Negociação da Eletrobras girou em torno de R$ 100 bilhões. Economistas alertam para possíveis efeitos negativos da privatização, já autorizada pelo TCU
A venda da Eletrobras à iniciativa privada foi efetivada na sexta-feira, 10 de junho, em negociação que gira em torno de 100 bilhões de reais. O Tribunal de Contas da União (TCU) já havia aprovado o processo de privatização anteriormente, no dia 18 de maio. A empresa atua nas áreas de geração e transmissão de energia e existe desde os anos 1960.
No plenário do TCU, Vital do Rêgo foi o único dos oito ministros que votou contra a venda da estatal. Rêgo considerou que a avaliação da empresa não foi feita de forma correta, alertando para uma possível redução no valor potencial das ações.
O ministro ponderou também que há riscos de aumento das contas de luz com a gestão privada de uma das principais geradoras de energia do país, deixando o governo sem capacidade de influência. Vital chegou a pedir a suspensão do processo até o tribunal concluir uma fiscalização sobre dívidas judiciais da companhia, mas teve a súplica indeferida 7 a 1.
Trâmite no TCU
A primeira etapa do processo já tinha sido aprovada em fevereiro, no próprio âmbito do TCU, e consistiu na análise dos valores de venda das 22 usinas hidrelétricas da companhia, além do valor de outorga a ser pago à União. Na ocasião, a primeira fase foi aprovada por 6 votos a 1, e o único voto contrário foi do ministro Vital do Rêgo.
Ele anunciou que a área técnica da Corte identificou um erro de cálculo da venda das usinas que geraria uma perda de R$ 34 bilhões à União e de R$ 63,7 bilhões para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), usada para a chamada modicidade tarifária – ou seja, para amenizar o impacto do aumento nas tarifas para os consumidores. O erro foi causado pela exclusão do fator potencial das usinas. No processo de desestatização, o governo considerou apenas a geração de energia das hidrelétricas, não a sua potência.
A segunda e última etapa de análise no TCU foi feita no dia 18 de maio. Neste estágio, o tribunal avalia o modelo de venda proposto pela União, incluindo faixa de valor das ações a serem ofertadas na bolsa de valores.
Venda efetivada
No último dia 10, sexta-feira, a empresa foi vendida por quase R$100 bilhões. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vendeu suas ações da empresa em uma oferta global. O controle da estatal foi perdido quando houve a diluição da participação do Governo Federal com a oferta de novas ações. Embora já privatizada, ainda há um longo caminho para que o processo seja finalizado.
Adalton Franciozo Diniz, economista e vice-presidente da Faculdade Cásper Líbero, alerta sobre a forma como o processo de privatização está sendo conduzido. “O que eu tenho medo não é da privatização, e sim da maneira como está sendo privatizada. Será que está se tomando o devido cuidado para que eventualmente a empresa que venha adquirir a Eletrobras ou das adquirentes da Eletrobras vão desempenhar o papel para ter desempenho de 30% da frota de energia? Esse é o X do problema”, comenta Diniz.
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O governo optou por realizar a privatização na forma de capitalização. Isso significa que serão ofertadas novas ações da Eletrobras na bolsa de valores, em uma oferta que não será acompanhada pela União. Com isso, ela deixará de ser a acionista controladora da empresa. Quando o processo for concluído, a empresa não terá um controlador definido, modelo semelhante ao de privatização da Embraer. Nenhum acionista terá poder de voto superior a 10% de suas ações.
Adalton alerta sobre as possíveis consequências negativas de uma privatização para a sociedade: “Ao colocar as empresas na mão da iniciativa privada, a perspectiva é de que o lucro esteja em primeiro lugar pode ser danosa para a sociedade e para o trabalhador”.
Diniz relembra a reordenação da política da empresa para a lógica gerencial, que pode levar a medidas desprezando o fator social. “Eu não tenho dúvida de que cortes de gastos, demissões de funcionários e reduções de salários podem acontecer. Vai ser uma empresa orientada pelo lucro e o lucro está relacionado com o custo, então cortando custo aumenta o lucro”, acrescentou o economista.
Processo a toque de caixa
Além disso, Adalton enfatiza que o principal motivo da venda da estatal é o cumprimento da agenda das privatizações do presidente Jair Bolsonaro: “Não vejo nenhum motivo para a privatização. A princípio não sou contra, mas fazer a toque de caixa de maneira açodada como o governo está fazendo hoje, para mim, é só um vestido político”. O processo acelerado pode levar a complicações futuras. “Eu tenho dúvida se o governo está tomando o devido cuidado nesse processo de privatização, e coincidentemente no ano eleitoral. Ele quer provar que cumpriu uma agenda liberal que, em tese, ele teria que cumprir”, destaca Diniz.
O Manifesto dos economistas, entidades e profissionais contra a privatização da Eletrobrás, assinado por 168 profissionais da economia, da sociologia e de outras áreas, afirma que a empresa é uma das mais rentáveis do ramo e sua venda irá agravar a crise energética e econômica do país. O grupo argumenta que “A Eletrobras é um dos mais importantes instrumentos de promoção de políticas públicas para o setor elétrico, tendo papel preponderante na implementação de programas sociais e na promoção do desenvolvimento econômico e social do país”.
Apesar de todas as considerações, o processo segue sendo levado adiante e as novas ações da empresa começaram a ser vendidas na bolsa já nesta segunda-feira (13).