A economia durante a pandemia e depois dela na visão de três economistas
“As pessoas acham que a crise termina com a vacina, mas podemos comparar a situação com o filme O Pianista. O personagem só viu o quanto a Europa estava destruída quando acabou a guerra”. Essa é a análise que o doutorando em Economia na Unicamp, Paulo Daniel, fez ao refletir sobre o atual momento de pandemia e o futuro da economia brasileira. No longa, o personagem principal, Wladyslaw Szpilman, perambula por uma Europa devastada pela Segunda Guerra Mundial, mas só percebe a magnitude da destruição com o fim da guerra. “É a mesma coisa que vai acontecer com a gente, e não só com Brasil”, diz Paulo. Seu posicionamento se repete com outros economistas entrevistados pela reportagem de ESQUINAS.
A salvação vem sendo constantemente associada a uma vacina quase como um milagre, mas a realidade vai muito além de uma agulhada. “Não sabemos qual será a repercussão desse processo de retomada e não sabemos qual será a saída do ponto de vista sanitário”, pontua Raphael Brito, mestre em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp. O atual cenário econômico está carregado de vulnerabilidades e o processo de recuperação é longo.
Contexto econômico atual
De modo geral, os países estão enfrentando a pandemia com uma política monetária expansionista, incentivando o aquecimento do mercado e a circulação de moeda para que a queda econômica não seja tão grande.
De acordo com os dados do Sistema de Contas Nacionais Trimestrais, o Brasil entrou em recessão técnica oficializada no dia primeiro de setembro. Desde então, algumas medidas foram tomadas para amenizar a crise. O doutor em História Econômica pela USP, Adalton Diniz, explica: “Com a economia em recessão, é necessário aumentar a quantidade de dinheiro em circulação, o que significa dinheiro mais fácil para as pessoas. Isso dá uma animada na economia”.
Disponibilizar mais dinheiro no mercado significa aumentar a liquidez, ou seja, dar poder de compra para as pessoas. Porém, há certo misticismo envolvido. É necessário esclarecer que “emissão de moeda não necessariamente gera inflação”, explica Paulo Gabriel.
Mas, para Adalton, ainda que essa seja uma medida corriqueira, existem motivos para desconfiar. “O governo está imprimindo muito dinheiro, mas você não tem quem compre, está todo mundo preso em casa”, diz.
Raphael não acredita que haja motivo de preocupação no momento, já que “essa emissão não começa exatamente com as questões da pandemia, é um desdobramento desse processo”. Segundo ele, essas condutas são planejadas para manter o equilíbrio: “É o meio de pagamento da economia. Tem mecanismos de balanceamento por um lado, mas controle de parte dessa liquidez por outro. Acho que de fato a gente não tem risco inflacionário.”
A recuperação do IBOVESPA
Em curto prazo, o preço dos ativos da Bolsa de Valores reflete a expectativa do mercado. Antes mesmo de a pandemia afetar a economia real, já havia afetado a Bolsa. Os valores das ações caíram e houve uma saída recorde de investidores internacionais do País. Porém, diferente de muitas áreas, esse mercado apresentou uma recuperação rápida, antes mesmo de uma retomada expressiva da economia.
Os investidores brasileiros, que antes estavam focados em poupanças ou recursos aplicados em títulos públicos, deram conta de substituir grande parte dos acionistas estrangeiros, colocando seu dinheiro na B3, a bolsa oficial do Brasil. Dados dela indicam que desde o início da pandemia, em março, a quantidade de contas com CPFs cresceu 52%.
Segundo Raphael, “muitas pessoas foram prejudicadas pela crise econômica, mas tem uma parcela da população que conseguiu guardar e investir mais dinheiro do que antes, aumentando sua poupança.”
O doutorando Paulo acredita que o contexto se justifica com a liquidez do setor e as políticas facilitadoras do Ministério da Economia para os investidores. “O atual governo está dando o seguinte sinal: ‘Olha, caso tenham problemas estaremos aqui para auxiliá-los’”.
Com uma trajetória de alta nas ações da B3 — que vinha acontecendo desde 2016 — em adição à queda da taxa básica de juros, a Selic, que chegou aos 2% nas últimas semanas, o cenário fica ainda mais positivo. “A queda da Selic justificou essa migração, e o processo de valorização da Bolsa é um ponto central. É surpreendente, se alguém me perguntasse dez anos atrás se eu imaginava que um dia a gente teria uma Selic de 2% , 2,5% eu acho que daria risada”, diz Raphael.
