Clube do interior viu os ingressos para a grande final esgotarem em 43 horas e conquistou seu terceiro título na Copa Paulista, se tornando o maior campeão
Após três anos longe do cenário nacional, o XV de Piracicaba vai jogar a Série D do Campeonato Brasileiro em 2026. Depois de deixar escapar o acesso à Série A1 do Paulistão no início do ano, o “Nhô Quim” foi campeão da Copa Paulista ao vencer o Primavera por 2 a 0 em frente a um público de quase 15 mil pessoas, que lotou o estádio na cidade do interior paulista.
O título foi decidido em dois jogos, tendo o Primavera, de Indaiatuba, vencido o primeiro por 1 a 0. Por ter a melhor campanha, o XV possuía o direito de decidir o confronto dentro de casa, no estádio Barão da Serra Negra. Paulo Marcelo marcou o primeiro gol quinzista aos 15 minutos do segundo tempo e Almir Luan, já nos acréscimos do segundo tempo, marcou de cabeça após cobrança de escanteio e evitou que a partida fosse para os pênaltis, dando o tricampeonato da Copa Paulista ao alvinegro.
“Foi o primeiro gol da história do XV que eu não consegui gritar gol”, diz Guilherme Schmidt, ex-diretor da torcida organizada Esquadrão do XV. “A hora que a bola entrou, eu só chorava. Sentei na arquibancada, foi uma emoção absurda. Foi uma sensação única poder estar ali e viver isso junto com a minha família.”
Conhecido em Piracicaba como “Shime”, Guilherme foi apontado diretor de patrimônio do clube no final do ano passado após décadas acompanhando a equipe das arquibancadas. A indicação dele não foi nenhum ponto fora da curva. Quase que toda a nova diretoria do clube piracicabano tem algo em comum: uma relação muito forte e de muitos anos com o lado de fora dos portões do Barão da Serra Negra: “Desde o início esse foi o planejamento: colocar pessoas na diretoria que gostem do XV, que respirem isso daí. O presidente é fundador de torcida organizada dos anos 1990, o vice também já foi membro de torcida organizada.”. Para Shime, a equipe se distanciou um pouco do torcedor em tempos mais recentes:
“O XV uns anos atrás andou muito distante da torcida com a gestão que tinha, andou pisando muito na bola com vários fatores. E agora a gente está fazendo esse trabalho em cima de reconquistar todo o povo.”
Eleito presidente do XV de Piracicaba em outubro de 2024, Matheus Bonassi Semmler, é fundador da organizada “Super Raça Quinzista”, de 1997. Envolvido internamente com o clube há pelo menos 12 anos, Matheus já passou por alguns cargos dentro da instituição: diretor das categorias de formação, coordenador de projetos e até vice-presidente. A sua candidatura surgiu com uma motivação e um objetivo bem claros: “A gente via que o XV estava muito afastado do seu torcedor, da cidade, do comércio. O principal lema nosso era fazer esse resgate do XV”
O presidente do XV de Piracicaba, Matheus Bonassi (à direita), e o vice-presidente Guilherme Supriano (à esquerda), ao lado do troféu da Copa Paulista.
Foto: Mariana Kasten / XV de Piracicaba
E os números ao longo da Copa Paulista evidenciam essa recuperação. Até a semifinal, a média de torcedores no Barão da Serra Negra já era a maior entre as equipes do torneio – cerca de 4 mil por jogo, quase o dobro dos números do São José, segundo colocado no ranking. Na semifinal e na final, no entanto, os números mais do que quadruplicaram. O jogo contra o Comercial teve 12.268 torcedores presentes, o maior público já registrado na história da competição em uma semifinal.
“Para os jogos da Copa Paulista, principalmente antes dos jogos decisivos, eu vinha e gravava um vídeo chamando o torcedor nas redes sociais. Tanto na semifinal quanto nas quartas de final, nós alugamos um avião para sobrevoar a cidade no sábado de manhã, anunciando o jogo, convidando e chamando o torcedor.”
No jogo do título contra o Primavera, 14.620 torcedores compareceram ao estádio na rua Silva Jardim para ver o XV ser campeão da Copa Paulista e garantir uma vaga no Campeonato Brasileiro do ano que vem. Esse número também veio acompanhado de um recorde de vendas: todos os ingressos esgotaram em cerca de 43 horas.
Final da Copa Paulista registrou 14.260 torcedores no Barão da Serra Negra, capacidade máxima atual do estádio
Foto: Mariana Kasten / XV de Piracicaba
“O que aconteceu aqui na final eu nunca vi na minha vida.”, afirma Shime. “43 horas de venda de ingressos e esgotou, faltando três dias para o jogo. Eu nunca vi essa movimentação. Isso é um sinal de que o público está abraçando a causa, está deixando a diretoria trabalhar.”
O atual presidente da Esquadrão do XV, Vitor Danilo Correia, também reconhece as mudanças na nova gestão: “Não é só dentro de campo. Antes de todos os jogos estava todo mundo ali reunido, conversando, sempre demonstrando que estavam caminhando juntos. E por isso eu acredito que a cidade tenha abraçado, porque viam que eram quinzistas de verdade, eram pessoas que queriam o bem do clube.”
“O Matheus anda tranquilamente no meio da torcida. As antigas gestões andavam até com segurança. Ele assistiu o jogo em Araçatuba no sol com a gente, vai para todo jogo, cumprimenta, conversa… então você vê que a gestão está diferente. Ele demonstrou isso para todo mundo.”
