Da Zona Norte à Zona Oeste: como escolas de ensino infantil buscam manter o vínculo e o aprendizado na pandemia - Revista Esquinas

Da Zona Norte à Zona Oeste: como escolas de ensino infantil buscam manter o vínculo e o aprendizado na pandemia

Por Fernanda de Almeida, Isabel Mello e Leonardo Godoy : janeiro 25, 2021

Com projetos audiovisuais e postagens nas redes sociais, colégios da rede pública e privada de São Paulo envolvem as crianças mesmo a distância

“Esse período não foi nada fácil em questão de saúde mental. Tive vários momentos de conflito tentando entender o significado de tudo isso e o quanto esse trabalho virtual está sendo meu trabalho”. Priscilla de Lima Rocha, 28 anos, é formada em pedagogia e psicopedagogia e trabalha na área da educação desde os 17. Depois de cinco anos trabalhando em escolas particulares, ingressou na rede pública de São Paulo e, em 2017, começou a dar aulas na Escola Municipal de Ensino Infantil Nelson Mandela, no bairro do Limão, Zona Norte de São Paulo.

Após um período de acolhimento e adaptação no começo do ano, a escola propõe projetos para as crianças, mas isso não chegou a acontecer esse ano. “A gente fala que eles já tiveram dois momentos de adaptação, no começo do ano e depois do Carnaval. E agora vai ser assim de novo, faz meses que eles não nos veem”, diz Priscilla. A partir da metade de março, nem ela nem as crianças voltaram para a EMEI, e começaram os esforços para continuar o plano de ensino a distância.

Adaptação na quarentena

Para a professora, a suspensão das aulas foi um susto: “Literalmente uma semana a gente estava na escola e na outra a gente não estava mais”. Levou um tempo até que o colégio aceitasse a situação, “houve um período em que a gente sabia que tinha que fazer algum trabalho online, mas dentro de mim algo dizia ‘não é isso que eu faço, eu não estudei para fazer isso.’”

O governo de São Paulo propôs a utilização da plataforma Google Classroom para a realização das aulas virtuais e envio de atividades para as crianças. No entanto, Priscilla explica que “poucos aderiram porque utiliza muito pacote de dados e não são todas as crianças que tem wi-fi”. Laylah Leticia é mãe da Maythe Valentina, aluna de Priscilla, e não tinha acesso à internet. “Tive que usar emprestado da minha mãe, mas depois de alguns meses pude ter uma em casa por necessidade para as aulas”, conta.

Para contornar essa situação, a escola começou a postar vídeos e interagir com as crianças através de suas redes sociais. A EMEI Nelson Mandela sempre possuiu Facebook e Instagram, mas apenas com o intuito de documentação pedagógica. “A intenção foi sempre postar fotos das crianças para divulgar os projetos, nunca foi soltar vídeos com as professoras, então agora na pandemia a gente teve que criar esse hábito”, conta. No início, algumas professoras não se sentiam à vontade, por isso Priscilla diz que o trabalho coletivo foi importante para criar conteúdo. “O grupo teve que ter muita força porque estava sendo uma barra muito pesada para todo mundo segurar”.

Apesar da grande participação nas redes, as educadoras sentiam não estar atingindo a maior parte das crianças, já que algumas haviam entrado na escola há pouco tempo e as famílias não acompanhavam as postagens. Pensando nisso, a equipe docente criou grupos de WhatsApp com os pais dos alunos, um espaço destinado à comunicação com a escola e compartilhamento das tarefas propostas. “Na primeira semana, o grupo não parava de falar um segundo. A gente tentou estabelecer horários, mas não adiantava: era áudio de criança o dia inteiro, criança me ligando às oito horas da noite”, conta Priscilla sobre a febre do grupo.

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“Elas fazem dinâmicas com as crianças de acordo com a programação preparada para o aprendizado durante o ano. Está sendo ótimo, estão conseguindo aprender ritmos e culturas, teoria e prática”, diz Laylah. A mãe de Maythe acredita que as crianças aprenderiam mais se tivessem aulas todos os dias, mas “graças a Deus tem uma hora de aula toda quarta-feira”.

Mesmo com o sucesso da iniciativa, não foi possível atingir todas as crianças. “Eu não consigo contato com dois alunos meus desde março. Não tenho número de celular, não tem telefone fixo, a gente não tem como falar com eles”, lamenta Priscilla.

