Beisebol já conta com base fiel, mas encontra desafios em alcançar grande público e garantir investimento
Qual foi a última vez que você ouviu falar sobre beisebol? Aposto que não deve lembrar de cabeça. No Brasil, esse esporte dificilmente passa pela mente do cidadão médio. O que você deve lembrar, na realidade, é a final da Copa do Brasil ou o jogo do seu time de futebol do coração que te fez arrancar os cabelos em uma quarta-feira depois do trabalho.
No território brasileiro, o beisebol parece não ter uma presença muito marcante. Quando se pensa nessa modalidade, normalmente a associa aos Estados Unidos ou, no máximo, ao Japão. O que talvez você não saiba, é que há uma cultura do beisebol instaurada por aqui, que é conservada há anos por famílias e amigos que, juntos, criaram uma comunidade forte do esporte no maior país da América Latina, que encontra brechas para crescer.
Mas antes de entrar a fundo em como o beisebol se mantém e preserva sua cultura no Brasil, vamos fazer uma viagem no tempo para entender de onde surgiu este esporte tão singular.
Uma Volta no Tempo
Conhecido mundialmente, o beisebol conta com uma rica história que se originou nos Estados Unidos e hoje tem presença internacional. A prática surgiu de uma mistura de outros esportes que também utilizavam tacos e bolas, como “rounders” e “stoolball”, dois jogos ingleses trazidos pelos imigrantes britânicos para a América.
Não se sabe dizer ao certo o ano que nasceu a modalidade, mas o consenso geral é de que começou a ser praticada uma forma primitiva de beisebol em 1839. Já em 1845, The New York Knickerbockers foi o primeiro clube organizado, estabelecendo as regras do esporte.
A popularização ocorreu em 1860, com a Guerra Civil Americana. Soldados nova-iorquinos levaram o beisebol para diversos cantos do país, um momento crucial para sua história, que moldou a cultura americana como conhecemos hoje.
O Cincinnati Red Stockings foi o primeiro time profissionalizado, atingindo o feito em 1869. E logo em seguida, em 1876, a National League (NL) foi fundada, com a finalidade de reunir os times e jogadores em campeonatos organizados. Em 1901, foi a vez da American League (AL). As duas ligas se diferenciam em algumas tecnicalidades nas regras e contam com diferentes times.
A história das competições é turbulenta. Embates por conta de fãs, jogadores e prestígio as assolaram no início, mas hoje em dia as duas coexistem de forma pacífica, cada uma com seus campeonatos, estruturações e divisões.
A pacificidade da AL e NL resultou na Major League Baseball (MLB). Através de reuniões e acordos, as duas ligas juntaram-se e criaram uma liga que mostrasse essa organização unificada. A formação aconteceu em 1903 e estabelecia que as regras agora seriam padronizadas, com uma estrutura de competição regulada.
O primeiro campeonato da MLB aconteceu no ano de sua constituição, disputado entre os campeões da AL, Boston Americans (atualmente Boston Red Sox) e da NL, Pittsburgh Pirates, com o primeiro saindo vitorioso da disputa. O campeonato se tornou um clássico instantâneo e mantém-se como uma tradição anual.
Beisebol no século XX
Entre 1910 e 1940, o beisebol viveu a “era de ouro” nos Estados Unidos. Personalidades do esporte, como Babe Ruth, criaram uma curiosidade sobre este mundo entre os americanos.
Times como o New York Yankees, Chicago Cubs e Cleveland Indians foram criados nessa época e se estabeleceram como os gigantes do beisebol.
Com a Grande Depressão econômica de 1929, os jogos foram o escape de milhões de pessoas, sendo considerado acessível para o grande público. Apesar da crise ter afetado muitos aspectos da cultura americana, a popularidade da modalidade continuou crescendo.
Com o começo da Segunda Guerra Mundial, muitos jogadores foram recrutados para serviço militar e o esporte ficou enfraquecido. Para se manter, foi criada em 1943 a All-American Girls Professional Baseball League, a liga feminina de beisebol, uma grande conquista para as mulheres da época. Dorothy Kamenshek foi uma das grandes pioneiras. A atleta começou no softball e foi recrutada para compor o Rockford Peaches, um dos primeiros times de beisebol para mulheres.
Outra luta importante dentro do beisebol aconteceu durante a segregação racial, vigente nos Estados Unidos em meados do século XX, que impedia times interraciais. Jackie Robinson foi o primeiro jogador negro na MLB, em 1947. Além desse grande marco, Robinson era um ativista pelos direitos dos negros e é, até hoje, lembrado e exaltado por suas batalhas, além do seu talento em campo.
