Catar é alvo de denúncias por mortes de operários nas obras da Copa - Revista Esquinas

Catar é alvo de denúncias por mortes de operários nas obras da Copa

Por Vinicius Silvestre : dezembro 2, 2021

Khalifa International Stadium, localizado em Doha, Catar.

Aproximando-se da data final, o país está montando uma cidade inteira do zero para o evento e já finalizou grande parte das obras prometidas

Marcello Sellmer e sua família vivem há pouco mais de dois anos no Catar. Eles já visitaram três dos oito estádios da Copa, o Khalifa, Education City e o Al Bayt Stadium, sendo que o último eles só viram por fora.

“Chama a atenção os gramados perfeitos, lembrando que durante boa parte do ano as temperaturas ficam acima dos 40 graus e com muito sol. Outro aspecto interessante é a climatização, os estádios têm ar-condicionado. E tem também as tribunas de honra, com poltronas e muito conforto para os VIPs”, relata.

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Foto tirada por Marcello durante visita ao Education City.
Marcello Sellmer

Segundo ele, há muito cuidado com a segurança e, no geral, o tratamento é cordial e profissional. Ainda, a facilidade em acessá-los é grande, pois a maior distância entre os estádios é de 55 quilômetros, entre os estádios Al Khor e Al Wakrah. De acordo com os responsáveis da Copa do Mundo no Catar, os torcedores irão conseguir assistir a dois jogos no mesmo dia.

O “campo” que a torcida não vê

Porém, apesar de toda modernidade empregada na construção dos estádios, o país está enfrentando uma grave crise trabalhista. Em uma série de reportagens, o jornal The Guardian relatou que 6500 trabalhadores morreram no Catar desde a sua confirmação como sede para a Copa do Mundo. O jornal consultou Nick McGeehan, diretor da FairSquare Projects, que afirmou ser provável que muitas dessas mortes foram de pessoas envolvidas em projetos de infraestrutura para o evento esportivo.

Entre as causas desses óbitos, estão ferimentos contundentes devido a quedas, asfixia por enforcamento e, também, causa indeterminada de morte devido à decomposição. Porém, a mais comum é a “causa natural”, que é muitas vezes atribuída à insuficiência cardíaca ou respiratória aguda.

O calor, característico do clima do país, também é responsável por parte dessas mortes. De acordo com um relatório da Organização Internacional do Trabalho da ONU, os trabalhadores no Catar enfrentavam estresse térmico significativo quando trabalhavam sob o sol por, pelo menos, quatro meses ao ano. Inclusive, o calor extremo foi um dos motivos que levou a FIFA a mudar a data da competição, que seria no verão, para o inverno.

O país ainda conta com uma grande massa de trabalhadores imigrantes, responsáveis pela construção dos modernos estádios, hotéis e trens de alta velocidade. Segundo a ONU, existem aproximadamente 2 milhões de trabalhadores imigrantes no Catar, número que chega a representar 88% da população local.

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Um problema que não se restringe ao Catar

Paulo Rocha, pesquisador e coordenador do Núcleo de Estudos do Oriente Médio da UFF (NEOM), afirma que a situação laboral de risco dos países do Oriente Médio não é novidade. “Na maioria do Golfo o trabalho é feito por estrangeiros, geralmente trabalhadores da Índia, do Paquistão e das Filipinas e esses trabalhadores não têm praticamente nenhum direito trabalhista garantido. Mas, como é uma Copa do Mundo, isso ganha visibilidade”, aponta.

Tiago Duarte Dias, doutorando em antropologia pela Universidade Federal Fluminense, também participa do NEOM e acrescenta que esses trabalhadores são levados ao Catar em condições sub-humanas. Muitas vezes com os salários retidos, precisam pagar as dívidas e trabalhar em um calor extremo. “É um comportamento da organização de toda a construção, não só de estádios, mas sim de toda a infraestrutura ao redor”, afirma.

Porém, segundo Rocha, esse tipo de polêmica é comum em eventos esportivos, e essas denúncias não possuem uma durabilidade. Os países que passam por essa exposição “maquiam” os problemas durante o evento, o que acaba gerando um esquecimento por parte das pessoas após o término.  “Tradicionalmente, essas polêmicas não levam a nenhuma repercussão a longo prazo, basta lembrar dos jogos olímpicos em Pequim, em Moscou na época soviética, na Alemanha nazista e nos Estados Unidos no auge da Guerra Fria”, afirma o pesquisador.

Tiago afirma que ocorre o chamado sportswashing (traduzido de forma direta como lavagem esportiva), que é quando um indivíduo, corporação ou país usa de um esporte importante para melhorar sua reputação. “É uma forma do Catar se legitimar como país, fazer uma propaganda para o mundo”, analisa o doutorando. Ainda segundo ele, estarem tentando de alguma forma esconder isso é preocupante devido às proporções dos acontecimentos no país. “Em nenhuma copa teve um volume tão grande de pessoas morrendo, de trabalhadores morrendo”, afirma.

Entretanto, Tiago e Paulo ressaltam que acham que não vai ter nenhuma consequência para o Catar. Ambos acreditam que a Copa vai ocorrer normalmente, sem qualquer tipo de punição por parte da FIFA ou outros órgãos. “É um evento tão globalizado e tão importante, isso acaba tendo uma atenção da mídia e do público mesmo. Até quem critica vai acabar torcendo”, finaliza Tiago.

Apesar dos documentos e depoimentos apresentados pelo jornal The Guardian e de todas as denúncias de órgãos de defesa dos direitos humanos, o Catar nega todas as acusações. Segundo a sua organização, ocorreram apenas três óbitos relacionados ao trabalho em estádios e 35 não ligados ao trabalho.

Editado por Anna Casiraghi

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