Provocação ou perigo? O polêmico uso de Osama Bin Laden por torcidas organizadas - Revista Esquinas

Provocação ou perigo? O polêmico uso de Osama Bin Laden por torcidas organizadas

Por Larissa Bonifácio, Sophia Delcor, Pedro Fonseca e Giovana Couto : abril 11, 2025

Com a profissionalização do time, a torcida do Água Santa precisou abandonar o terrorista como mascote. Foto: Facebook/Torcida Aquáticos

Vale tudo no futebol? Uso de Osama Bin Laden, terrorista responsável pelo 11 de setembro, levanta debate sobre violência no mundo da bola

A utilização de figuras polêmicas como símbolos em contextos esportivos tem sido uma prática controversa ao longo dos anos, especialmente quando envolve personagens históricos com um legado marcado por violência e terrorismo. Um dos casos mais impactantes e surpreendentes desse fenômeno é o uso de Osama Bin Laden, o infame líder da Al-Qaeda, como “mascote” por algumas torcidas organizadas, principalmente no Brasil. Esse fenômeno, que mistura política, violência e cultura de torcida, levanta questões sobre os limites da brincadeira e da memória coletiva, além de expor a complexa relação entre esportes e ideologias extremistas.

A historiadora e professora Mariane Raulino Carneiro, formada na Universidade de São Paulo (USP), conta um pouco sobre quem foi o terrorista. “Osama Bin Laden é o fundador da Al-Qaeda, um grupo extremista que buscava promover uma revolução islâmica para unificar o mundo muçulmano. Ela é classificada como uma organização terrorista, especialmente após os ataques de 11 de setembro.”

Entretanto, a curiosa apropriação de seu nome e imagem por algumas organizações de torcedores revela como figuras históricas podem ser reinterpretadas em contextos inesperados, gerando debates sobre a linha tênue entre liberdade de expressão e responsabilidade social, especialmente no contexto de algo tão popular e apaixonante como o futebol. Apesar de Osama Bin Laden ser um dos terroristas mais conhecidos da história contemporânea, sua imagem é constantemente usada em bandeiras, camisas e cantos de diversas torcidas organizadas. Essa apropriação levanta o questionamento de por que o terrorista saudita foi escolhido como símbolo.

Segundo a professora, o principal motivo da associação com a imagem de Osama Bin Laden é precisamente a identificação com um vilão forte, que representa oposição política ao maior império do mundo atual (EUA), além de ser muito provocativo. “Pode-se perceber tal acontecimento nas periferias, e como várias torcidas organizadas nascem nas periferias, de maneira geral, a associação com inimigos é muito recorrente”. Ela acrescenta que na várzea, em times de bairro periférico, há muita associação a vilões, personagens como, por exemplo, o Coringa e os Irmãos Metralha, que são bandidos, e até o Pavilhão Nove, torcida organizada do Corinthians, que usa os Irmãos Metralha como símbolo. “São bandidos, vilões carismáticos, que acabam sendo associados a esses times porque representam essa própria oposição. É uma identificação com essa questão que representa uma força.”

Ainda expressa sua opinião sobre o tema, afirmando que, sem juízo de valor, Bin Laden é um uso provocativo, ignorando a simbologia religiosa. “Ele é o que dá medo, o que se opõe a forças grandes, porta arma, é procurado pelo poder central. Ir contra é muito forte.” Ela cita a torcida organizada do CAP (Fanáticos), que, em 2007, durante uma visita de George Bush (ex-presidente norte-americano) ao Paraná, em uma situação de competição, gritou o nome de Osama Bin Laden enquanto o até então presidente estava lá, como provocação à diretoria do Atlético, pelo valor dos ingressos na época. “Eles simplesmente pegam um símbolo contrário à força norte-americana e atacam nesse momento para provocar a direção.”

Carneiro considera perigoso e prejudicial para os times associar suas torcidas a imagens como a de Osama Bin Laden, devido à ligação com violência, terrorismo e extremismo. Ela aponta que tal associação pode gerar episódios de violência, como o caso recente entre torcidas do Sport e Santa Cruz, em Pernambuco, em que o líder de uma das torcidas organizadas foi espancado e abusado sexualmente. Além disso, observa que a periferia sofre na mão do poder central, então tudo que se opõe, como o Coringa e os Irmãos Metralha, acaba sendo utilizado, até sem ter dimensão real do que são esses símbolos. “Não é a criminalidade pela criminalidade, é a simbologia que esses personagens carregam”.

O jornalista, professor universitário e comentarista esportivo Celso Unzelte, graduado na FIAM e com mestrado na Faculdade Cásper Líbero, também dá seu depoimento sobre o uso desse terrorista como mascote nas torcidas organizadas. “Acho que tem a ver com símbolos de força e violência, que botam medo nos adversários”. Ainda acrescenta, “as torcidas organizadas têm, inegavelmente, independentemente do seu posicionamento em relação a elas, a estética da violência, não só na questão iconográfica, mas também nas músicas: ‘Eu dou porrada pra valer, não tenho medo de morrer, eu amo essa torcida e o nome dela eu vou dizer.’”

Diz também que nunca gostou desse tipo de violência. O jornalista conta que ia com a camiseta do seu clube em um saquinho de supermercado e só a tirava no estádio. Quando acabava o jogo, ele a colocava de volta no saquinho e ninguém nem sabia para que time torcia. “Isso já faz 40 anos, de lá pra cá as coisas mudaram muito, pioraram muito. As brigas que acontecem são marcadas até por redes sociais. Eu sou a favor da torcida única, sim. Se for para salvar uma vida, acho que já está valendo”.

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Presidente de honra e um dos fundadores da Aquáticos, torcida organizada do Água Santa, Rafael Ribeiro, explica a relevância e a origem do uso da imagem de Osama na organizada. “O Bin Laden é um coadjuvante do Netuno (mascote atual da torcida), portanto, ele veio na várzea mais como uma figura para causar impacto e transmitir respeito, mas sem nenhuma apologia às atitudes dele. Na várzea, o negócio era mais descontrolado, era mais para criar um impacto, deixar os rivais preocupados”.

Antes do time se profissionalizar, ainda quando era um time de várzea, a torcida costumava usar fogos de artifício e bombas para comemorações e para impactar as torcidas adversárias. “Nós éramos taxados como a torcida dos terroristas, os ‘terroristas de Diadema’, e aí passamos a ser os ‘Bin Laden de Diadema’, porque aderimos ao nome de Bin Laden, e ele é um terrorista.” Ele deixa claro que não tem nenhuma associação aos crimes cometidos pelo terrorista. Com a profissionalização do clube Água Santa, as imagens mais pesadas, como a de Osama Bin Laden, foram deixadas de lado. Hoje, Netuno é o principal símbolo da torcida, ao lado de Bezerra da Silva, que traz a ideia de malandragem para o clube. Justamente por ser um clube de comunidade, a torcida o abraçou.

Editado por Luca Uras

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