Futebol paulista em alta: por trás do acesso do São Bernardo à Série B do Brasileirão - Revista Esquinas

Futebol paulista em alta: por trás do acesso do São Bernardo à Série B do Brasileirão

Por Arthur Avelhanedo : novembro 3, 2025

Equipe do São Bernardo comemorou o acesso ao lado da torcida após o apito final em Londrina Foto: Janes Carvalho / Onzex Press e Imagens

SAF do ABC Paulista é gerida por dono da Magnum, e conseguiu uma vaga na segunda divisão ao empatar com o Londrina na última rodada da Série C

No ano de 2025, o futebol paulista tem sido palco de grandes histórias além dos quatro grandes: o primeiro título nacional da Ponte Preta, a impressionante campanha do Mirassol no Campeonato Brasileiro, o terceiro título do XV de Piracicaba na Copa Paulista e entre outras várias boas narrativas no cenário nacional e estadual. Entre esses grandes contos, está o do São Bernardo Futebol Clube.

No dia 11 de outubro de 2025, após dois anos consecutivos sendo eliminado na segunda fase da Série C, a equipe do ABC Paulista finalmente conquistou o acesso à Série B ao empatar com o Londrina, do Paraná, na sexta rodada da última fase do torneio antes da final, vencida no último fim de semana pela Ponte Preta.

Nos últimos cinco anos, o “Bernô” — apelido dado à equipe de São Bernardo do Campo — vive uma ascensão meteórica. Fundado em 2004, o clube foi comprado em 2019 pelo Grupo Magnum, do empresário Roberto Graziano, e vem acumulando sucessos desde então. Em 2021 foi campeão da Copa Paulista e da Série A2, conquistando o acesso à elite do futebol estadual. De lá para cá foram grandes campanhas no Paulistão, vencendo jogos contra times grandes como Corinthians, Santos e São Paulo. No campeonato nacional, a equipe obteve o acesso para a Série C na primeira tentativa e passou os últimos três anos na terceira divisão, buscando mais uma promoção, conquistada agora em 2025.

AS EMOÇÕES DO JOGO DO ACESSO

Empate com o Londrina que garantiu o acesso foi repleto de emoções até o apito final
Foto: Janes Carvalho / Onzex Press e Imagens

Assim como nos últimos dois anos, o São Bernardo fez uma campanha consistente na primeira fase da Série C e, neste ano, conquistou a vaga na segunda fase com três rodadas de antecedência. No “grupo B”, o Tigre enfrentou Caxias-RS, Floresta-CE e Londrina-PR. Após um início equilibrado, com três empates, o São Bernardo perdeu para o Floresta e depois venceu o Caxias por 1 a 0. O jogo decisivo foi fora de casa contra o Londrina, líder da chave.

No estádio Vitorino Gonçalves Dias, no Paraná, o gol da equipe paulista veio logo aos 15 minutos, em chute da entrada da grande área do meia João Paulo. No entanto, apenas dois minutos depois, o Bernô ficou com um jogador a menos após a expulsão do volante Foguinho. O goleiro e herói do acesso Júnior Oliveira diz que o cartão vermelho uniu ainda mais  grupo:

Júnior Oliveira, goleiro do São Bernardo
Foto: Janes Carvalho / Onzex Press e Imagens

“Por incrível que pareça, aquilo ali nos fortaleceu. Essa expulsão nos deu um gás, um ânimo de se entregar, de dar a vida. Mesmo com um a menos, a gente não ia perder essa oportunidade de sair com o acesso. Não estou romantizando, nem dizendo que foi tudo tranquilo. Ficou realmente muito mais difícil, mas eu acho que essa união foi o diferencial.”

Os donos da casa conseguiram empatar a partida ainda no início do segundo tempo, após cobrança de escanteio, com um gol de cabeça. Os minutos seguintes foram repletos de tensão, com o Londrina aproveitando a vantagem numérica e se aproximando cada vez mais da virada, que foi impedida pelo goleiro Júnior Oliveira em um dos lances mais capitais da partida. Já nos minutos finais, o atleta de 35 anos realizou uma defesa em uma cobrança de falta, que acabou confirmando também o empate em 1 a 1 e o acesso do São Bernardo.

Lucas Felipe, presidente da organizada Guerreiros do Tigre, fundada em 2005, conta como foi a emoção do lado da torcida: “Quando faltavam uns quatro minutos eu olhei pro lado e eu vi toda aquela rapaziada que está sempre nos jogos comigo, em jogos fora, jogos em casa, todo mundo chorando, todo mundo se abraçando. Não caía a ficha, porque até um tempo atrás nós estávamos disputando ainda a Série D praticamente, e naquele momento a gente estava conseguindo uma vaga para a Série B, então foi muito emocionante.”

“Foi uma defesa espetacular, ficou marcada por esse acesso e eu fiquei muito contente.”, disse Júnior Oliveira. “São muitos sentimentos envolvidos. Foi uma mistura de alívio, de sensação de dever cumprido. Eu estive aqui em todo esse processo, em todos esses anos. É um campeonato longo, de muitos desafios, mas quando você consegue entregar um resultado, é motivo de muita felicidade”, completou o destaque da partida.