Prêmios e Destaques no Beisebol
Com uma extensa história, o beisebol concede prêmios e honrarias diversas para celebrar os atletas e seus times. O prêmio de Rookie Of The Year (Calouro do Ano), por exemplo, é concedido para os melhores jogadores estreantes nas duas ligas da MLB, e revelando as maiores promessas dentro do esporte.
O All-Star Game (Jogo das Estrelas), por sua vez, é um jogo anual que reúne os melhores atletas dentro do beisebol. Os times são separados entre jogadores da NL e AL. A escolha dos integrantes fica a critério de uma votação popular destinada aos fãs. Fazer parte desta partida demonstra o impacto que os jogadores têm dentro do esporte e é uma das maiores honras na MLB.
Existem ainda diversos prêmios para reconhecer os melhores rebatedores, técnicos, defensores, arremessadores, entre muitos outros, mas o maior prestígio para um atleta de beisebol é receber o MVP, Most Valuable Player (Jogador Mais Valioso). Este prêmio busca indicar o jogador de mais destaque da temporada e é normalmente decidido por votos de jornalistas esportivos, gerentes gerais de equipes e outros especialistas da área.
Beisebol ao redor do mundo
De filmes, séries até músicas e grandes astros, os Estados Unidos são conhecidos por exportar produtos culturais para todas as partes do globo. O esporte, é claro, não fica de fora disso. Em países como Cuba, Japão, Coreia do Sul e República Dominicana o beisebol chegou como um reflexo de mudanças sociais, econômicas e políticas se tornando intrínseco na história, cultura e até na identidade regional.
Embora o beisebol já fosse muito admirado e praticado na Ásia e nas Américas, a inserção nas Olimpíadas de 1992, em Barcelona, foi essencial para a popularização mundial, proporcionando uma visibilidade inédita, consolidando o esporte como uma modalidade de alcance internacional.
Em Cuba, o esporte rapidamente ganhou popularidade pela semelhança com outra prática já conhecida na região, um esporte espanhol chamado “Balón”. Em 1878, 14 anos após de sua chegada no país, a primeira liga internacional foi criada. Durante o governo de Fidel Castro o esporte tornou-se um símbolo de resistência depois de recorrer ao amadorismo com o fechamento das ligas. Dominando competições internacionais como os Jogos Pan-Americanos, Copa do Mundo de Beisebol e as Olimpíadas, onde ganhou três ouros e duas pratas em 5 anos, Cuba se consagrou como uma das maiores potências mundiais quando o assunto é beisebol.
Já no Japão, o esporte ganhou espaço por materializar os principais valores de disciplina e compromisso do país, fazendo com que o Ministério da Educação do Japão solidificasse o beisebol como uma atividade que contribui para o caráter nacional. E no sul do continente asiático, na Coreia do Sul, o jogo atrai milhares de pessoas aos estádios durante a temporada.
Foi nos anos 2000, durante as Olimpíadas de Sydney (2000) e de Pequim (2008), quando a Coreia ganhou o Bronze e o Ouro respectivamente, que o país se tornou mundialmente conhecido pelo seu estilo e potência de jogar beisebol. Por causa da alta visibilidade e popularidade, muitas escolas secundárias introduziram o esporte como parte da grade curricular, além das ligas juvenis, como a Korea Future League, que surgiram nesse período.
A vinda para o Brasil
No Brasil, o beisebol chegou no início do século XX, com trabalhadores norte-americanos que vieram para o país trabalhar em empresas como a Light — companhia de energia elétrica –, o Consulado americano e a companhia telefônica. O esporte era uma forma de se manter conectado à cultura americana mesmo em outro país, além de ser uma das principais fontes de diversão e lazer no meio do caos da capital paulista.
A chegada dos imigrantes japoneses, em 1908, também desempenhou um papel significativo na popularização da modalidade, principalmente no interior do país. O esporte, antes praticado majoritariamente nas lavouras do interior de São Paulo, além de ser uma atividade física, ainda é uma forma de celebrar e se manter mais próximo à cultura nipo-brasileira.
Olívio Sawasato, um dos fundadores e ex-presidentes da Federação Paulista de Beisebol e Softbol, comenta que conforme o esporte foi se aperfeiçoando e ficando mais popular, houve uma necessidade natural da criação de uma federação nacional. Por isso, no ano de 1946, a Federação Paulista de Beisebol foi criada.
“A comunidade japonesa achou que devia se oficializar uma entidade para dirigir o esporte nacional. Nós nunca pensamos em fundar a Federação por conta de inclusão nas Olimpíadas”, conta Sawasato.
