'Nem oito nem oitenta': como funciona a educação positiva? - Revista Esquinas

‘Nem oito nem oitenta’: como funciona a educação positiva?

Por Júlia Silva Arruda, Gabriela Belchior, Camila Belo e Isabela Miranda : abril 12, 2024

A educação positiva é uma forma não punitiva de criar crianças, proporcionando um melhor relacionamento entre pais e filhos. Foto: Cottonbro Studio/Pexels

Cada vez mais popular, a educação positiva é uma forma de educar entre o “8 ou 80” e proporciona uma melhor relação entre pais e filhos

A forma não punitiva de educar tem ganhado grande repercussão na mídia, escolas e famílias pela quebra de padrões que ela causa. A famosa frase: “apanhei e não morri” vem sendo refutada por especialistas e comprovada por responsáveis que praticam a educação positiva com seus filhos.

O que é a educação positiva? 

A educação positiva é uma maneira não punitiva de criar crianças, proporcionando um melhor relacionamento entre pais e filhos. Essa forma de educar une os pilares de respeito, empatia e autonomia para que os educadores possam ensinar através do encorajamento e do exemplo, ao invés de usarem métodos punitivos ou chantagistas.  

Entre os fundamentos da educação positiva, estão o entendimento e respeito dos sentimentos da criança, afinal, ela é apenas uma criança que está tentando se expressar do seu jeito. A base da educação positiva é não punir as crianças. O uso da agressividade, seja ela física e/ou moral, pode causar sérios danos psicológicos no desenvolvimento do ser humano. 

Porém, isso não significa que a educação positiva não impõe limites. Pelo contrário: ela tem regras bem estabelecidas, para que a criança aprenda e entenda as consequências de seus atos. É importante que, além de ouvir, a criança também veja em seus responsáveis o exemplo, para que ela entenda na prática o porquê deve ou não tomar certas atitudes. A criança também precisa errar e ter suas próprias experiências para criar autonomia e adquirir responsabilidade.

Em um modelo mais tradicional, a educação é ‘8 ou 80’: ou é feita na base da punição e recompensa, ou da completa permissividade. Porém, há uma linha tênue entre elas: a educação positiva. É saber dizer não de um modo firme, sem nenhuma grosseria ou desrespeito; é ter o diálogo como base da relação e, por fim, o respeito mútuo. Afinal, como exigir respeito de alguém que não entende o que é ser respeitado?

O método, que vem conquistando espaço na atualidade, envolve uma quebra com o padrão antigo de educação, passado de geração em geração. Justamente pela quebra de padrões, a educação positiva ainda enfrenta críticas de um público que não a entende com clareza. Para que essa visão negativa seja refutada, diversos responsáveis começaram a criar conteúdos na internet, divulgando essa nova forma de ensino e desmistificando tabus ainda existentes.

Fabrine Jeremias, empresária e criadora de conteúdo nas redes sociais sobre educação positiva, explica a aplicação desse método nos dias de hoje e seus desafios. Segundo ela, “a resistência vem por causa do ser humano, que tem prazer em mandar. Normalmente, a criança tem que ser essa criatura que deve obedecer, sem questionar”.


Fabrine reitera a necessidade da comunicação sincera e o respeito como um dos principais fundamentos da educação positiva: “Precisamos mostrar a fragilidade e falar que tivemos um dia ruim, mostrando que somos iguais. Assim, eles vão entendendo o conceito de respeitar para ser respeitado. Quando eu faço algo ruim, peço desculpas e ensino que devemos pedir, porque todos erram. Não existe ‘os pais não erram porque somos perfeitos.'”

Como surgiu 

A disciplina positiva é uma filosofia de vida baseada nos ideais humanistas de Alfred Adler (1870-1937), psicólogo austríaco que criou o movimento da psicologia de desenvolvimento individual, em meados de 1920. 

Ao aplicar seus conceitos na área educacional, Alfred desenvolveu a ideia de criação baseada na firmeza, gentileza e respeito. Na visão dele, as crianças devem ser tratadas de igual para igual, com dignidade. Por outro lado, ele também defendia que mimar os filhos não era uma maneira saudável de se educar, uma vez que, no futuro, resultaria em problemas de socialização e comportamento. 

Além disso, Adler afirmava que todos os seres humanos querem ser vistos e buscam contribuir para a sociedade de forma ativa, se comportando para tal fim. Portanto, quando não se sentem enxergados ou importantes, utilizam do mau comportamento como forma de chamar a atenção para suas necessidades – principalmente as crianças.

Alguns anos após a concepção dessas ideias, Rudolf Dreikurs (1897-1972), psiquiatra e educador, passou a fazer viagens por diversos países com o objetivo de propagar as teorias de de Alfred Adler. Através dos conhecimentos obtidos através dos estudos do psicólogo, o também austríaco Dreikurs escreveu livros sobre o tema e passou a colocar de modo a aplicação dessa psicologia no cotidiano das famílias. 

