“Tive que me adaptar a olhar para uma câmera ao invés das crianças”, diz professora sobre dificuldades do ensino remoto - Revista Esquinas

“Tive que me adaptar a olhar para uma câmera ao invés das crianças”, diz professora sobre dificuldades do ensino remoto

Por Maria Paula Azevedo, aluna do projeto Redação Aberta #1* : maio 28, 2021

Após ano desafiador, professoras do ensino infantil da rede pública e particular relembram obstáculos e aprendizados da pandemia

“Foi difícil e ainda é. Toda a minha rotina com as crianças sempre foi para o trabalho em duplas ou em grupo, sempre incentivando a colaboração mútua. Nós tivemos que refletir e mudar totalmente a postura. Caminhamos para o individual e nunca foi assim”, relata Edna Ferreira de Sousa, professora da primeira fase na EMEI Décio Trujillo e do 1° ano na EMEIF Luíz Bortolosso, dos municípios de Barueri e Osasco, respectivamente, sobre sua adaptação para o ensino remoto.

O setor da educação, no qual muitos professores ficaram sabendo praticamente da noite para o dia dessa nova realidade, foi um dos que mais inovou e improvisou para manter o cronograma didático do ano letivo fiel ao original. Consequentemente, os professores foram os primeiros a sentir essas mudanças.

Para o ensino infantil e fundamental, etapas em que o contato físico, o olho no olho e a comunicação direta garantem o entendimento, tamanha mudança foi mais do que desafiadora, em grande parte pela dificuldade dos professores com a tecnologia. “São muitas demandas, de repente eu tenho que produzir um vídeo, um podcast, solicitar isso dessas crianças, editá-los e realizar a comunicação via Whatsapp”, explica ela. “Eu nunca tinha produzido um powerpoint, então foi tudo novo. Hoje em dia, eu amo fazê-los.”

A situação de Edna se repetiu com milhares de professoras pelo país. 79% dos docentes relatam ausência de curso específico em suas formações e dificuldade para o uso do computador e da internet, segundo uma pesquisa da TIC Educação, de 2019. Os números não param por aí, a necessidade do ensino remoto emergencial ampliou a abertura dos professores às tecnologias: 94% enxergam esses recursos como muito importantes para a aprendizagem, de acordo com um levantamento feito em 2020 pelo Instituto Península.

Ensino remoto e as telas

Outro desafio foi manter o vínculo com os alunos através das telas. “Sendo uma contadora de histórias, a importância do olhar era muito grande. Quando a escola pediu que eu as contasse via vídeos, tudo se tornou muito difícil. Tive que me adaptar a olhar para uma câmera ao invés das crianças”, lembra a psicóloga e contadora de histórias Regina de Azevedo, do colégio particular COC Vila Yara.

ensino remoto

Regina de Azevedo em vídeo feito para os alunos
Acervo pessoal

“É diferente, ao vivo, a criança interage e você cria. Ao preparar o vídeo, você precisa pensar em recursos que vão dar conta daquela tecnologia, no poder de síntese, no que fazer com o meu tom de voz para manter a atenção da criança”, completa ela, que trabalha com alunos do 1° ao 5° ano. Em uma fase tão relevante como a primeira infância, em que se aprende não só a ler e a escrever, mas também valores e como agir em sociedade, as professoras tiveram que encarar o duplo desafio de ensinar e entreter.

Mesmo com essas adaptações por parte dos professores, ensinar remotamente ainda é um grande desafio, principalmente pela falta de acesso das crianças à tecnologia. Nas redes municipais, a ferramenta mais usada durante o ensino remoto emergencial foi, com 93% de predominância, o WhatsApp, usado para a comunicação entre pais e docentes. Os recursos mais adequados ao uso pedagógico, como plataformas educacionais, representam apenas 22%, segundo a Pesquisa Undime sobre Volta às Aulas 2021.

Na situação atual, a responsabilidade de educar passou a ser dividida com as famílias. Pais, mães e irmãos vestiram o papel de professores por mais de um ano letivo, contudo, alguns educadores ainda se questionam sobre a valorização de suas profissões. “É difícil saber”, comenta Regina. “Por um lado, sinto que muitos pais estão exaustos, mas tenho dúvida se eles reconhecem o trabalho do professor”.

“Atualmente, os professores da rede pública de São Paulo estão em greve e a mídia não sabe disso. Nem saiu o dissídio desse ano ainda, era para recebermos em março, mas já vamos para junho e não se vê reação nenhuma.”

Um ano perdido?

Para o professor Rodrigo Ratier, jornalista com doutorado em educação e docente na Faculdade Cásper Líbero, mesmo com as adversidades, 2020 não foi um ano perdido. “Foi muito difícil, porque a partir de março você teve educação remota emergencial. É uma entrada em um outro jeito de ensinar e isso foi complicado para essa fase”, recorda.

“Mas não podemos deixar de lembrar que cinco milhões de crianças e jovens não tiveram esse acesso, o que é quase 15% do total de alunos. Não acho que foi um ano perdido, mas muito prejudicado”, opina Ratier.

Outros docentes, como Edna, apresentam um ponto de vista diferente: “Nem posso dizer que as crianças estão alfabetizadas, dependo do auxílio das famílias. Muitas vezes, percebe-se que tem a letra do adulto. O pai ou a mãe não tem muita paciência para ajudar a criança a desenvolver a escrita.”

Edna acredita que, para a educação pública no Brasil, foi um ano totalmente perdido. “Estávamos todos em processo de aprendizado. Professores e alunos inventando novas formas de comunicação e se adaptando”, explica. “Aprendi muito, para uma educadora que não sabia nada de tecnologia, agora consigo até ajudar outras colegas. Mas é isso, porque eu não consigo mensurar se foi bom ou ruim para os meus alunos.”

*Redação Aberta é um projeto destinado a apresentar o jornalismo na prática a estudantes do ensino médio e vestibulandos. A iniciativa inclui duas semanas de oficinas teóricas e práticas sobre a profissão. A primeira edição ocorreu entre 17 e 28 de maio. O texto que você acabou de ler foi escrito por um dos participantes, sob a supervisão dos monitores do núcleo editorial e de professores de jornalismo da Cásper Líbero.

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