Para essas nações, é possível perceber que o beisebol é algo geracional, passado de pai para filho, servindo como uma forma de união que visa preservar a essência cultural do país.
“O beisebol era o lazer dos imigrantes, em grande parte, por ser um dos principais esportes do Japão. Muitos imigrantes carregavam ele junto de si para se manter ligado à cultura, e isso passou para as próximas gerações”, completa.
Apesar do beisebol não ser um esporte tradicionalmente brasileiro, ele ainda é praticado por pequenos grupos restritos, principalmente no interior de São Paulo e do Paraná e por muitos clubes e lugares que ligados à cultura japonesa.
Quem Veste a Camisa?
Consolidado em seu nicho no Brasil, o Beisebol se mostra presente entre os clubes, atletas, amantes. A maior instância do esporte, hoje, tem a sede em São Paulo: a Confederação Brasileira de Beisebol e Softbol (CBBS). Ela é responsável pela organização, controle e administração das modalidades olímpicas no Brasil.
A Confederação já conta com 30.000 participantes, 120 times envolvidos em todo o país e 55 campeonatos nacionais e internacionais por ano.
A comunicação do beisebol, que é conhecido por poucos grupos de brasileiros e com uma forte tradição de “pai para filho”, atrai a audiência desse pequeno grupo, sejam eles os jogadores de times oficiais e não oficiais, ou os amantes da prática que acompanham de fora do campo. Times federados, clubes, universitários assistem jogos e classificações nacionais e internacionais.
Fora dessa comunicação interna, a manifestação dos times, hoje, tem sua raiz voltada para o digital. A utilização das redes sociais e websites independentes garante a presença na internet, e as informações sobre campeonatos e times não estão fora de alcance. Apesar disso, a invisibilidade natural que o Beisebol sofre no país, muitas vezes impossibilita que o esporte se desenvolva, tenha investimentos e apoiadores.
Na maioria das vezes, a falta de visibilidade, e consequentemente de investimentos, atrapalha o desempenho dos times e o “paitrocinio”, dinheiro vindos dos próprios pais das crianças, se torna um dos métodos para manter os times infantis, por exemplo. Mas no caso de times adultos, quem “banca” toda a estrutura? Chega um momento em que as crianças crescem e o “paitrocinio” não é mais o suficiente. Na verdade, ele nunca deveria ter se tornado o normal.
Em entrevista com Kiyochi Hiraoka, atual presidente da Federação Paulista de Beisebol, ele comenta a falta de patrocínios e investimentos governamentais.
“Patrocínio de órgãos oficiais do Estado ou da prefeitura, por enquanto, não tem. Nós temos que solicitar para a Secretaria de Esportes fazer alguns pedidos de ajuda, porque quando a gente realiza os campeonatos, temos muita despesa.”
Hoje, as despesas que envolvem um campeonato como transporte, alojamento, comida e materiais são custeadas pela anuidade fixa dos clubes que compõem a federação e mais taxas extras de inscrição.
A falta de incentivos do governo estadual na área de esportes pode representar um grande risco, não só ao beisebol, mas a qualquer outra modalidade que deixa de ser praticada por falta de recursos. No caso do beisebol, a cultura que se dissemina por São Paulo e o amor dos praticantes, o mantém vivo. Os altos custos para realizar um campeonato ou até mesmo para renovar os materiais, vem do investimento de cada atleta.
“O material é todo importado, então requer alguns requisitos básicos, como o dinheiro. Porque no Brasil, infelizmente, não tem muito incentivo do governo. Então a maioria dos jogadores de beisebol, aquele negócio que chama, é do “paitrocínio”, não é do patrocínio”, disse Hiraoka
Quem também menciona a questão do “paitrocínio ” e os problemas da falta de investimentos é Gustavo Watanabe, de 39 anos, que hoje é presidente do Giants, coordena toda a parte administrativa do time e atua como técnico de arremessadores na Seleção Brasileira. Afora do universo do beisebol, é economista e contador e trabalha para uma multinacional japonesa. Mas quem o conhece apenas pelos seus cargos e apelido “Janjão”, sequer desconfia de sua longa trajetória dentro do esporte.
Sua história começa ainda quando criança, em Guararapes. Seu vizinho, que era técnico do esporte, chamou Watanabe e o irmão, querendo tirá-los do tédio. “No início, não gostei muito”, conta. Mas com o incentivo do irmão, continuou indo. Ele confessa que não ia pelo esporte, mas sim pela brincadeira e o estímulo que sempre sentiu por ser competitivo. Aos poucos, foi aprendendo a gostar de estar no campo, antes mesmo de jogar nele. Como se sentia acolhido e motivado, desde os sete anos, Gustavo, ou Janjão, como os colegas de time o chamam, nunca mais parou de frequentar os campos e jogar.
