Cursinho pré-vestibular “CUJA” nasceu de projeto universitário na UNIFESP e hoje ajuda mais de 200 alunos
O Cursinho Pré-Vestibular Jeannine Aboulafia (CUJA), localizado no bairro Vila Clementino, na Zona Sul de São Paulo, é um preparatório popular fundado como um projeto de extensão universitária por alunos da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). De forma gratuita, o CUJA fornece aulas e materiais de apoio para vestibulandos de baixa renda, com o intuito de ajudá-los a ingressarem em universidades e na construção do pensamento crítico. Este ano, receberam 205 estudantes.
Fundado em 2001, o cursinho funciona de maneira independente em relação à universidade e se sustenta por doações de terceiros, realizadas diretamente para os alunos que trabalham no projeto. O educador e filósofo Paulo Freire, reconhecido mundialmente pela defesa de uma educação baseada no diálogo e pelo método que leva seu nome, é a grande inspiração ideológica do modelo de educação adotado pelo CUJA.
Matheus Aranha, 21, atual diretor geral do projeto, afirma que o cursinho visa, através de disciplinas como História da Arte e Filosofia, “não só formar alunos para serem aprovados nos vestibulares, mas também educá-los politicamente”.
Lucas Domingos, 30, atual aluno do CUJA, conta que o projeto representou uma virada de chave em sua vida. Formado em Saúde Pública em 2019, ele passou por um período especialmente difícil na vida durante a pandemia do Covid-19, quando perdeu a mãe e a avó em um intervalo de onze dias. Com isso, Lucas passou por muitas incertezas, além de ter enfrentado crises de depressão e ansiedade.
Com o passar do tempo, decidiu voltar a estudar, na busca por uma vaga para cursar medicina. Após passar por uma grande crise de ansiedade durante o ENEM no ano passado, ele decidiu se matricular no CUJA.
Após essa decisão, Lucas afirma se sentir mais tranquilo no projeto, tendo fortalecido sua saúde mental.
“O CUJA é um resgate daquilo que eu sou, e está conseguindo trazer de volta a minha confiança, em mim mesmo, que eu tinha perdido”, relata.
Sem um financiamento próprio, o CUJA sofre dificuldades, sendo a principal delas a garantia da permanência estudantil. Hoje, é oferecido apenas a 10 alunos por ano um auxílio-transporte, já que estudantes de cursinho não têm direito a meia-passagem. Com isso, há uma alta taxa de evasão, fazendo com que, aproximadamente 50% dos matriculados não concluam o ano letivo, segundo Matheus.
Lucas não é um dos 10 beneficiados, apesar de enfrentar dificuldades socioeconômicas. O jovem afirma ter que “vender o café da manhã e o almoço para comprar a janta”, e trabalha em um Serviço de Atenção Especializada (SAE) durante o dia para poder pagar a condução e garantir sua alimentação. Morador do Grajaú, ele passa mais de três horas e meia no transporte público todos os dias, somando entre sua casa, o trabalho e o cursinho.
Através de parcerias com entidades privadas e terceiros, o projeto ainda consegue ser autossuficiente. O maior exemplo é, desde 2018, o fornecimento de apostilas estudantis sem custos pelo ETAPA, instituição de ensino privada, para todos os 205 alunos que estudam anualmente no CUJA. Além de demais ações de gráficas da região, que fornecem materiais a preço de custo, ou seja, sem a obtenção de lucro.
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Dentro do projeto, também se evidencia a história de Zaqueu Caetano, 26, estudante que está no sexto e último ano do curso de medicina da UNIFESP. Zaqueu, durante os quatro anos iniciais de formação, lecionou matemática no CUJA. Além disso, ele ocupou a diretoria de RH e trabalhou como tutor no projeto.
O jovem não teve uma trajetória fácil para chegar ao ensino superior. Durante três anos, frequentou o MedEnsina, cursinho popular criado por estudantes da Universidade de São Paulo (USP). Ao longo deste período, ele se deparou com dificuldades, mas com resiliência, as superou. De família humilde, Zaqueu relata ter passado todo o seu período vestibulando se alimentando apenas de arroz, feijão e ovo. Essa era a condição necessária para que sua família seguisse custeando os seus estudos, sem que ele tivesse que conciliá-los com algum emprego, para contribuir na renda.
Morador do Jardim Colonial, em São Mateus, na Zona Leste de São Paulo, o estudante mencionou a dificuldade logística em relação ao transporte, especialmente durante seu período na USP, localizada no Butantã, na Zona Oeste, a mais de 40 quilômetros de sua casa.
“Saía de casa duas horas e meia antes do horário das aulas”, relata.
Mas a distância e a situação financeira não eram os únicos empecilhos enfrentados por Zaqueu. Como um jovem negro e periférico, ele relata um episódio racista marcante em sua vida. Já ingressado na universidade, escutou de um professor que tinha “mais cara de bandido do que de médico”.
Em sinal de gratidão, ao entrar na faculdade, Zaqueu procurou saber se existia algum projeto semelhante ao qual ele havia integrado em seus anos de estudos, para sua felicidade, encontrou o CUJA. Ele relata a rapidez e o quanto estava interessado no projeto: “Fiz minha matricula numa quinta e na sexta já estava entrando em contato com os responsáveis”.
Hoje, no último ano de sua formação universitária, apesar destes obstáculos enfrentados, o jovem ainda enxerga a medicina como uma superação na sua vida e de sua família. Ele também enxerga a educação como um valor imprescindível durante a formação de um ser humano, e por isso reconhece a tamanha importância de projetos como o CUJA.
“Não adianta ter conhecimento se ele não for repassado.”