Os desafios de uma nova diretoria
O ano de 2025 não começou como a torcida e a nova gestão esperavam. Na Série A2 do Campeonato Paulista, o time foi apenas o sétimo colocado na primeira fase e acabou sendo eliminado já nas quartas de final para o Capivariano, que viria a ser o campeão. Ali já começaram as pressões para a demissão do técnico Moisés Egert, às quais Matheus não cedeu por diversos motivos, mas o principal deles é a importância do treinador no processo de aproximação do clube com a torcida:
“O Moisés é muito identificado com o XV. Ele foi atleta nosso e também começou a carreira de técnico aqui. Em 2010 e 2011 ele levou o XV da terceira para a primeira divisão paulista. Ele é casado com uma piracicabana, já há 25 anos ele mora em Piracicaba. E no momento que nós assumimos o XV, não tinha outro nome para a gente conversar que não fosse o Moisés. Ele teve um papel importantíssimo nesse projeto nosso de resgate, tanto que o contrato que nós temos com ele é de dois anos.”
A aposta deu certo e Moisés se sagrou campeão com o XV de Piracicaba mais uma vez, agora da Copa Paulista. “A sensação é a melhor possível, sabe?”, completa Matheus. “A gente vê que o propósito que nós temos de aproximação, de retomar o torcedor, de retomar a cidade, está no caminho certo. E que bom que dentro de campo os resultados também apareceram, porque não adianta a gente fazer uma gestão pé no chão e organizada se o resultado dentro de campo também não acontece.”
Com a participação no Campeonato Brasileiro de 2026, o calendário do clube aumenta e o engajamento da torcida também: “Não dá para um clube de 111 anos, com uma torcida apaixonada e uma cidade de quase meio milhão de habitantes, jogar apenas 17 jogos no ano”, completa Matheus. “Os públicos que nós tivemos durante o campeonato mostram que não dá para nós não jogarmos o maior número de jogos possíveis. Nós fazemos futebol única e exclusivamente para o torcedor.”
Torcida do XV de Piracicaba foi peça fundamental para o sucesso esportivo do clube em 2025
Foto: Mariana Kasten / XV de Piracicaba
Relação que extrapola o futebol
Mas qual a necessidade de retomar essa relação tão próxima com a torcida? Para Shime, essa resposta é simples: “O XV está enraizado na cultura de Piracicaba. As pessoas falam de Piracicaba e lembram da Rua do Porto e do XV em qualquer lugar que você vá. E a gente não tem São Paulo, não tem Corinthians, não tem nada, não. É XV só, não tem outro time.”
Torcedor ilustre do clube, Shime possui um vasto acervo de camisas e outros itens da história do XV
Foto: Guilherme Schmidt / @acervoquinzista
Vitor Correia explica um pouco mais sobre como começa o amor pelo time da cidade: “Eu acho que é de família, um vai passando para o outro. Comigo foi assim. E depois que te apresentam, você não quer viver outra coisa. Você pode andar em outros lugares aí e perguntar: ‘Para que time você torce?’ Vão falar o time da cidade e mais um. Garanto que 70% de quem você encontrar aqui vai falar: ‘eu torço para o XV’. É uma coisa que está enraizada na cidade, não tem como falar de Piracicaba sem ouvir isso aqui.”
SAFs e o futuro do XV de Piracicaba
Desde agosto de 2022, o clube do interior possui uma SAF constituída. O que falta é mesmo alguém disposto a investir “O XV é uma SAF aguardando proposta.”, diz Guilherme Schmidt. “Então com um título igual a esse da Copa Paulista, o XV de volta ao cenário nacional, ano que vem brigando pelo acesso… isso é tudo um atrativo para um futuro investidor.”
“O nosso papel é preparar a casa e apresentar o XV para investidores para fazer a aquisição das ações da SAF”, diz o presidente. “Está caminhando, estamos conversando bastante e eu acredito que até o final do ano possa vir alguma coisa para a gente encaminhar a proposta para o Conselho Deliberativo fazer a análise e a votação para ver se essa proposta é o que o XV precisa.”
Para Matheus, o modelo de SAF é de longe a melhor opção para a equipe a longo prazo: “Eu vejo que não tem outro caminho hoje para o futebol, principalmente para clubes menores, que não seja ter um investimento, ter uma SAF para poder gerir o clube. As dificuldades financeiras são muito grandes.”
Ainda assim, o clube possui muita cautela na escolha dos futuros investidores: “A gente tem que entender quem são e de que forma vai fazer esse contrato, para que essa aquisição das ações seja de acordo com o que o piracicabano e o quinzista anseia.”, conclui o presidente do clube.
Shime ainda fala sobre outras preocupações como a mudança da identidade da equipe, a exemplo de alguns modelos de gestão como a do Red Bull Bragantino: “Essa SAF já tem um documento dizendo que não vai mudar nome, não vai mudar escudo, não vai mudar cor, não vai tirar o time da cidade… então quanto a essas coisas é tranquilo, é tudo documentado.”
“Por isso é preciso analisar minuciosamente quem é que vai entrar, que vai aportar dinheiro. Eu espero que sejam pessoas transparentes, pessoas que respirem, que conheçam Piracicaba, que respeitem a história do XV, respeitem a cidade.”
Editado por Giulia Dardé
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