Aos 17 anos, foi nomeado o melhor jogador de beisebol no Brasil, se mudou para o outro canto do globo e foi estudar na Universidade de Takushoku, em Tóquio. Ele relembra desses acontecimentos como suas melhores memórias dentro do esporte, e faz conexão com o fato de hoje cuidar voluntariamente de um time.
“Tudo que eu consegui na minha vida foi pelo beisebol. Só quero devolver pra sociedade o que eu recebi”, reflete.
Hoje, sem investimentos governamentais, se o beisebol ainda se mantém, muito se dá pelo amor ao esporte. Tanto pelos aqueles atletas que embolsam suas despesas, quanto por doações e esforços coletivos para que ele continue se propagando. No dia 31 de outubro de 2024, fomos ao estádio de Beisebol, Mie Nishi, onde os clubes Giants e Anhanguera receberam doações de Fuku-Chan, empreendedor japonês. O empresário, que veio do Japão ao Brasil para fazer as doações de materiais, realiza esse serviço voluntário desde os 25 anos.
Ser visível no invisível
Ainda restrito ao amadorismo e sem uma indústria consolidada no Brasil, as mídias digitais atuam como a principal ferramenta para promover e dar maior visibilidade aos amantes e atletas de beisebol.
As páginas oficiais da CBBS reúnem juntas quase 30 mil aficionados pelo esporte no Instagram, Twitter e Facebook. Sem um espaço no noticiário brasileiro ou na televisão, as plataformas cumprem a função de antenar o público sobre as últimas atualizações do universo do beisebol e do softbol no Brasil. Também é possível acompanhar as últimas notícias no site oficial da confederação, que é atualizado com frequência.
A extensão do espaço físico do esporte, com os quais poucos têm contato, ao espaço virtual possibilita a aproximação de indivíduos, mesmo que distantes geograficamente, a um mundo o qual grande maioria nem mesmo notaria a existência. Ex-jogadora e treinadora de beisebol há mais de oito anos, Márcia Mizushima, destaca a falta de contato de brasileiros com o esporte.
“Alguns brasileiros não sabem que tem beisebol no Brasil, mas já tem faz tempo. Eles acham que é um esporte muito distante para o brasileiro, eles acham que só os americanos jogam, que é coisa de americano, e não é. O Brasil já foi campeão mundial na categoria de 15 anos”, analisa a treinadora.
Constantemente determinado como um esporte majoritariamente praticado por norte-americanos e asiáticos, espaços que divulgam a história da modalidade em outros países ajudam a desprender a prática de tal estereótipo. Para Mizushima, a necessidade de acabar com essa visão é essencial.
“O mais importante: eles acham que é coisa de japonês. Isso é uma coisa que a gente tem que descolar. Se for pesquisar, a maioria dos jogadores não tem descendência japonesa”, complementa a ex-jogadora.
Carol Coelho é fotógrafa e estrategista em redes sociais. No ramo desde 2006, é ela quem acompanha e registra os bastidores da Seleção Brasileira de Beisebol. Carol destaca que as redes podem auxiliar no crescimento da visibilidade do esporte, mas que não é possível depender apenas delas, e sim, de um amplo plano de comunicação.
“Eu acredito que as entidades, todas as pessoas e empresas que se relacionem com o esporte precisam planejar a comunicação. As redes sociais são boas ferramentas e funcionam muito bem desde que atendam a um planejamento eficiente para que as ações tenham resultados. Mas, as estratégias de comunicação precisam ser pensadas de maneira mais ampla e não serem focadas somente nas redes. Redes sociais são feitas para socializar e a comunicação vai muito além disso”, explica.
Para a fotógrafa, nem a verba e nem a capacidade de alcance de uma modalidade impede que um bom plano de estratégia auxilie na visibilidade da prática.
Grandes conquistas do beisebol brasileiro
Embora sofra com o apagamento social, muito devido ao domínio midiático do futebol, o beisebol tem mostrado grande potencial no crescimento desportivo no país. As conquistas no cenário internacional, juntamente com as oportunidades acadêmicas oferecidas por universidades estrangeiras, tornam o beisebol uma ferramenta importante para o desenvolvimento pessoal e social de muitos jovens.
