Casos recentes de agressões e mortes revelam o crescimento preocupante da violência dentro das salas de aula brasileiras
Em 7 de setembro de 2025, Alice Valentina, de 11 anos, morreu após ser brutalmente espancada por cinco colegas dentro de um banheiro da Escola Municipal Tia Zita, em Belém de São Francisco, no sertão pernambucano.
Em 29 de abril do mesmo ano, uma estudante de 15 anos foi encontrada desacordada no banheiro do Colégio Presbiteriano Mackenzie, na Grande São Paulo. A mãe da adolescente relatou que a filha havia sofrido, por meses, com racismo, bullying e homofobia dentro da instituição.
Em 16 de abril de 2024, Carlos Teixeira, de apenas 13 anos, morreu após ser agredido por colegas na Escola Júlio Prado Couto, em Praia Grande. O ataque aconteceu dentro de um banheiro, depois de uma emboscada feita pelos alunos da escola. Dias depois, o garoto sofreu sete paradas cardíacas e não resistiu.
Um alerta dentro das salas de aula
Casos como esses refletem a crescente violência dentro das escolas brasileiras, um fenômeno que se intensificou principalmente após a pandemia de Covid-19. Segundo o Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas (SNAVE), foram registrados dez ataques em 2022 e quinze em 2023, resultando em nove mortes e vinte e nove feridos apenas no último ano.
No entanto, a violência escolar vai além das agressões físicas. Dados do Sistema Nacional de Educação Básica mostram que 46% dos casos estão ligados ao bullying, 25% à discriminação, 21,6% à depredação escolar e 13,7% a roubos ou furtos.
Em uma sociedade marcada pela violência e pela marginalização, as escolas deveriam ser espaços seguros e acolhedores, capazes de inspirar os alunos a construir um futuro melhor — e não reproduzir os mesmos conflitos que mancham a história do mundo. Assim, surgem perguntas inevitáveis: as escolas ainda são ambientes seguros? O que explica o aumento desses ataques? As crianças devem ser responsabilizadas integralmente por tais atos?
As raízes da violência escolar
A violência escolar no Brasil triplicou nos últimos dez anos, de acordo com o Observatório dos Direitos Humanos (ObservaDH). O ápice das agressões foi em 2023, com 13,1 mil ocorrências registradas. Entre os casos, 50% foram de agressão física, 23,8% moral ou psicológica e 23,1% sexual. Os dados confirmam uma intensificação após a pandemia, levantando um questionamento central: o que leva crianças e adolescentes a protagonizarem esses episódios?
O aumento da violência nas escolas é multifatorial, com raízes em contextos sociais e emocionais fora das instituições de ensino. Durante a pandemia, a privação social teve um impacto profundo e direto na formação emocional dos jovens, explica a psicóloga Luciana Barella:
“A infância e a adolescência são fases em que o contato com outras pessoas, além da família, é essencial para o desenvolvimento de habilidades como empatia, cooperação, resolução de conflitos e construção de identidade.”
Segundo ela, o que predominou naquele período foram sentimentos de medo, perda e instabilidade emocional e financeira dentro de casa, o que desencadeou casos de depressão, ansiedade e até automutilação. “Crianças e adolescentes absorvem esse clima emocional com muito mais facilidade. Essa mudança interfere diretamente na forma como reagem ao mundo e em como tentam chamar atenção”.
Muitos pais, tentando poupar os filhos de mais sofrimento ou frustrações, deixam de impor limites claros — o que resulta em jovens com menor tolerância à frustração e dificuldade em lidar com regras.
Esse perfil também contribui para o enfraquecimento das relações com figuras de autoridade. A escola, que antes era um espaço onde o professor era visto como autoridade incontestável, hoje lida com alunos mais impulsivos, que não reconhecem ou desvalorizam o papel dos educadores. A relação com professores e diretores se tornou mais frágil, permeada por uma intimidade excessiva que descredibiliza seu papel e favorece episódios de agressão.
Outro fator crucial é o tempo excessivo de exposição às telas. Durante o isolamento, o contato com o mundo externo foi substituído por celulares, computadores e videogames. Luciana aponta que esse uso exacerbado impacta diretamente o sono, o foco e os padrões de comportamento. Muitos adolescentes passaram a preferir o mundo virtual ao real, criando uma dependência por estímulos rápidos — algo que ainda persiste hoje —, o que gera intolerância à frustração, dificuldade em lidar com o tédio da rotina escolar e aumento de comportamentos impulsivos e agressivos.