Entretanto, Adalton acompanha esse aumento da Bolsa e a elevação da quantidade de dinheiro em circulação com preocupação. “Os economistas falam que não tem inflação, e de fato não tem. Mas eu olho para a Bolsa e ela está subindo, ou seja, esse aumento do dinheiro em circulação não está impactando o aumento do preço de alguns produtos, mas está impactando o preço das ações, virando uma bolha.”
Possibilidade de uma bolha especulativa
“É sempre a pergunta de 1 milhão de dólares, né? Quem sabe quando estamos em uma bolha?”, brinca Raphael. Uma bolha econômica é uma construção artificial que acontece quando determinados ativos são comercializados a preços acima dos seus respectivos valores. Ela pode estourar, e aí os preços despencam junto com os investimentos.
Esse efeito geralmente é acompanhado de alguma “moda”, como explica Adalton: “Isso nunca muda. Quando você tem uma bolha especulativa, aparece um monte de gente falando ‘olha, a bolsa agora é o caminho, a economia está boa, aposta na bolsa que você vai ficar rico’. E aí, um mês depois, a bolsa despenca e você perde todo o dinheiro que colocou lá.”
Para ele, existe uma chance de que o Brasil esteja entrando nesse processo atualmente. “Os preços não estão subindo porque ninguém está comprando, mas os preços dos ativos financeiros estão aumentando. O aumento do dinheiro em circulação impacta segmentos muito específicos, por isso, podemos estar criando uma bolha no mercado financeiro. Essa bolha vai crescer até explodir, não tenho bola de cristal, mas essa é minha preocupação.”
Uma das características do fenômeno é o desprendimento da economia real, o que até agora, não aparenta ter acontecido. “Não me parece que esse crescimento, até o momento, possa ser uma bolha de ativos, porque ela ainda guarda um lastro da economia real. Então, se os papéis da B3 estivessem com os ativos da Gol e da Azul, por exemplo, muito acima do seu valor histórico, e aquele conjunto de ativos totalmente descolados da economia real, seria uma bolha”, esclarece Raphael, mestre em Desenvolvimento Econômico.
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Nesse cenário, é complexo prever como estará a economia brasileira em curto e longo prazos. O economista Adalton Diniz não se demonstra otimista com os próximos dois anos e meio, mas espera que as instituições brasileiras se mantenham fortes e apoiem o País tanto em questões econômicas quanto políticas. Para ele, diante da atual situação, o governo deveria fazer cortes de gastos desnecessários. “O Ministério da Defesa recebeu um aumento de verba, acho desnecessário. Até onde eu sei, nós não estamos em guerra”, pontua.
Ele também ressalta a necessidade de focar os gastos no meio ambiente. Isso porque o Brasil se encontra em um momento delicado devido ao desmatamento na Amazônia e as queimadas no Pantanal. “A questão ambiental não pode esperar mais. O Brasil está perdendo espaço no mercado internacional, está sofrendo ameaças por conta da irresponsabilidade ambiental”, afirma Adalton.
Paulo Daniel tem uma visão semelhante em relação ao futuro da economia. No lugar de Paulo Guedes, ele realizaria um planejamento juntamente com os governadores dos estados, aprimoraria o SUS e definiria a balança comercial brasileira. Para ele, também é “fundamental que a gente comece a criar produtos que estão ligados à biodiversidade, que tenham alto valor agregado. Por exemplo, a Universidade Federal do Ceará produziu uma pomada cicatrizante à base de coco que está pronta para comercialização em larga escala. Por que a gente não faz desse produto algo extremamente brasileiro?”.
Já para Raphael, “existem três tópicos iniciais que necessitam atenção: garantir renda para as pessoas, reformar nosso sistema tributário e, por fim, criar um programa de investimento público associado à infraestrutura social.” De acordo com ele, “a retomada da economia brasileira não parece estar no espaço das ações da política econômica. Estão retirando direitos, acumulando reformas, mas não estão tendo resultado do ponto de vista econômico. Não me parece nem que a equipe econômica tem um plano pra isso, nem que as ações tomadas são suficientes para promover essa trajetória da retomada.”