Com o Vice Presidente Hamilton Mourão à frente do Conselho Amazônia e Ricardo Salles envolvido em turbulências, Marina Silva analisa atual desmonte ambiental no País
Na reunião ministerial de 22 de abril, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, falou sobre “passar a boiada”, e quando foi exibida em 22 de maio a crise ambiental veio à tona no Brasil. A partir de então, partidos, empresários, investidores e demais campos da sociedade fizeram forte apelo para a saída de Ricardo Salles do Ministério do Meio Ambiente.
Dentre os ocorridos na gestão de Salles pode-se mencionar: o desmonte de fiscalização ambiental, com fragilização de órgãos como Ibama e ICMBIO; exonerações de funcionários de carreira no Ibama, ICMBIO e Inpe; e a Medida Provisória 910/2019, também conhecida como MP da Grilagem, que retornou como o Projeto de Lei 2633/2020;
Em decorrência dessas situações, começou um movimento de ações de partidos políticos e do Ministério Público Federal (MPF) pedindo o afastamento de Ricardo Salles, somados a pressão externa de investidores e a busca do governo pela melhora da imagem ambiental do Brasil no exterior.
Marina Silva, de 62 anos, foi ministra do meio ambiente de 2003 a 2008, é ex-senadora pelo Acre, professora de história e liderança na questão ambiental.
ESQUINAS COMO TEMOS ACOMPANHADO DESDE A DIVULGAÇÃO DA REUNIÃO MINISTERIAL DO DIA 22 DE ABRIL, DIVERSOS PARTIDOS, INCLUSIVE A REDE, LEVARAM PEDIDOS DE IMPEACHMENT DE RICARDO SALLES POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. COMO A SENHORA ANALISA ISSO?
Esse governo não tem um projeto. O projeto é de radicalizar, polarizar e destruir aquilo que ele acha que deve ser destruído. O ministro Ricardo Salles tem uma agenda, que é a agenda de um anti-ambientalista e de um governo negacionista, ele não deveria estar onde está, porque ele pratica desvio de função, prevarica em suas atribuições exatamente por descumprir o artigo 225 da Constituição Federal e a lei 6938/1981. Ele não pode agir de acordo com suas convicções e por isso deveria sofrer impeachment, como a REDE pediu ao supremo. O próprio setor está diante da pressão dos investidores e do risco de não ter mais investimentos, porque nada que seja dito ou feito por Ricardo Salles terá qualquer tipo de credibilidade.
Obviamente, caberá a pressão da sociedade exigir que o ministério do meio ambiente não seja mais ocupado por anti ambientalistas. Quem vai para o ministério não pode ir ao arrepio do sistema nacional de meio ambiente, existe uma lei que estabelece quais são as funções do ministro. Ele deve ser cassado e qualquer um que for para lá deve se submeter aos ditames da lei que estabelece quais são as atribuições do ministro e do ministério.
ESQUINAS EM ENTREVISTA AO ESTADÃO NO DIA 13 DE JULHO, SALLES DISSE QUE A EXPRESSÃO “PASSAR A BOIADA” NÃO FOI O MAIS ADEQUADO. MAS, FALOU QUE SE REFERIA A DESBUROCRATIZAR ESSE SETOR E TER MAIS EFICIÊNCIA. DISSE TAMBÉM NA ENTREVISTA QUE PRECISAM IR A EUROPA PARA DAR INFORMAÇÕES E OUVIR AS CRÍTICAS.
ENTRETANTO, TAIS CRÍTICAS JÁ FORAM FEITAS E NÃO FORAM OUVIDAS, COMO VIMOS COM O CASO DA NORUEGA E OUTROS PAÍSES EUROPEUS COM O FUNDO AMAZÔNIA. COMO A SENHORA ANALISA ESSE CENÁRIO?
O ministro Ricardo Salles é um sofista, ele ‘sofisma’ o tempo todo. O que ele disse é exatamente o que ele disse: se aproveitar da pandemia para fazer um processo de desregulamentação às escuras, se aproveitando da atenção da mídia, para o problema da saúde pública, que na opinião dele era um momento de tranquilidade. Não importa o que ele tente sofismar agora, é exatamente o que ele disse, com o tom e a intenção do que ele pretendia fazer e fez. Havia um acordo de que só seriam tratados temas referentes a questão da pandemia, de repente aparece a MP da Grilagem. Então, aparece o marco temporal em relação à questão indígena; a medida apresentada para regularizar áreas ocupadas ilegalmente, até mesmo dentro da Mata Atlântica; ou seja, ele disse e estava cumprindo a história de passar a boiada, isso não tem nada a ver com desburocratização. Isso tem a ver com legalizar a contravenção, o crime ambiental.
ESQUINAS EXISTIA A EXPECTATIVA DE QUE O GOVERNO JAIR BOLSONARO TIVESSE DESCASO COM O MEIO AMBIENTE, MAS ERA ESPERADO QUE ISSO OCORRESSE DE MANEIRA TÃO ESCANCARADA E SEM PUDOR?
Esse governo não ganhou as eleições dizendo o que de bom ia fazer para o Brasil, mas sobretudo anunciando o que de ruim ia fazer, desconstruindo o pouco de bom que se tinha.
O Plano De Prevenção do Desmatamento de 2004 rendeu frutos até 2012. E em 2012, no governo da presidente Dilma, ele já foi enfraquecido e o desmatamento voltou a crescer. No governo Temer ele foi mais enfraquecido ainda, e no governo do presidente Jair Bolsonaro ele foi completamente abandonado.