 

OS SEGREDOS DO SUCESSO

Elenco, diretoria, comissão técnica e estafe comemoraram juntos dentro de campo. À direita com os braços estendidos está Marco Gama, executivo de futebol. Sentado com os braços em volta dos joelhos está Roberto Graziano, proprietário do São Bernardo.
Foto: Janes Carvalho / Onzex Press e Imagens

“Aqui se pensa muito grande”, diz Marco Gama, executivo de futebol do São Bernardo. “Aqui se trabalha mirando sempre o alto e eu acho que isso é um dos pontos a se enaltecer. Pouco se fala em objetivos pequenos. Com toda humildade, a gente sempre mira o grande. Isso faz parte da cultura do clube”. O dirigente ainda deixa bem claro qual é o plano do São Bernardo para os próximos anos:

“A nossa ideia é a Série A. Eu não sei se a gente alcança no primeiro ano, se a gente alcança no segundo. Hoje parece distante, mas o nosso planejamento é bastante direcionado e audacioso nessa direção.”

 

Além da ambição, Júnior Oliveira acredita que a continuidade de trabalho também faz parte da identidade do clube e ajuda a explicar o sucesso da equipe nos últimos anos: “Eu e alguns outros atletas estamos aqui há muitos anos, e isso ajuda aqueles que chegam a entender já como funciona. É mais fácil se adaptar a quem já está aqui do que sempre estar formando um outro grupo. Eu acho isso um ponto muito positivo que tem ajudado todos nós nessa sequência. Quanto mais pessoas você tem, que conhecem e vivem o clube, ajuda a criar identidade, que é uma coisa que para mim é muito importante. Um clube que mesmo nos momentos difíceis a diretoria manteve o trabalho. Eu acredito muito que seja talvez o pilar dessa sequência vitoriosa do São Bernardo.”

Marco Gama também destaca a boa relação com Roberto Graziano e o desejo do empresário de participar do dia a dia do clube: “Ele tem as suas empresas e os seus afazeres em São Paulo, mas eu falo com o Roberto no mínimo três vezes por dia, replicando para ele, matando as curiosidades, respondendo as perguntas, levando ideias. A gente tem uma relação bastante proativa e eu penso que essa troca é um dos motivos do sucesso.”

TIGRE AINDA EM RECONSTRUÇÃO

Ainda que o São Bernardo esteja agora na Série B, os desafios continuam existindo. O clube não possui um futebol de base desenvolvido e o dirigente explica que uma parceria possibilita a existência do Sub-11 ao Sub-17, mas expõe a necessidade de atenção a esse setor, principalmente por conta do aspecto financeiro: “O processo de formação é vital para que o clube seja cada vez mais autossuficiente, possa ser cada vez mais vencedor, e a operação tenha um valor médio menor do que nós temos hoje. Hoje nós precisamos contratar sempre de 80% a 90% do elenco que nós formamos. Se nós tivéssemos a base, certamente teríamos a condição de diminuir a contratação, potencializar a formação e também o aspecto comercial, que é um ponto que o clube vai se atentar.”

Há a questão do centro de treinamento. Atualmente, o clube não possui um CT na cidade de São Bernardo do Campo e realiza as suas atividades em um terreno que pertence ao ex-jogador Marcelinho Carioca, em Atibaia. A estrutura possibilita que o clube continue suas atividades, já que não possui ainda um local adequado para treinar na Região Metropolitana de São Paulo. Apesar disso, a diretoria entende a necessidade de ter um CT em sua cidade-natal:

“O Roberto adquiriu um terreno em São Bernardo do Campo, penso que isso é uma demonstração bastante clara de interesse em um dia voltar à cidade. É claro que o valor de investimento para conceber um centro de treinamento é muito robusto e isso não vai ser realizado de uma hora para a outra, mas o planejamento e o projeto existem. Eu tenho convicção de que no momento oportuno a gente vai lançar a pedra fundamental, porque além da questão do desgaste e da logística, eu penso que estar em São Bernardo cria muito mais conexão com a cidade e com a torcida, e isso a médio e longo prazo pode desenvolver também um projeto maciço de retornar grandes públicos no estádio Primeiro de Maio, como outrora era.”, completou Marco Gama.

TORCIDA EM BAIXA

Bandeirão da torcida organizada Guerreiros do Tigre, fundada em 2005, meses após o nascimento do clube.
Foto: Gabriel Goto

No ano de 2012, na final da Série A2 do Campeonato Paulista, contra o União Barbarense, o São Bernardo colocou mais de 13 mil pessoas no estádio Primeiro de Maio. Esse número está muito longe da média de público atual da equipe. Durante a campanha do acesso, o Bernô teve apenas a 15ª melhor média da Série C, com cerca de 970 torcedores por jogo. O último compromisso dentro de casa, decisivo para o acesso, registrou apenas 1.682 torcedores no estádio, mesmo com entrada gratuita — medida constante do Tigre nos jogos da segunda fase nos últimos três anos.

“Isso é o principal ponto negativo da gestão da Magnum.”, afirma Lucas Felipe. “Nós agora somos um time de Série B e não tem um local que venda a camisa do time. É muito difícil, mas a gente está aí há cinco anos cobrando e a gente não é visto. Esperamos que agora nessa Série B, eles olhem um pouco por esse lado, porque a gente está do lado da capital. São Bernardo do Campo tem quase um milhão de habitantes. Hoje a gente não vê nem mil pessoas no estádio, é muito triste.”

Marco Gama explica que o clube tem tomado medidas, mas reconhece que mais ainda pode ser feito para recolocar o torcedor no estádio: “Existiam campanhas de sucesso anteriormente para que essa média fosse alcançada e eu penso que o que se fez e deu certo precisa ser replicado. Penso que retornar um dia à cidade também é um passo, porque você cria a conexão e eu entendo que estando numa divisão maior como a Série B pela primeira vez na história vai trazer um apelo especial, diferente do que foi nos outros anos e a gente precisa pegar esse gancho e transformar isso em assistência no estádio, em venda de produtos.”

 

Editado por Giulia Dardé

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