As dificuldades relatadas vão desde a escolha do curso até a pressão para os bons resultados nos vestibulares. Mas, essa é uma questão atual?
Todos os anos, à medida que se aproxima o fim do segundo semestre, estudantes que estão aptos e pretendem ingressar em um curso superior são submetidos aos vestibulares. Os modelos de provas, a concorrência, a rotina de estudos intensa e a decisão pela escolha do curso superior a ingressar são alguns dos fatores que levam os estudantes a sentirem uma tensão pré-prova.
Por que vestibulares?
Com o desenvolvimento industrial que estava em ascensão no Brasil e o êxodo rural, os anos 1970 foram importantes para a história dos vestibulares e do ensino superior. A busca por melhores oportunidades de emprego aumentaram, e assim, surgiu a necessidade de uma melhor qualificação profissional, o que fez com que os cursos superiores começassem a ganhar maior destaque.
Por causa da grande procura por uma graduação, as provas tiveram que se adaptar para uma seleção mais classificatória. Assim, uma das mudanças decisivas para o ingresso nas faculdades e universidades foi a implementação da redação nos testes.
A mentalidade de uma qualificação profissional para melhores oportunidades de emprego perdura até a atualidade, o que faz com que estudantes, desde o ensino médio, se sintam pressionados com seus futuros.
Mayara Rita, 19, estudante de medicina veterinária, prestou vestibular aos 17 anos, no primeiro ano da pandemia, em 2020. Para ela, a pressão pré-vestibular que é presente nessa fase estudantil, além de tudo o que estava acontecendo naquele momento, como as aulas online que vieram em decorrência da pandemia e o ano de vestibulanda, influenciou bastante no desempenho dela durante as provas:
“Eu acho que afetou muito [meu desempenho nas provas] na época, com certeza. Primeiro que é uma pressão que a gente coloca em si e não se tem uma maturidade emocional para poder lidar com isso, e também não é ensinado nas escolas [como lidar com a pressão].
Além disso, para a graduanda em medicina veterinária, outro fator que deixava ela preocupada na sua época de vestibulanda era a organização de seu tempo para estudar todas matérias necessárias para as provas: “Ter que organizar o meu tempo para estudar e fazer um cronograma me deixava muito em desespero, porque eu não sabia se eu ia dar conta de tudo aquilo que cai nos vestibulares. E por isso você tem que escolher o que vai priorizar para estudar e saber mais.”
Para Isabeli Freire, 20, vestibulanda, isto também é um dos problemas destacados que a deixa aflita com os vestibulares: “os assuntos que são cobrados, o pouco tempo para resolver as questões, acho que deixa todo mundo desesperado por ser tanta coisa para se pensar”, e completa dizendo sobre o repertório que os estudantes têm que ter além do aprendizado escolar: “você tem que ter o conhecimento além do ensino médio, como por exemplo o dos noticiários, sempre estar atualizado nas notícias”.
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Airton Santos, 64, professor de matemática, prestou vestibular nos anos de 1977 e 1978, e relata sobre o que o deixou em mais desespero quando era vestibulando: “Foi a falta de preparo. Porque você saia do colegial e não tinha todas as informações necessárias, o acesso às informações de vestibulares. Por ser na época da ditadura militar, era muito mais restrita às informações relacionadas a educação.”
A professora de Língua Portuguesa, Mei Hua Soares, 43 anos, que prestou vestibular nos anos de 1995 e 1997 relembra que na época, na visão e vivência dela dentro de sua camada socioeconômica, o acesso à educação superior tinha alguns empecilhos: “Eu acho que para algumas camadas, como pessoas que moravam na periferia, pessoas negras, mais pobres, mulheres, eu tinha a sensação que pouquíssimas delas tinham acesso, poucos amigos da minha infância ingressaram na universidade”.
A Bacharel e licenciada em Letras pela Universidade de São Paulo ainda destaca como era a experiência do vestibular na época: “Eu acho que já havia uma pressão, a gente não tinha ENEM, uma boa parcela prestava para as três universidades públicas que a gente tinha mais próximas, que era a USP, UNICAMP e a UNESP, mas eu acho que era uma pressão bem menor do que a que existe hoje”.
Mei ainda completa dizendo que caso não fosse aprovado no vestibular, a sociedade colocava como opção o mercado de trabalho: “era algo assim: se passar vai ser muito bom, mas se não passar tem o mercado de trabalho”, e ainda conta que o acesso aos cursos pré-vestibular era muito limitado, e que na época ainda não existia os cursinhos populares.
Depois dos vestibulares, o que fazer?
Outro ponto que muitos estudantes sempre ficam em dúvida é em relação a certeza do curso a ser escolhido.
Airton, que cursou licenciatura em matemática, comenta como se sentia durante esse período: “Eu fiquei perdido, me senti totalmente um peixe fora d’água, porque eu não sabia o que fazer, qual faculdade. Quando eu entrei no cursinho, foi quando eu comecei a ter noção sobre faculdades e a área que eu queria, comecei a ter consciência.”
Para Isabeli Freire, a decisão do curso a seguir é também um assunto delicado. A estudante não tem certeza do curso que deseja fazer. “Durante o cursinho, vai passando diversas profissões na sua cabeça. Já pensei em fazer economia, odontologia, medicina, finanças, contabilidade. Você vai conhecendo outras áreas, se interessando mais e acaba ficando em dúvida.” E finaliza: “Eu passei meu ensino médio inteiro achando que queria odontologia, quando eu entrei no cursinho eu achei que queria medicina. Por causa da pressão, querendo ou não, isso colabora sobre o que vai ser os próximos passos.”
Juliana Torres, 23, estudante de psicologia, relata que, para ela, esta certeza não existia. “Com a ressalva das pessoas que se planejaram e sonharam com uma profissão durante a vida inteira, é muito difícil que alguém tenha certeza dessa escolha durante o ensino médio, por exemplo.”
Juliana, ainda complementa contando um pouco da sua história de vestibulanda, em que diz ter enfrentado esse período com revolta e desmotivação. Hoje, a estudante do último período de psicologia, diz que não tinha certeza do curso que queria e chegou a fazer um ano de direito antes de trocar para seu curso atual. Para ela, essa é uma das razões pelas quais a pressão pré-vestibular não funciona.