa durante a noite, mas isso também acontece na Europa”, compartilha.
Assim como Ledeneva, a voluntária mexicana de 26 anos Angie Escuder também teve problemas durante sua estadia no Brasil. Ficou apenas duas semanas em São Paulo e contou que, durante sua curta estadia, teve dificuldades para lidar com a família que a hospedou. “Os problemas foram em relação à comunicação entre nós e nossas questões culturais. Acho que eu fazia coisas diferentes, que poderiam parecer meio raras para eles”, explica a mexicana. Entretanto, Escuder comenta que o que mais a surpreendeu foi o relacionamento entre homens e mulheres. Mesmo estando de cabeça aberta, não conseguia compreender a simplicidade com que os brasileiros tratam as relações sexuais. “Eu realmente não quero julgar, mas para mim parece que eles querem dizer que só estão se divertindo. No fundo, ninguém sabe o que quer de verdade”.
Mesmo com esses problemas, nem Valeria Ledeneva nem Angie Escuder deixaram de viajar pelo país, com amigos ou com a família. A mexicana disse que todo o período que passou no Brasil foi maravilhoso, mas que uma de suas viagens foi o momento mais especial. “O Rio de Janeiro foi épico. Fui com meus amigos e percebi como eu era sortuda de ter essas pessoas ao meu redor”, lembra Escuder. O alemão Fabrice Bente fala que, durante sua estadia, sentiu a “verdadeira cultura brasileira”, que envolve coisas muito peculiares para o europeu, como pessoas que empacotam as compras no mercado ou o hábito de ter uma faxineira em casa todos os dias. “Eu sei que é uma forma de dar trabalho para as pessoas, mas, mesmo assim, me parece muito diferente”, ressalta.
Entre lembranças e críticas, o alemão foi além e listou algumas coisas típicas brasileiras que marcaram sua viagem. “O açaí, as danças, a Catuaba, a feijoada, o funk brasileiro, um café doce demais, muita conversa, pessoas morando na rua, péssimos ônibus, futebol, pronunciar o famoso ‘ão’, caipirinhas — meio baratas para não ficar louco — e o Guaraná Antarctica”, recorda, com saudades, pronto para voltar ao Brasil.