Esse consumo digital intenso também contribui para a formação de referências distorcidas: influenciadores digitais, muitas vezes, exaltam comportamentos sem limites, ostentação e desrespeito às normas. Crianças e adolescentes, ainda em fase de construção da identidade, aprendem observando — e acabam absorvendo essas influências como modelos de comportamento.
No âmbito familiar, quando os jovens ficam expostos a ambientes de negligência, rejeição ou abuso físico e emocional, tendem a apresentar baixa autoestima, menos autocontrole e maior propensão à agressividade. A assistente social e ex-conselheira tutelar Luciana Azeredo afirma:
“Crianças e adolescentes expostos à violência doméstica, seja como vítimas ou testemunhas, tendem a reproduzir esse comportamento na escola. Existe uma repetição de padrões que pode fazer com que o adolescente reproduza o ciclo de violência, tornando-se um agressor também, com comportamento agressivo, brigas ou bullying contra colegas.”
Todos esses fatores somados contribuem para o aumento da violência. Entender essas raízes é essencial para compreender por que tantos jovens, hoje, recorrem à agressividade como linguagem e comportamento — e também para encontrar formas de solucionar esse conflito.
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Estratégias de prevenção e ação
O debate sobre como responsabilizar menores de idade em situações de violência escolar reacende uma preocupação essencial: como agir diante desses casos sem criminalizar as crianças e adolescentes envolvidos? Mais do que punição, especialistas defendem medidas de proteção, fortalecimento das famílias e ampliação das políticas públicas de apoio psicológico e social.
A assistente social Luciana Azeredo explica que o primeiro passo é sempre a avaliação da gravidade do caso e o contato com a escola e a família:
“Quando a escola aciona o Conselho Tutelar por violência, o conselheiro primeiramente avalia a gravidade, busca informações junto à escola e à família e adota medidas de proteção e de garantia de direitos. Dependendo da gravidade e do tipo de violência, o Conselho pode encaminhar e requisitar serviços de apoio ou serviços públicos.”
A ex-conselheira também destaca que, em casos de violência por vulnerabilidade social, o Conselho pode atuar em várias frentes, sempre com o objetivo de proteger os direitos da criança e do adolescente. Ela ressalta que o Conselho não é um órgão punitivo, mas um agente de proteção e encaminhamento.
“A vulnerabilidade social está, muitas vezes, ligada à falta de acesso a serviços básicos — saúde, educação, assistência e moradia —, e a eficácia da atuação depende da articulação entre os diferentes órgãos da rede de apoio. Vulnerabilidade não é um fator que justifica a violência, mas é uma condição que contribui. Em situações mais graves, o Conselho pode aplicar medidas como o acolhimento institucional, que retira a criança ou o adolescente do convívio familiar”.
A construção de uma cultura de paz passa pela educação emocional. Programas de mediação de conflitos, aulas sobre empatia, respeito e diversidade e o fortalecimento da escuta ativa dentro da escola são estratégias eficazes para reduzir casos de agressividade e bullying.
A psicóloga Luciana Barella explica que o aumento da violência escolar é um fenômeno complexo, resultado da combinação de diferentes aspectos emocionais, familiares e sociais:
“Esses fatores afetam diretamente o comportamento dentro da escola. O aumento da violência é multifatorial, porque vários elementos contribuem para isso. Podemos citar a falta de estrutura familiar, situações de desnutrição, negligência e violência doméstica — mas não apenas nas escolas de periferia. A violência também está presente em escolas de classe média e alta”.
Barella destaca ainda que as mudanças de comportamento na infância e na adolescência são reflexo de uma baixa tolerância à frustração e de um ambiente social que, muitas vezes, reforça atitudes impulsivas:
“Essa menor tolerância à frustração, somada ao ambiente em que a criança e o adolescente interagem, contribui para que se tornem mais atrevidos, mais encorajados. Há também uma sensação de liberdade exagerada, de que não haverá punição ou de que as consequências da violência passam despercebidas ou são relevadas pela escola.”
Esses fatores reforçam a necessidade de investir em programas de educação emocional e acompanhamento psicológico contínuo nas redes de ensino, especialmente no pós-pandemia.
A prevenção da violência escolar é uma tarefa compartilhada. As famílias devem estar presentes e atentas aos sinais de sofrimento dos filhos, enquanto as escolas precisam garantir ambientes seguros e acolhedores.
A violência escolar é um reflexo da sociedade e exige respostas coletivas, estruturadas e humanas. O caminho não está na criminalização de crianças, mas na proteção, no diálogo e na educação.
Como sintetiza Luciana Azeredo, “o caminho é proteger, não punir”. E, como reforça Luciana Barella, é preciso entender que a violência nasce de múltiplas causas e só será superada quando todos — Estado, escola, família e comunidade — atuarem juntos.