Para aqueles que têm acesso ao grupo, foi necessário pensar maneiras de envolvê-los, já que a faixa etária dos alunos é de 4 a 6 anos. Um dos recursos utilizados já era familiar para as crianças: uma família de bonecos de pano. O vínculo com a família Abayomi começa no início do ano, quando os bonecos vêm de viagem e trazem na mala elementos culturais do lugar por onde passaram. “As crianças acreditam que eles ganham vida à noite, eles se comunicam com elas, trazem elementos de pesquisa e escrevem cartas para elas. A gente tenta colocar magia em tudo para ser algo que chame a atenção das crianças”, conta. A família Abayomi sugere uma atividade para as crianças e elas enviam as respostas via WhatsApp: “Eles mandam vídeos, áudios, desenhos, o que eles produziram”. Depois, as professoras fazem vídeos compilando as produções para que as outras crianças possam ver o que os colegas fizeram.

Pindorama

Utilizar a família Abayomi também é uma forma de introduzir assuntos trabalhados pela escola, como questões de gênero, racismo e consumismo. O resultado do trabalho é tão positivo que serve de inspiração para outros colégios. “Para mim, é referência para todas as escolas particulares e públicas de São Paulo”, diz Larissa Udiloff, 19 anos, estudante de pedagogia da Universidade de São Paulo.

Larissa trabalha como assistente de professora numa escola particular bilíngue de classe média alta na Pompéia, Zona Oeste da capital. Apesar de adotar a segunda língua inglesa, a escola alfabetiza em português e valoriza o ensino da cultura brasileira. Com as aulas mediadas pela internet, os professores conseguiram dar continuidade ao processo de letramento das crianças, mas a estudante afirma que “estava sentindo falta da introdução de elementos brasileiros”.

Junto com uma professora, Larissa utilizou a família Abayomi para criar a Pindorama, personagem fictícia que viaja pelo Brasil e traz elementos de regiões diversas, falando sobre brincadeiras, costumes e lugares para os alunos. “A gente pensou em começar com uma pesquisa sobre lugares de São Paulo. Teve tanto Parque Villa-Lobos quanto sítio do avô no interior. A ideia era que eles fizessem uma lista disso e passassem para a Pindorama conhecer São Paulo”, explica Larissa.

Segundo ela, o projeto foi bem recebido no ensino virtual, mas será ainda melhor executado presencialmente. Diferente das mais de 30 crianças da classe de Priscilla, todos os 15 alunos de Larissa têm acesso à internet. As aulas da escola da Zona Oeste são feitas pela plataforma Google Meet e a estudante explica que a programação é dividida em blocos de meia hora para não cansar as crianças.

Um ano perdido?

Esse modelo de educação infantil não é apoiado pela jovem: “Acho que nenhuma das professoras de infantil que eu conheço vão defender isso para quando acabar a pandemia. Não é uma coisa que a gente pretendia fazer, mas pensando numa questão de afeto tanto da criança para a escola quanto da criança para com os amigos e com as professoras é o que a gente está conseguindo”. Segundo Marina Mello, estudante de psicologia da UFU, “a partir de uma socialização com seus pares, as crianças aprendem normas sociais e criam laços de afeto e vínculo. Portanto, considerando que essa é a fase mais importante para a aquisição de repertórios que formarão um indivíduo, é essencial que haja uma boa estrutura de base para dar condições de viver em sociedade”.

Larissa e Priscilla acreditam que esse não foi um ano perdido e que as crianças estão, sim, aprendendo, mas de outras formas. Laylah reconhece que a dinâmica seria melhor em sala de aula, mas diz que esse é o melhor para preservar a saúde de todos e que sua filha, de 6 anos, está conseguindo fazer as atividades propostas. “Maythe não teve dificuldade de lidar com tecnologias, ela se comunica na aula e nem deixa eu participar. Ela mesma já acessa sozinha o aplicativo e se comunica com segurança com professores e colegas”, diz.

“Tem muita gente que acha que na educação infantil a criança fica o dia inteiro escrevendo no caderno, mas vai muito além da alfabetização. A gente está investindo muito no incentivo à pesquisa, por exemplo, então eu acho que as crianças estão aprendendo”, afirma a professora da EMEI Nelson Mandela. Larissa concorda: “O jeito de pensar educação infantil não está sendo completamente traduzido nesse modelo, mas com certeza elas estão aprendendo coisas novas dentro de casa”.

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