Um sonho interrompido na pandemia: a realidade do microempreendedor - Revista Esquinas

Um sonho interrompido na pandemia: a realidade do microempreendedor

Por Felipe Sapia, Giovani Danjo, João Pedro Conze e Matheus Silva : fevereiro 10, 2021

Durante a pandemia, a loja Deu Samba! precisou se reinventar no mercado para conseguir superar as dificuldades econômicas que surgiram no Brasil

Um sonho interrompido pela pandemia. Foi assim que Marcos Jonas, dono da loja Deu Samba!, viu seu projeto de vida afundar da noite para o dia. Por causa da crise do novo coronavírus, as vendas de seus produtos, camisetas e canecas estampados com elementos da cultura afro brasileira, caíram a zero durante os dois primeiros meses de quarentena.

O estande no Shopping Light, mantido com muito sacrifício, logo se tornou um custo inviável e ele teve de abrir mão do ponto. Marcos não está sozinho. Milhares, senão milhões, de empreendedores viram seus negócios naufragarem e o seu sonho arruinar por conta da pandemia. E agora lutam para se reerguer.

O início de um sonho

O sonho de ter um negócio próprio começou muito tempo antes mesmo de Marcos ter uma ideia definida. A única certeza era de que precisava sobreviver. “A Deu Samba! surgiu dentro das necessidades (financeiras), como muitas”, afirma à equipe da Factual900.

Havia doze anos, o comerciante paulista largou tudo e se mudou, em 2008, para Paraty, no Rio de Janeiro, acompanhado da mulher, Renata Toméo, para empreender. Por algum tempo, mantiveram uma pousada. Mas escolheram voltar para a cidade natal e ficar próximos da família. Assim, começou um pinga-pinga para ganhar alguma grana. “Depois viemos para uma vídeo locadora em São Paulo, de lá fui trabalhar em um restaurante da família de Renata e, de repente, eu tinha que fazer algo para mim, algo que fizesse sentido, né? E também da necessidade de poder ter uma renda.”

Para Marcos, o sentido tinha a ver com a sua identidade. Veio a ideia de fazer camisetas representativas da cultura afro brasileira, uma forma de trabalhar de forma autêntica com o que acreditava. “É a nossa cultura, é a sua cultura. Eu falo pro pessoal: ‘Você nasceu aqui, não tem jeito, não tem como você escapar. A capoeira é sua, o samba é seu. É tudo nosso’”. Assim surgiu a Deu Samba!, em 2017.

O negócio passou por vários estágios. De início, ele pensou em fazer estampas em camisetas simples e baratas, que se compra em qualquer loja básica de roupas. Mas após estudar e analisar o mercado, Marcos entendeu que queria que o produto fosse de qualidade. A solução foi comprar tecidos e mandar costurar as camisetas da maneira que mais lhe agradasse.

Apesar de todo o planejamento, o  empreendedor não teve muita facilidade ao longo da realização de seu sonho e teve que ser motivado por colegas: “No começo eu tive uma pequena depressão. Estava sem confiança para desenhar, pedi pra um amigo meu desenhar. […] Uma mensagem que eu recebi de um preto velho falou assim: “Ô filho, você tá com medo do que? Levanta, vai andar. Toda criança cai, levanta, anda, cai, levanta e anda, até aprender a andar. Vai andar que você já tá forte”. O recado o ajudou a ganhar confiança e ele passou a confeccionar mais camisetas e expandir sua marca.

As vendas começaram pelo Facebook e WhatsApp, a maioria para amigos e conhecidos. Mas o comerciante passou a levar os produtos em barzinhos da região para mostrá-los a outras pessoas e ampliar sua clientela. As boas reações o motivaram a frequentar eventos: “Fiquei por dois anos expondo em feiras artesanais, com arara debaixo de chuva, sol, frio. Vendia um pouquinho aqui, um pouquinho ali”.

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Deu tudo certo, mas…

Surgiu então a oportunidade da Deu Samba! ter um estande no Shopping Light. Desde então, Marcos chegou a ter uma loja virtual, mas desistiu depois de pouco uso. A hora era de dedicar-se exclusivamente à loja física.

O estande já estava ativo por dois anos, quando, em março deste ano, a pandemia do novo coronavírus interrompeu o sonho do empreendedor paulista. O fechamento do Shopping Light durou 3 meses. Durante esse período, o estabelecimento não cobrou aluguel pelo estande, mas, na reabertura, Marcos teve uma forte frustração. As condições seriam impraticáveis para um pequeno vendedor como ele.

“(O shopping ia reabrir) das quatro às oito. O horário de pico do shopping é das onze e meia às três e meia da tarde. Depois disso, o movimento cai um pouco e volta um pouquinho às cinco e meia, seis horas, que é quando o pessoal tá saindo do trabalho. […] Das sete horas em diante, o shopping morre. Não tem movimento. […] E o aluguel eles falaram que ninguém sabe nada ainda, então eu peguei e falei: ‘Boa, então eu não vou ficar’”. Além disso, Marcos nos conta que nos estandes poderia haver aglomeração e, por não querer se expor e arriscar não só sua saúde, mas também de sua família, preferiu abandonar o estande do shopping.

O sonho se reinicia

Após tanta dedicação e crescimento, Marcos estava de volta à estaca zero e precisando ressuscitar a Deu Samba!, que, em suas palavras, “já tá aí, não tem como apagar”. Enquanto o shopping estava fechado, ele decidiu reativar o comércio eletrônico. Segundo dados do Sebrae, 31% dos micro e pequenos negócios mudaram seu funcionamento e 59% foram obrigados a interromper suas atividades por falta de recursos durante a pandemia. Além da Deu Samba!, mais de 135 mil lojas migraram para o ambiente virtual após o início da quarentena, segundo a ABComm.

“Costumo dizer que agora o processo em que estou é o processo em que estava lá atrás: de pegar a arara, ir até a frente de um barzinho, de uma baladinha e vender, mostrar minha marca. Agora eu tô nessa fase, só que virtual. É um novo recomeço”, desabafa.

O site foi recuperado, mas já está em processo de reformulação. Marcos conta com um perfil no Instagram, @use_deu_samba, onde também anuncia suas vendas.

Por todo o país, milhares de microempreendedores viram seu sonho se apagando aos poucos na pandemia. Muitos já estão improvisando e mudando até o formato de negócio. Marcos diz já ter recuperado, até então, 20% do prejuízo causado pela pandemia, o que traz a ele uma sensação de esperança e motivação para ele continuar com a sua loja: “Eu tô estudando marketing digital, eu vi que tenho que trocar de plataforma. Também tô vendo outras situações, como tráfego. Tô trabalhando de outro jeito nesse mundo agora. […] O virtual é um novo campo que eu tô focadíssimo, deu samba!”.

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