“Não existem animais de rua. Existem animais nas ruas e essa não é condição deles”, diz protetor - Revista Esquinas

“Não existem animais de rua. Existem animais nas ruas e essa não é condição deles”, diz protetor

Por Ana Júlia Resende : outubro 27, 2021

Pessoas que buscam recuperar dignidade de animais abandonados contam sobre os desafios da causa

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, estima-se que, no Brasil, há 30 milhões de animais domésticos abandonados, entre eles 20 milhões de cães e 10 milhões de gatos. O número é superlativo porque a adoção de bichos não é aplicada em grande escala por brasileiros. Ainda prevalece a compra de animais.

Protetores de animais buscam dar, na medida do possível, uma vida digna aos animais abandonados. Qualquer pessoa que ajude um animal de rua – alimentando, cuidado de ferimentos, providenciando um lar, é protetor. ONGs e protetores independentes vivenciam um cotidiano de desafios constantes, uma vez que muitos não têm o apoio necessário.

As redes sociais e seu poder de viralização

Com mais de 140 mil seguidores no Instagram, Gabriel Chaves é dono da ONG Casa do Vira Lata, em Guarulhos (SP). O perfil é famoso pelos stories. Gabriel posta, diariamente, dezenas de vídeos dos animais resgatados. Os conteúdos fazem tanto sucesso que os seguidores brincam e chamam “BBB animal”, fato que ajudou para o crescimento do perfil da ONG e, consequentemente, para maiores doações e probabilidades de resgates maiores. Além disso, o protetor também usa o Twitter para divulgar, pedir ajuda e tentar adoção para os animais.

 

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“Em 2018, eu já estava bem engajado com a proteção, mas o perfil surgiu mesmo em 2019 quando eu resgatei 20 filhotes de várias ninhadas diferentes. Resgatei esses filhotes e coloquei todos na minha garagem, e o perfil surgiu como ‘Adote um cão’”, explica Gabriel. “No começo, queria que fosse totalmente independente, com meu salário. Eu usava muito desse discurso, de fazer sozinho, para mostrar que outras pessoas poderiam fazer também.”

Como o perfil cresceu rapidamente e maiores demandas de resgates chegaram, Gabriel começou a aceitar doações de outras pessoas: “O perfil foi crescendo e eu resolvi criar um plano de assinatura de 1 real por mês, uma forma de ajudar que não comprometesse tanto as pessoas. A proporção do projeto só foi aumentando, eu resolvi realmente vestir a camisa. Em fevereiro deste ano, saí do meu emprego e a página está cada dia crescendo mais”. Hoje, além desse plano de assinatura (que pode variar entre 1 e 12 reais), as doações para a ONG podem ser feitas através de depósitos e vaquinhas criadas para ajudar os animais.

No que se refere à adoção, o processo é bem cuidadoso. Tudo é feito on-line, por meio das redes sociais. A pessoa interessada em adotar os animais entra em contato com a ONG e, depois disso, há diversas etapas minuciosas de perguntas visando ver se a família interessada realmente é a ideal para adotar o bichinho.

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Atualmente, há cerca de 70 animais resgatados na Casa do Vira Lata. Gabriel diz que o giro é muito rápido: com cuidados veterinários, alimentação adequada e carinho, a dignidade dos animais é restaurada. Quando saudáveis, eles já são doados.

“Não existe animais DE rua, existem milhares animais NAS ruas e essa não é condição deles, vivem injustamente sem dignidade por serem vítimas do abandono e descaso humano”, escreveu em seu perfil do Instagram. “Não é justo, cabe a nós reverter essa situação, cabe a nos ajudá-los, salvá-los, fazer o possível e impossível para proteger esses seres inocentes. Eles precisam de nós”, finaliza Gabriel.

O matadouro que virou símbolo de vida

“O local onde a gente está hoje é um antigo matadouro desativado por problemas ambientais. Então, nós pegamos um local onde se matava para um local de vida”.

Assim funciona o Parque Francisco de Assis, uma ONG localizada na cidade de Lavras (MG), que resgata, trata e abriga mais de 400 animais resgatados. As coordenadoras Agulucia Amarante, Patrícia Arriel e Lenilce Gomide contam a história da ONG que faz a diferença na cidade de um pouco mais de 100 mil habitantes.

“Nós tínhamos um grupo espiritual e nos reuníamos semanalmente”, afirma Patrícia. “Era um grupo que queria fazer algo de bom, fosse o que fosse! Agulucia fazia parte desses encontros e o nosso grupo queria fazer algo para mudar a realidade do canil municipal. Lançamos rifas e eventos para arrecadar dinheiro. As pessoas foram gradualmente se envolvendo com o projeto. A prefeitura nos emprestou o terreno por 30 anos — e podia renovar quando esse tempo acabasse. E assim vamos caminhando há 10 anos com os cães”, completa Patrícia.

Hoje, financeiramente, a ONG sobrevive com as colaborações pequenas de pessoas que podem doar pouco, mas também eventualmente com ajudas maiores para o sustento mensal dos animais e as despesas fixas. Normalmente, quando há um projeto maior — como uma instalação de energia fotovoltaica no Parque, feita no ano passado —  outras campanhas são feitas para esses objetivos específicos.

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Cada pessoa doa um pouco de si. Segundo as coordenadoras, os voluntários estudantes de Medicina Veterinária das universidades de Lavras exerciam um trabalho fundamental no funcionamento do Parque. No entanto, com a pandemia, essas ajudas diminuíram, fato que aumenta os desafios do abrigo de praticamente 400 animais.

O dinheiro continua sendo o maior problema e o motivo pelo qual nem todos os animais de rua de Lavras conseguem ser resgatados pela ONG. A falta de ajuda e a sobrecarga de responsabilidade nas mãos de poucas pessoas também são impasses que as protetoras sentem que poderiam ser amenizados se ainda mais pessoas as ajudassem. Mas seguem firmes.

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“Esse é o papel do parque: acolher todos que chegam ali amorosamente, independente se vão sobreviver ou não, se vão ser adotados ou não. Todas as pessoas que passam do portão para dentro falam que ali existe uma paz que é palpável. É mágico”, finaliza Lenilce.

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