Os resultados não poderiam ser diferentes, pois foi uma profusão de ações intencionais, planejadas e deliberadas, para conseguir esse resultado de desmonte da governança ambiental. Agora mesmo o vice presidente estava em uma audiência com o Senado e disse que as Forças Armadas estão agindo porque que o Ibama e o ICMBIO não têm condição de atuar, por que não tem condição de atuar? Porque o governo enfraqueceu, do ponto de vista orçamentário, o ministério, o Ibama, o ICMBIO. Também persegue agentes públicos e pune aqueles que cumprem suas obrigações. Isso aconteceu com Ricardo Galvão, com diretores do Ibama, e aconteceu agora com a coordenadora do Inpe.
Então, o que está acontecendo foi anunciado e estão cumprindo a rigor, até um pouco mais do que haviam anunciado. Destruindo o que foi construído durante 30 anos com a governança ambiental. O resultado está aí: aumento do desmatamento, avanço das queimadas, aumento do garimpo ilegal, da exploração de madeira, da grilagem de terra, os resultados que temos agora com os investidores ameaçando parar de investir no Brasil.
ESQUINAS NESSE PERÍODO DA PANDEMIA A “BOIADA” DE RICARDO SALLES SEGUE PASSANDO, COMO VEMOS COM O PROJETO DE LEI 2633/2020, QUE DISPÕE SOBRE A REGULAMENTAÇÃO FUNDIÁRIA. A VOTAÇÃO DO PROJETO FOI ADIADA, MAS CERTAMENTE ELE VOLTARÁ A SER DEBATIDO. SE FOR APROVADO NA CÂMARA, O QUE O PROJETO DE LEI SIGNIFICARIA PARA A SOCIEDADE?
Esse projeto é a reedição de um ciclo vicioso e perverso do que acontece em relação à Amazônia. Não é a primeira vez que fazem medidas provisórias para regularizar áreas que foram ocupadas ilegalmente. Em 2009 foi feita uma ação dessa maneira e foram regularizados milhões de hectares. O tempo todo esse argumento volta dizendo que assim vai se possibilitar o controle (das terras). Pelo contrário, é assim que aumenta o descontrole! Porque se você cria a expectativa de que ocupando uma área ilegalmente ela pode ser titulada em seu benefício posteriormente, isso vira uma caçamba de areia. Foi feita uma regularização em 2009, agora mais gente ocupou e foi feita outra regularização. Inclusive, essa que o governo queria fazer regrediria até 2018, que é exatamente o período de eleição do presidente Bolsonaro.
Isso aumenta a grilagem, a violência e o desmatamento, inclusive dentro das terras que foram regularizadas, porque depois que foram concedidos os títulos dessas terras públicas, os levantamentos de satélite de dentro dessas áreas mostram que não são respeitadas a reserva legal nem a área de preservação permanente. Isso é um prejuízo, ambiental, social e econômico, como vemos agora. Além de um prejuízo de natureza política internacional de enormes proporções.
ESQUINAS O VICE PRESIDENTE, HAMILTON MOURÃO, ESTÁ RESPONSÁVEL PELO CONSELHO AMAZÔNIA E, AO MESMO TEMPO, ESTÁ ADMINISTRANDO A CRISE DE SALLES E CONVENCENDO INVESTIDORES ESTRANGEIROS DE QUE O GOVERNO ESTÁ TOMANDO MEDIDAS EM RELAÇÃO AO MEIO AMBIENTE.
COMO A SENHORA ACHA QUE ISSO ESTÁ SENDO FEITO? ALÉM DISSO, ESTÁ EM PAUTA A VOTAÇÃO DO PLANO DE DESMATAMENTO APRESENTADO POR MOURÃO, COMO A SENHORA AVALIA ESSE PLANO?
Uma coisa é o powerpoint, outra coisa é o que acontece lá na ponta. Esse governo se tornou especialista em fazer powerpoint. O que está acontecendo na ponta é que a saúde, a educação e o meio ambiente estão um caos com repercussões econômicas gravíssimas. Dezenas de fundos de investimentos e investidores dizem que vão parar de investir no Brasil. O prejuízo para a agricultura brasileira é enorme. O Brasil tem nas commodities agrícolas e de mineração a maior sustentação de sua balança comercial, sobretudo agora nesse momento de crise. Se estivermos em função do desastre ambiental que é esse governo, a privação do mercado no acesso dos nossos produtos agrícolas e ligados a pecuária causará um prejuízo enorme, ainda porque o mercado leva em conta a falta de comprometimento com os deveres ambientais e com os requerimentos de direitos humanos.
Agora, o governo tem de fazer muito mais do que powerpoint, tem de dar respostas na ponta, onde o desmatamento está acontecendo. E o que está acontecendo é que nós tivemos esse ano satélites mostrando aumento de mais de 70% do desmatamento.
Esse governo desmonta estruturas de fiscalização, cria estruturas sobrepostas que não tem competência técnica nem experiência de gestão para cuidar de uma situação tão complexa. Esse governo demonstra o tempo todo que não tem estatura política, não tem competência técnica e não tem o mínimo compromisso ético em enfrentar um problema com essa magnitude.
O Plano de Ação de 2004 foi abandonado, jogado na lata do lixo. Não só o plano, mas também o Fundo Amazônia que foi criado na minha gestão. São doações que foram paralisadas desde que esse governo assumiu. Em função do aumento do desmatamento e da ação deliberada do governo de parar as ações do fundo, hoje (14) o vice presidente disse que vai voltar a ser do jeito que era, a única novidade é que a cada dois anos vão fazer uma discussão estratégica para priorizar onde será investido os recursos. Então, paralisou-se as ações, aumentou-se o desmatamento, as queimadas e a ilegalidade, para depois chegar à conclusão de que o que estava feito era para ter continuado.