Nos últimos anos, a seleção brasileira tem recebido atenção aos poucos no cenário beisebolista. Sua primeira grande participação em uma competição internacional foi em Cuba, no ano de 2003, quando disputou a Copa do Mundo de Beisebol. Neste campeonato, a seleção obteve uma campanha surpreendente ao avançar às quartas de final, onde enfrentou a seleção cubana, a forte anfitriã, e acabou sendo derrotada na intensa disputa das entradas finais.
Em 2012, a seleção teve a oportunidade de disputar as qualificatórias para o World Baseball Classic (WBC), um dos maiores campeonatos de beisebol do mundo, a convite da organização Major League Baseball. Atuando em um campeonato de alta performance, os jogadores brasileiros enfrentaram os times da Nicarágua, Colômbia e Panamá, seleções que, na época, eram consideradas grandes potências. A vitória sobre a seleção panamenha garantiram a classificação inédita para as eliminatórias, que seriam disputadas no ano seguinte no Japão. A seleção acabou caindo no “grupo da morte” com Cuba, Japão e China e perdeu todas as partidas.
Porém, foi em 2023 que os brasileiros obtiveram a sua maior conquista, quando receberam a medalha de prata nos Jogos Pan-Americanos de Santiago, no Chile. A campanha histórica foi um marco para o esporte no país, que, mesmo sem visibilidade e patrocínios, conseguiu desempenhar e mostrou ao mundo o talento dos jogadores brasileiros.
O time chegou na competição sem amedrontar os adversários, já que não participava do torneio desde 2007 e enfrentaria seleções tradicionais no esporte, como Venezuela, México e Cuba. O Brasil se manteve na liderança de forma invicta, mesmo após enfrentar seleções de alto nível, como Cuba, Venezuela e Colômbia, avançando para o “super round”.
“Foi um jogo muito competitivo, soubemos aproveitar a cada momento do jogo e conseguimos um bom resultado, que se transformou em confiança nos próximos jogos”, relembra Oscar Nakaoshi, jogador da Seleção Brasileira de Beisebol, sobre o primeiro jogo contra o time venezuelano.
Na final da modalidade, o Brasil perdeu para a seleção colombiana por 9 a 1 após as 7 entradas da partida, conquistando a celebrada medalha de prata para o país.
Depois da campanha do Brasil no campeonato, o esporte encontrou um espaço, ainda que pequeno, na mídia do país. Os resultados surpreendentes chegaram até o público através da transmissão aberta da Cazé TV, canal de streaming focado em eventos esportivos. Você provavelmente já ouviu falar desse veículo durante a cobertura das Olimpíadas de Paris neste ano.
Com o beisebol não foi diferente, a transmissão possibilitou que a modalidade furasse a bolha. “Dava para ver nos comentários da live, mesmo quem não sabia do esporte estava lá assistindo a conquista”, relembra Carlos Tatsumi, gestor do Estádio Municipal de Beisebol de São Paulo. Para Douglas Takano, jogador da Seleção Brasileira de Beisebol, o beisebol passou a ser mais falado no país depois da projeção com a Cazé TV.
Além de ganharem a medalha inédita com a amarelinha, os jogadores também conquistaram o carinho do público. Murilo Gouvea, que também integrou o time brasileiro, descreve a participação no Pan de Santiago como “uma experiência inesquecível”.
“Representar o Brasil sempre será uma experiência fora do normal, um sentimento inigualável de carregar a bandeira do Brasil no peito”, ressalta Victor Couto, também jogador da Seleção.
Agora com um olhar mais a frente, questionar sobre o futuro desse time campeão e da cultura do beisebol no Brasil é fundamental. Ao pensar em Los Angeles 2028, o time se mantém focado com uma base de preparação diferenciada para apostar no próximo ciclo olímpico.
O Brasil ainda é amador quando se trata desse esporte, a maioria dos jogadores entrevistados pontuaram a falta de incentivo e de estrutura para dar continuidade ao crescimento da modalidade. O jogador Murilo Gouvea, também professor de beisebol para crianças, descreve a importância de repassar seus conhecimentos à nova geração.
“Acredito que o Brasil tem muito potencial pra ser maior nesse esporte e sim, hoje em dia tem um pouco mais de suporte, mas ainda penso que precisamos de muito mais, pra continuar evoluindo.”
Para Além dos Campos
Os impactos do beisebol ultrapassam as linhas do icônico campo de diamante. Muito mais do que conseguir uma medalha, um dos principais aspectos que envolvem a prática esportiva são as oportunidades que surgem aos jovens praticantes. Diferente de muitos esportes, o ganho pessoal através do beisebol vai muito além das conquistas dentro de campo. O acesso a bolsas de estudo em universidades renomadas é uma das principais vantagens que este esporte oferece aos jovens.