Entretanto, foi só no início da década de 80 que o conceito de Disciplina Positiva surgiu. A partir dos estudos de Adler e dos materiais publicados por Dreikurs, a terapeuta americana, Dra. Jane Nelsen, foi capaz de idealizar um sistema funcional de educação, que tem como base a filosofia positiva e não agressiva. Nelsen, então, passou a utilizar o método com seus sete filhos e percebeu a mudança efetiva dentro da própria casa. Como testemunha da própria história, escreveu seu primeiro livro sobre o tema: Disciplina Positiva, de 1981.

educação

A falta de suporte afetivo adequado na infância tende a afetar o indivíduo de várias formas quando adulto.
Foto: Vika Glitter/Pexels

A obra tornou-se uma referência e hoje faz parte de uma coletânea com cerca de vinte títulos de sucesso, publicados em mais de 70 países e utilizados como principais fontes da educação respeitosa.

Em 1990, nos Estados Unidos, surgiu o Penn Resiliency Program (PRP), um programa para adolescentes utilizado e desenvolvido pelo Centro de Psicologia Positiva da Universidade da Pensilvânia. Os participantes recebiam lições sobre habilidades cognitivo-comportamentais e sociais, visando o desenvolvimento da resiliência, bem-estar e habilidades sociais e emocionais. 

A ideia era aplicar esse método em todas as instituições escolares. O conceito ganhou força a partir do modelo criado na escola australiana Geelong Grammar School (GGS). Tornando-se grande referência na Educação Positiva, as aplicações tiveram como resultado a enorme produção de manuscritos, servindo de orientação para outras iniciativas.             

A educação positiva na esfera psicológica

Luini Lacerda, psicóloga com especialização em Terapia Comportamental Cognitiva e Terapia Comportamental Dialética, conta que a criação não positiva é chamada de ambiente invalidante. Este ambiente é o que, frequentemente, falha, em dar o suporte emocional para a criança.

“Quando cuidadores tratam as emoções primárias como incorretas, exageradas, ou não as levam a sério, é passada a mensagem de que ela está sendo inadequada, mesmo quando está sentindo de forma legítima”, explica a psicóloga.

A falta de suporte afetivo adequado na infância tende a afetar o indivíduo de várias formas quando adulto. O histórico de invalidação generalizada ao longo da vida, pode construir uma pessoa com hipersensibilidade às críticas e colocações alheias, insegura, ansiosa, com sensação de não-pertencimento, autopercepção desacreditada e problemas de autoestima.


Lacerda diz também que muitas vezes os comportamentos aprendidos com os pais são passados adiante, de geração em geração.

“A criança cresce tendo uma única referência de criação, que aprendeu com seus pais, que também podem ter aprendido com os pais deles. Chegamos ao mundo aprendendo com nossas referências. Mas a boa notícia é que, assim como aprendemos um comportamento ruim, podemos desaprender e aprender outros novos no lugar.”

A educação positiva é capaz de suprir as necessidades emocionais da criança, fazendo com que ela tenha um desenvolvimento saudável em todos os âmbitos. 

“O cérebro de uma criança, com a presença de cuidadores amorosos e validantes, se desenvolve conforme o esperado e de forma saudável em suas funções. Já a criança que cresceu em um ambiente cronicamente invalidante, demonstra atrasos em seu desenvolvimento”, explica a terapeuta.

Em um ambiente ideal, os cuidadores proporcionam um suporte aliviante e apropriado para emoções fortes, o que irá desenvolver uma pessoa com maior capacidade de tolerar situações difíceis ao longo da vida, formando um adulto emocionalmente confiante, maduro e saudável.

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O futuro da educação positiva 

A educação positiva não se limita apenas aos pais. Profissionais da educação também vêm demonstrando interesse pelo assunto, uma vez que o objetivo é formar crianças com mais autonomia, conscientes e responsáveis a cada dia.

Dentre os muitos desafios desse novo modo de educar, a substituição integral da educação e o respeito mútuo estão dentre os principais.

A influenciadora Fabrine Jeremias expõe o desafio que é aplicar a educação positiva em uma sociedade na qual nem todos são adeptos ao método e outras crianças são criadas da maneira ‘tradicional’:

“É desafiador pela questão das pessoas. Com o tempo, amadureci e fui deixando de ficar quieta. Ele não é obrigado a nada.”

A educação positiva já vem sendo utilizada em outros 77 países, além do Brasil. De forma prática, os primeiros passos são

– Estabelecer regras que as crianças consigam compreender;

– Definir combinados para que nada fique mal explicado;

– Repreender o que estiver errado ou sair do combinado;

– Agir sempre como o exemplo: ser educado, se desculpar ao errar, estimular sua criatividade e a formação da própria opinião, e, o mais importante: sempre manter o relacionamento com confiança, empatia e respeito.

“Evoluímos bastante, mas não acredito que vá haver uma sociedade com uma estrutura de educação respeitosa. Por completo não, assim como pessoas com opiniões políticas divergentes, é difícil pensar igual”, opina a influenciadora.

Editado por Mariana Ribeiro

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