“O cinema é uma área que precisa de contato físico. Tem muita gente que diz que depois da pandemia vão existir menos abraços, mas eu não acredito que isso vá acontecer”, diz roteirista e assistente executiva
Depois de mais de um ano e meio com o cinema parado, agosto foi o mês de retorno para muitos projetos audiovisuais nacionais. No Relatório Sobre os Impactos Econômicos da Covid-19 na Economia Criativa, realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), é estimado que a perda do biênio 2020-2021 no setor da economia criativa seja de R$62,9 bilhões, o equivalente a 18,2% da produção total desses dois anos.
Desde 2013 o Brasil lança mais de 100 filmes por ano, de acordo com a Agência Nacional do Cinema (Ancine). Entretanto, o número de lançamentos em 2020 não chegou a um quarto deste valor. Apesar disso, o mercado de trabalho tem regressado aos poucos. Durante a pandemia foi possível notar a repercussão e a importância que o audiovisual tem na vida das pessoas, o que acabou movimentando o mercado de trabalho da área. “Estão procurando todo e qualquer profissional disposto a botar a mão na massa e trabalhar. A procura de emprego está alta, mas a procura de mão de obra também”, afirma Lara Rodi, roteirista e assistente executiva.
Porém, novas medidas passaram a virar rotina e hábitos antigos foram deixados de lado. Durante as filmagens do longa Fazendo Meu Filme, no qual Lara trabalhou como assistente executiva, ela conta que todos os dias na entrada do set ela e seus colegas passavam por uma triagem, onde realizavam o teste de covid. Era necessário que aguardassem até o teste ficar pronto para saberem se estavam liberados ou não. “Na hora de comer nós tínhamos mesas separadas com kits individuais. Sempre foi tomado cuidado para evitar o contato”, relata.
De certa forma, é irônico que hoje o cinema evite esse tipo de interação, sendo que o toque é a primeira forma comunicativa. Mas Lara mostra-se positiva, pois acredita que “é difícil permanecer nessa falta de contato, já que o cinema é sobre isso. Tem muita gente que diz que depois da pandemia vão existir menos abraços, mas eu não acredito que isso vá acontecer. Porque esses são os momentos que a gente gosta de dividir.”
Enquanto as portas dos cinemas foram fechadas, as abas dos streamings foram abertas. É notável a força que essas plataformas vêm ganhando, principalmente durante a quarentena. De acordo com o Relatório de Adoção de Streaming Global do Finder, 65% dos adultos brasileiros assinam pelo menos um serviço de streaming, acima da média global de 56%.
No entanto, nenhuma dessas plataformas fornecia algo inédito. As produções que prometiam chegar em seus catálogos foram interrompidas. Em média, os longas-metragens brasileiros têm um custo de produção em torno de R$ 5 milhões, e grande parte desse dinheiro ficou estagnado. Agora que tudo está voltando à normalidade, os gastos são ainda maiores, já que é necessário seguir as indicações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Porém, Lara diz não ter certeza se os estúdios continuarão a adotar as medidas de segurança. “Isso gasta muito dinheiro. Infelizmente, a hora que essa doença se erradicar eu acho que as pessoas vão querer que volte tudo ao normal”, diz a produtora executiva.
Positivamente, muitas ações foram tomadas para que trabalhadores do setor cultural sofressem menos impacto financeiro com suas obras paradas. Em junho de 2020, foi aprovada a Lei Aldir Blanc, que funcionou como uma renda emergencial cultural, e mais de 2.000 trabalhadores tiveram seus benefícios aprovados.
Além disso, a Amazon e a Netflix forneceram apoio para as pessoas do audiovisual que se encaixavam em certas categorias. “Por exemplo, a Netflix criou um fundo para os negros e LGBTQIA+. A Amazon criou um fundo para quem tinha projetos parados por causa da pandemia. Isso salvou muita gente”, conta Lara.
A paralisação mostrou muito de seu lado negativo, mas sagaz foi quem soube tirar o melhor da situação. Lara conta que durante a pandemia escreveu e publicou seu primeiro livro – Se agosto falasse. Também teve mais tempo e criatividade para se dedicar às suas campanhas. “Fiz muitos cursos e me aprofundei naquilo que queria para começar essa fase de trabalhos já sabendo qual área eu mais me interessava”, conta ela.
Em parceria com o Datafolha, o Itaú Cultural fez um levantamento que aponta o aumento no consumo de cultura online. O consumo de filmes e séries aumentou em 7%, enquanto o crescimento de podcasts chegou a 15%. A tendência é que o cinema volte aos poucos, mas é fato que sua força não será a mesma agora que os canais de streaming conquistaram muito telespectadores. “Ainda é muito difícil saber como vai ficar o cinema no pós-pandemia. No momento atual, é até mais difícil, porque é algo muito intenso estar ali todos os dias, doze horas por dia com as outras pessoas”, conclui Lara.