Universidades brasileiras, observando o comportamento de seus alunos, sentem a necessidade de implementar uma disciplina sobre felicidade à grade curricular
Há dez anos sendo implementada na Universidade de Harvard, a matéria Happiness and Good Life, que visa ensinar conceitos de felicidade, virou febre em outras instituições do mundo. Ano passado, em um só semestre, 20% dos alunos da Universidade Yale se inscreveram para a vaga, batendo o recorde de inscrições, segundo dados da ONG Estude Fora. No Brasil, o curso chegou há cinco anos no Centro Universitário Belas Artes em São Paulo e, em 2018, na Universidade de Brasília (UnB) e na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
O professor de Ética e Felicidade da UFSM – curso equivalente no Brasil – Dejalma Cremonese explica que a disciplina foi criada a partir da necessidade de formar pessoas com aspecto existencial humano. “Percebemos que os alunos vêm sofrendo de ansiedade, solidão e muitos estão deprimidos. Então, procuramos passar nas aulas um dos princípios básicos, o envolvimento social”, completa Cremonese, que procura traçar diálogos entre as experiências pessoais dos alunos e conceitos da filosofia, como a felicidade de Aristóteles e amor platônico.
As opiniões em relação à disciplina, no entanto são controversas. “A fim de ser um pensador do futuro você deve pensar sobre a felicidade, mas se as aulas não forem contextualizadas, podem levar a ruídos e à incompreensão dos alunos, perdendo sua efetividade”, questiona Eric de Carvalho, professor no Centro Universitário Belas Artes. Ele pensa que todo assunto é passível de discussão e pesquisa, mas que ensinar a ser feliz não é o caminho. “Existem, até mesmo, cursos de autoajuda que trabalham esse viés, mas confesso não compactuar com eles”, finaliza Carvalho. A psicanalista Cristiana Gallo também indaga o valor e a importância da felicidade como uma matéria. “Essas disciplinas parecem estar tentando tratar os efeitos do discurso capitalista, que cria uma insatisfação sem fim e que tenta dar conta de toda satisfação humana e de toda felicidade”, aponta. Ela ressalta que, baseada na psicologia positiva, ao tentar ensinar as pessoas a “ser feliz”, faz parecer que quem não é feliz é porque não quer.
No Centro Universitário Belas Artes, a matéria possui forte embasamento filosófico a fim de tratar o assunto de maneira mais reflexiva e não cair no campo da autoajuda. Visa, de acordo com o pró-reitor acadêmico da instituição, Sidney Leite, o desenvolvimento da capacidade de auto compreensão. O intuito é que os alunos tenham ferramentas para construir um projeto de vida profissional e pessoal e que adquiram o discernimento de que compreender o mundo não significa aceitá-lo.
Segundo os educadores Cremonese e Leite, as aulas são muito interativas. Assim, os alunos conseguem ter uma visão diferente da felicidade, entendendo que pequenas coisas podem desencadeá-la e, ao contrário do que é imposto pela sociedade, é ensinado que eles devem ser felizes para depois alcançarem o sucesso desejado. Com isso, tornam-se mais propensos a atingir seus objetivos gradativamente, percebendo que a felicidade está no percurso e não apenas na conquista. A aluna de Design Gráfico do Centro Universitário Belas Artes, Luana Rabello, acredita nesse caráter gradual que a disciplina proporciona e diz que a matéria vai influenciar seu futuro profissional e pessoal.
A ideia é entusiasmante para muitos, no entanto, conversando com alunos do Centro Universitário Belas Artes, ficou evidente que, para alguns deles, as expectativas geradas em torno da disciplina não foram compreendidas. Pedro Faim, de Design Gráfico, diz ter sentido pouca influência dela em sua vida. Entretanto, outros parecem compreender as intenções da matéria. “Ela influencia na mudança e transformação do aluno no sentido de conseguir tirar os conhecimentos do meio acadêmico para sua própria vida, como empoderamento e busca de sentido, de forma surpreendente e inesperada”, afirma Fábio Rosa, estudante de Artes Visuais da instituição Belas Artes.
De qualquer maneira, a introdução dessa disciplina é uma forma de não virar as costas para os conflitos internos apresentados pelos alunos, que necessitam ser ouvidos. Por um lado, talvez essa não seja a melhor alternativa para tratar o problema a longo prazo, uma vez que pode ser entendida como paliativa. Por outro lado, atua como o passaporte que muitos precisam para escaparem de situações que parecem não ter saída e que dá a possibilidade de viajarem à área do autoconhecimento e, por consequência, da felicidade.