Essas oportunidades surgem ainda na adolescência, como aconteceu com o jogador Gustavo Watanabe. Ele enfatiza que seu maior ganho foi no âmbito pessoal, destacando o amadurecimento e a imersão na cultura japonesa, que lhe permitiu assimilar novos costumes e comportamentos, algo que tenta repassar aos mais jovens.
“A gente vem de uma cultura japonesa, então a gente ‘passa muito forte’ essa parte da disciplina, do respeito, do ‘obrigado’, de sempre estar olhando no olho dos técnicos, respeitar os pais, as mães. São valores que a gente não deixa de perder.’’
Popularizado por imigrantes japoneses, é muito difícil dissociar a cultura do esporte no Brasil da descendência asiática. No entanto, apesar da marca forte que esse esporte tem no país, o beisebol brasileiro hoje é uma modalidade inclusiva, uma vez que o número de descendentes de outras nacionalidades que a praticam cresce cada vez mais.
Em território brasileiro, o amor pela modalidade é transmitido por geração familiar, passada de pai para filho, criando uma cultura de união em torno do esporte. Rubens Monges Silveira, pai de dois atletas mirins do time São Paulo Giants, explica que, com o tempo percebe que o beisebol é mais que um esporte, é uma família, uma comunidade engajada.
“Moro perto do Estádio Mie Nishi no Bom Retiro, um dia passeando por lá paramos para ver o campo, um pessoal estava treinando e convidou meu filho mais velho para participar. Ele nunca mais parou, já faz uns 9 anos”, conta Rubens. “Beisebol é tudo na minha vida, quando não estou trabalhando estou no beisebol, todo final de semana, no feriado e nas férias”, conclui.
Em São Paulo, o beisebol passou a ocupar espaços da cidade que, pouco a pouco, se tornaram manifestações do esporte na metrópole. Conheça um pouco sobre esses espaços que respiram a modalidade.
Estádio Mie Nishi
Colado à Marginal Tietê está um marco da prática de beisebol no Brasil. O Estádio Municipal Mie Nishi foi inaugurado no dia 21 de junho de 1958, o cinquentenário da imigração japonesa em território brasileiro, e está localizado no bairro do Bom Retiro. Ele foi o primeiro e é, até hoje, o único estádio público para a prática do esporte no país.
Segundo Carlos Tatsumi, 59, gestor do estádio há cinco anos, não é fácil carregar esse peso. “É difícil porque, por ser o único aqui dentro de São Paulo, a demanda é muito grande.” O espaço concentra torneios nacionais e internacionais e treinos das mais variadas equipes. Essa diversidade pode causar choques culturais, principalmente porque muitos clubes costumam treinar em lugares particulares.
“Tem muitas coisas que o beisebolista não está acostumado. Cada clube tem o seu campo, lá é de uma forma e aqui é de outra. A gente muda um pouquinho para ficar dentro das regras da prefeitura e ao mesmo tempo a gente precisa trabalhar para que os times utilizem aqui”, conta.
Por se tratar de um órgão que integra a Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (SEME), o Mie Nishi cobra uma taxa pública para aqueles que optam por reservar um horário e fazer uso exclusivo do espaço. Esse é o caso do São Paulo Giants, que, hoje em dia, tem o estádio como casa.
O time já foi sediado na Barra Funda, onde ficava a Associação Atlética da Santa Casa. Em 2007, os jogadores foram realocados devido ao desejo da prefeitura de São Paulo de construir uma Cidade do Samba. Carlos relembrou ainda dos campos dos times Dragons, em Itapecerica da Serra, e Nikkey, em Santo Amaro, ambos atualmente desativados. “Precisamos ter mais espaços”, comenta.
Para o gestor, que também é praticante do esporte desde os cinco anos, ter centros de treinamento e espaços abertos à prática são essenciais para o fomento do beisebol no Brasil. Embora muitas crianças se interessem pelo esporte, nem sempre os responsáveis têm condições de levá-los aos campos de times privados, normalmente localizados no interior do Estado.
É aí que o Mie Nishi se destaca. “Por causa da localização, esse estádio deveria fomentar mesmo o esporte, mas ainda falta divulgação”. O caráter único do lugar e a localização praticamente no centro de São Paulo são dois grandes atrativos do estádio. Porém, enquanto muitos times procuram por um horário vago para praticar por lá, o grande público não conhece o espaço.
Um dos serviços oferecidos pelo campo é a escolinha gratuita de beisebol, que acontece toda segunda e sexta-feira às 13h, mas a adesão não é muito grande. “Nós oferecemos a escolinha e não tem muitos praticantes, porque ainda falta divulgação, propaganda”, diz Tatsumi.
