Durante o mês de julho, ESQUINAS publica reportagens especiais sobre o impacto da covid-19 no comércio e serviços. Este é um texto sobre o atendimento clandestino em um salão de beleza, o 11º – e último – texto da série
Você respeitou a quarentena?
Saiu de casa?
Teve algum sintoma?
Tem algum sintoma?
Uma hora e meia mais cedo, a interrogadora chegou, passou produtos de limpeza na entrada e em todas as áreas que o interrogado utilizaria. Com uma máscara de pano e a face coberta por uma viseira, a anfitriã faz as perguntas ao indivíduo, sentado em uma cadeira da qual só poderá levantar para ir embora. O questionário nada mais é que uma conversa de salão de beleza, comandada por Maria das Graças (nome fictício a pedido da entrevistada), 41 anos, em um de seus poucos e escondidos atendimentos semanais.
Dona de salão de beleza há mais de 10 anos na Zona Oeste de São Paulo, a cabeleireira se vê obrigada, com muito temor, a sair de casa para a labuta. “A gente depende do valor que a gente faz”, resume.
Proibida de trabalhar desde o dia 24 de março, quando começou a quarentena no estado de São Paulo, Maria respeitou a determinação por um mês e meio. Passado esse tempo, não foi mais possível seguir a regra. “Chega um momento que a reserva acaba. Não tem alternativa. Tem que atender escondido. E ainda é muito difícil conseguir cliente, as pessoas estão com muito medo. Tenho amigas donas de salão de beleza no mesmo barco”, testemunha.
Entretanto, o sumiço da clientela não é de hoje. Em fevereiro, quando a gritaria sobre o coronavírus ainda era um burburinho no Brasil, a quantidade de cabelos cortados já foi abaixo do esperado. “Aquele mês de fevereiro já foi um indicativo. Em março, veio a queda livre”, sentencia.
No início do terceiro mês do ano, fez uma viagem previamente marcada para a Colômbia. Nos dias em que ficou fora, ninguém apareceu. Ao retornar, no dia 17, pouco pôde fazer antes de a quaresma virar quarentena. Estava iniciada a Via Crucis contábil.
Para aliviar o peso das contas, um dos primeiros passos foi a renegociação do aluguel do imóvel que hospeda seu salão há três meses. “Teve uma baixa significativa e, mesmo assim, não é possível pagar”, conta. Dessa forma, foi necessário encontrar mais uma fonte de renda. “Comecei a fazer pães e bolos. Vendi bastante até voltar a atender, mas o custo da matéria prima subiu muito no mercado e o lucro era pequeno. Ainda assim, é melhor pingar do que faltar”, pondera.
Apesar da ansiedade pela retomada do setor, a reabertura gradual da economia não a empolga. Além de considerar a medida precipitada, salões de beleza estavam inclusos na terceira fase do Plano São Paulo, quando poderiam operar por quatro horas com 20% de sua capacidade. “É exatamente o que estou fazendo. Não vou poder chamar meus auxiliares para pegarem condução e ficarem só quatro horas no salão”, lamenta.
O medo de contrair a doença também a faz crer que o movimento não retornará à vera antes do fim de 2021, ainda mais em um estabelecimento cuja clientela é 60% composta por idosos. “São poucos os pequenos empreendedores que vão conseguir passar por isso. Nem eu mesma sei se vou”.
– “É desesperador, né?” – pergunta de maneira retórica.
– “Se te serve de consolo, na Dinamarca os sistemas de reservas online entraram em colapso quando os salões de beleza foram liberados. O pessoal estava desesperado para cortar o cabelo.” – cumpro meu dever de repórter ao informar.
– “Amém! Se for assim vai ser maravilhoso!” – encerra em alto astral.