Com a dificuldade de se adaptar às mudanças, permanecer no Ensino Superior apresenta novos obstáculos para alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA)
O Transtorno do Espectro Autista (TEA), segundo o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), é um distúrbio do desenvolvimento caracterizado por déficits na reciprocidade socioemocional e comportamentos comunicativos não verbais usados para interação, como o contato pelos olhos e a linguagem corporal. Também há déficits para manter e compreender relacionamentos, disfunção sensorial, o apego às rotinas e a dificuldade em lidar com mudanças.
Diante dos sinais do TEA, a adaptação para o ensino remoto emergencial imposto pela pandemia do novo coronavírus foi mais difícil para estudantes autistas. Com a dificuldade em se adaptar a uma nova realidade, e a invisibilidade do autismo adulto, esses alunos sentiram de maneira mais intensa as consequências do isolamento social.
Priscila Silveira Corrêa, de 28 anos, é mestranda em Oceanografia pela Universidade de São Paulo (IOUSP) e afirma sentir-se sozinha durante a pandemia mesmo morando com a família. A estudante, diagnosticada em 2021, está seguindo rigidamente a quarentena e sente falta dos amigos e dos ambientes que frequentava. Atualmente, Priscila optou por canalizar as suas energias “para cumprir obrigações acadêmicas e trabalhar, então acabo deixando de lado interações sociais. Com isso, às vezes, passo meses sem falar com amigos e nem percebo”. Ela desenvolveu, pela primeira vez, um quadro de ansiedade generalizada e ansiedade social e afirma que precisará “de um tempo de reabilitação em sociedade quando voltar às ruas.”.
Ciente do TEA desde 2012, Luís da Cunha é graduando pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). O aluno de 29 anos relata que a transição do ensino presencial ao ensino remoto foi conturbada e deprimente. Alguns professores cobravam mais do que faziam no ensino presencial, com longas aulas e uma carga maior de atividades. Ele brinca que não sente falta de estar em uma sala lotada com setenta pessoas, no entanto, sente falta de ir para a USP.
Além disso, Luís desenvolveu um quadro de depressão e ansiedade e se afastou de quase todos os amigos. Apesar de a parte mais difícil ter sido o início da pandemia, ele acredita que “a transição para voltar será fisicamente difícil.” Ele reconhece que “alguns alunos autistas podem ficar mais confortáveis em casa do que em uma sala de aula, mas a falta de socialização é depreciativa para todos os grupos humanos.” O graduando enxerga a pandemia como um “estresse psíquico, pois estamos confinados com nós mesmos, e isso gera uma solidão coletiva”.
Veja mais em ESQUINAS
Vícios, distrações e falta de perspectiva: entenda como a pandemia afetou a rotina dos vestibulandos
Ian Lucas Tashiro, de 25 anos, é mestrando em Física pela Universidade de São Paulo (IFUSP). Para o aluno, diagnosticado em 2019, a transição do ensino presencial para o remoto foi estressante e sua maior dificuldade é manter a atenção na aula. “Após quatro anos com uma rotina, mudar completamente o sistema com o qual estava acostumado foi negativo”, relata. Faz parte do TEA não se dar bem com mudanças, fato evidenciado em seu gosto “de fazer a mesma coisa todos os dias na mesma ordem, e mais ou menos nos mesmos horários.” Assim como Priscila e Luís, Ian se afastou da maioria dos amigos e colegas. Mesmo que sempre tenha apreciado a solidão, ele sente falta de ir à universidade.
Comorbidades como depressão e ansiedade são comuns em pessoas no espectro autista. “A falta de estrutura desregulou meu sono, não vejo mais o Sol, meu corpo não sabe que horas são. Todos os dias são iguais. Acordar, estudar, comer, dormir”, Ian desabafa. Uma vez, teve metade de sua nota subtraída por chegar atrasado em uma apresentação porque “tinha começado tomar um remédio para depressão que estragou meu sono”.
O trio também afirmou desconhecer apoio da universidade para autistas. Todos gostariam que houvesse, por exemplo, auxílio financeiro, apoio psicológico, grupos de ajuda e coletivos. Os três também sugeriram um formato de avaliação e aula mais flexível.
Rodrigo Pelegrini Ratier, de 42 anos, jornalista e doutor em Educação, aponta que todas as formas de inclusão ajudariam os indivíduos do espectro autista. As escolas e professores poderiam ter um olhar mais cuidadoso, tendo em vista que poucos professores tiveram disciplinas sobre Educação Especial. O professor também sugere um retorno em que os tempos de aula aumentem de modo progressivo.
A criação de um coletivo autista dentro das universidades, segundo ele, ajudaria os estudantes com TEA a se adaptarem às mudanças durante e após a pandemia. Em 12 de maio, o Coletivo Autista da USP foi criado com a finalidade de conscientizar a comunidade acadêmica e apoiar a permanência de autistas no Ensino Superior.
View this post on Instagram
* Redação Aberta é um projeto destinado a apresentar o jornalismo na prática a estudantes do ensino médio e vestibulandos. A iniciativa inclui duas semanas de oficinas teóricas e práticas sobre a profissão. A primeira edição ocorreu entre 17 e 28 de maio. O texto que você acabou de ler foi escrito por um dos participantes, sob a supervisão dos monitores do núcleo editorial e de professores de jornalismo da Cásper Líbero.
** Luís da Cunha é um nome fictício para um entrevistado que preferiu não se identificar.