Como muitos outros atletas fizeram anteriormente, Carlos Tatsumi volta a destacar a importância da mídia para o beisebol em território nacional. “A cultura do beisebol no Brasil cresce, mas muito lentamente, justamente por falta de informação”.
O título de vice-campeões para a Seleção Brasileira de Beisebol no Pan-Americano de 2023 ajudou a alavancar o esporte por aqui, conta. Agora, o que ele espera é fortalecer a base de jogadores que está chegando. Aliás, o Brasil tem uma tradição de exportar grandes esportistas do meio. Esse é o caso de Tony Nakashima e José Augusto Pett, que participaram da Major League Baseball, uma das principais ligas esportivas da América do Norte, e passaram pelo Mie Nishi.
“O Brasil tem jogadores de muito potencial”, comenta. “É preciso fortalecer a base.” Atualmente, Tatsumi e o Estádio Municipal de Beisebol estão de braços abertos para uma nova geração de estrelas e fãs que surgem no caminho a fim de, cada vez mais, estabelecer uma cultura do beisebol sólida em solo nacional.
Arena Beisebol
Apenas há alguns minutos da estação Tatuapé, na linha vermelha do metrô, fica localizada a Arena Beisebol — Baseball and Food Stadium, na Rua Visconde de Itaboraí. O lugar tem como objetivo unir o esporte, a culinária e o entretenimento, oferecendo uma experiência diferenciada tanto para praticantes de beisebol quanto para o público geral, que visita o local em busca de lazer e de iniciar no beisebol.
A iniciativa do estabelecimento partiu de Mario Mandruzatto, que começou sua trajetória no beisebol brasileiro já adulto e se frustrava com a falta de lugares adequados para praticar o esporte durante o dia a dia. A vontade de mudar essa realidade e consequentemente ajudar na popularização da cultura do beisebol colocou na cabeça do empreendedor a ideia de construir o centro indoor.
A oportunidade surgiu por conta de uma parceria com o time de futebol Cruzeiro do Sul Tatuapé, onde o pai de Mario era sócio. A parte térrea do clube, a princípio, era direcionada para a prática de Bocha, um esporte que se assemelha ao boliche, porém com a falta de procura estava ficando inutilizado. Então, esse espaço foi disponibilizado para o esportista seguir com a sua ideia de um local focado no beisebol. Em 29 de abril de 2017, o Arena Beisebol abriu suas portas com a promessa de ser um novo ponto de encontro para os amantes do esporte.
O time da casa se chama “Cruzeiro do Sul — Foxes” e é treinado por Guilherme Ferreira, que tem 31 anos e também é marceneiro. Guilherme joga beisebol desde criança e é apaixonado pelo esporte. Em agosto desse ano, surgiu a oportunidade de se aventurar como técnico.
“É uma experiência diferente para mim que sempre fui jogador, mas fico feliz com a evolução do pessoal diariamente” relata o treinador “Lidar com o público e ter que ensiná-los é uma novidade, mas estou gostando.”
O lugar é frequentado principalmente por maiores de idade, de faixa etária entre 18 a 50 anos. Segundo Guilherme, a maioria das pessoas que passam por lá, vão para treinar, não é comum receber visitas de quem quer conhecer o beisebol. Ele conclui que apesar de uma melhora nos últimos tempos, a cultura do beisebol no Brasil precisa de uma expansão maior, de mais visualizações.
O espaço é divido em três áreas. Na entrada, está a Arena Food, lanchonete que tem como objetivo trazer a gastronomia de um estádio tradicional de beisebol. O cardápio possui diversas opções, combos de lanche que levam o nome de times internacionais, corn dogs com sabores inusitados como o de doritos e o de miojo, espetinhos, onigiris, sobremesas e bebidas para todos os gostos. O restaurante é inteiro decorado com elementos do beisebol, como bonés, tacos e luvas, também conta com uma lojinha, a CornerShop, que oferece materiais para a prática do esporte e acessórios personalizados. TVs que podem ser vistas por todas as mesas, transmitem jogos da MLB, liga de beisebol que conta com times dos Estados Unidos e do Canadá.
Ao seguir pelo corredor, cartazes com artes que remetem a momentos importantes do beisebol estampam a parede da primeira pista, que tem grande comprimento e é utilizada por quem usa a casa para treinos sem direcionamento, dentro dela é possível ver uma tabela com os recordes do lugar, que são divididos nas seguintes categorias: Federado, Amador, Iniciante, Feminino e Alvo.
Nos fundos, está a pista principal, onde ocorrem as aulas e os eventos privados, a Arena Beisebol oferece sessões de rebatidas e arremessos com professores especializados que podem durar 120 minutos e custam até 280 reais. A estrutura inclui equipamentos de ótima qualidade, que podem ser utilizados tanto por iniciantes quanto por jogadores experientes. O espaço possui uma divisão por redes, então pode-se usar os dois lados para situações diferentes, as paredes tem pinturas que mostram torcedores curtindo jogos e uma lousa onde se pode escrever seu nome ou compartilhar recados. Cadeiras de praia estão posicionadas em frente às quadras, a fim de proporcionar conforto para quem vai acompanhar. Além disso, há uma pequena mesa composta por troféus e prêmios do time da casa, Foxes, e por bonecos de jogadores que já frequentaram o lugar.
Dōzo
A primeira memória de Douglas Naoki Takano com o beisebol foi o convite do técnico para entrar no time de Maringá, sua cidade natal, no interior do Paraná. Ele passou a praticar o esporte em 2006 e hoje, com 25 anos, é dono de uma medalha de prata nos Jogos Pan-Americanos, conquistada pela Seleção Brasileira de Beisebol em 2023.
Mais do que isso, Takano é um dos quatro sócios do Dōzo, restaurante escondido entre as ruas do bairro Liberdade, em São Paulo, baseado no esporte inglês. “A gente lançou o Dōzo em 2020, quando estourou a pandemia”, disse o fundador. “Foi algo que a gente não esperava dar certo, na verdade.”
Quando Taka Komagome chamou o amigo de longa data para montar um espaço com tema de beisebol, Douglas viu a oportunidade perfeita. Eles, porém, não contavam com a pandemia da Covid-19, que os forçou a trabalhar por meio de entregas. Na época, o estabelecimento funcionava junto ao Arena Beisebol.
“A gente ficava no Tatuapé, aí juntava o pessoal do beisebol que mora na Zona Sul e nós fazíamos uma entrega grandona pra lá”, contou Douglas. Se o Dōzo se manteve em pé nesse período, foi por causa dos amantes e jogadores do esporte: “O meio do beisebol é bem unido”.
Atualmente, porém, após a mudança de localização, os principais frequentadores são turistas, que aparecem por lá aos sábados e domingos. Durante a semana, o restaurante recebe principalmente lojistas da região. No entanto, Douglas conta que embora mais times se reunissem no espaço antigo, muitas famílias do beisebol continuam frequentando a loja na Liberdade.
Dōzo é uma palavra japonesa para a expressão “Sinta-se em casa” ou “Sirva-se” e é daí que vem o nome do restaurante localizado em uma loja estreita na Rua Américo de Campos, número 76, há 9 minutos a pé do metrô São Joaquim. Do lado de fora, há uma máquina onde se pode fazer o seu pedido. Lá estão pequenas fotografias com dizeres como: “Nirá Dog”, “Dōzo Burger”, “Karaague Don” — um bowl com arroz, frango empanado estilo japonês e acompanhamentos –, entre outros.
Baseado nas raízes japonesas do beisebol no Brasil, a culinária do espaço é descrita como “nikkei”, ou seja, descendente do Japão. No entanto, os fundadores optaram pelos pratos quentes, como o já citado “Karaague Don” ou o “Gyoza Obento”, uma opção vegetariana, em vez do tradicional sushi, comumente associado ao país.
Na parte de dentro, a loja está repleta de alusões ao esporte. Nas paredes, é possível ver de recortes de jornais com matérias sobre Kleber Ojima, famoso arremessador brasileiro e outro sócio do local, até uma bandeira assinada pelo time Giants. “É a união de duas paixões, a cozinha e o esporte”, comentou Takano.
No balcão que separa as mesas da cozinha que, aliás, pode ser vista pelos frequentadores, ficam a mostra doze bolas de beisebol enfileiradas em caixas de acrílico. As peças estão assinadas por ídolos do esporte. Uma delas leva o nome de Eddie Murray, que chegou a integrar o Hall da Fama da MLB, a Major League Baseball.
Aliás, nesse mesmo balcão, Douglas deixa a mostra a sua medalha de prata dos Jogos Pan-Americanos, sediado em Santiago, no Chile. A honraria fica guardada ao lado das bolas assinadas, em uma caixa especial do campeonato.
O Dōzo é um espaço pulsante do beisebol no meio de uma rua movimentada da Liberdade, que encontra na comida uma maneira de celebrar esse esporte tão emblemático na vida dos fundadores. “Eu não sei o que é, mas o beisebol tem essa magia, ele acaba unindo as pessoas”, finaliza o sócio e jogador.
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