Como a terceira maior audiência do mundo ainda sofre para concretizar o futebol americano como um esporte de sucesso
O futebol americano é o esporte mais popular entre os norte-americanos, segundo relatório de 2018 realizado pela empresa de pesquisa de opinião norte-americana Gallup Poll. Estima-se que 37% dos adultos de lá tenham o esporte como entretenimento favorito. Em 1920, foi criada a National Football League (NFL), entidade cujos objetivos transcendiam os costumes da época em busca de grandes estádios, publicidade em massa e torcedores fanáticos. Mas o sucesso do esporte não se restringe a um só país. Uma pesquisa feita em conjunto pelo Global Web Index e Statista afirma que o Brasil é o segundo país com mais fãs da NFL fora dos Estados Unidos. É um mercado em vias de crescimento.
Por aqui, são 19,7 milhões de fãs do futebol americano. À frente, está o México com 3,6 milhões de amantes declarados a mais que os brasileiros. Logo atrás vem Canadá, Coreia do Sul, Alemanha, Reino Unido e Espanha.
Segundo Paulo Mancha, jornalista e comentarista de futebol americano dos canais ESPN, o esporte do touchdown é filho do rugby inglês. O american football começou a ser praticado no final do século XIX nos Estados Unidos. Universidades de lá, como Harvard, Columbia e Princeton, foram pioneiras na prática do esporte. Surgiu a partir das crescentes ondas migratórias norte-americanas rumo à Inglaterra, principalmente de universitários, em meados da década de 1860, fugindo da Guerra Civil que assolava o país. Na terra da rainha, as práticas do rugby se expandiam rapidamente, o que proporcionou a formação da Rugby Football Union (RFA) e o contato dos novos estudantes do país com a modalidade.
O retorno à pátria veio com novidades, entre elas as regras e características do rugby (bola oval, uso das mãos, impacto entre adversários) e do soccer – futebol da bola redonda, o qual também estava em alta no Reino Unido. Desse hibridismo esportivo, surge o futebol americano.
Entretanto, a prática por aqui começaria de fato apenas a partir dos anos 2000, um século depois, ainda sem ligas oficiais. As transmissões do esporte nas televisões nacionais tiveram sua participação nessa popularização. Depois de uma pioneira e isolada partida coberta pela TV Tupi em 1969, a NFL passou a ser acompanhada pela Rede Bandeirantes na década de 1980 e, mais tarde, chegou aos canais pagos da ESPN Brasil em 1992.
Semelhantes à NFL, as ligas oficiais e nacionais surgem a partir de 2010, sem muito sucesso, principalmente por serem campeonatos regionais. Três anos atrás, a Confederação Brasileira de Futebol Americano (CBFA) decidiu unificar todos os times em uma só competição, denominada Brasil Futebol Americano (BFA). Com a mudança, o público cresceu: a média nas arenas chegou a ser de aproximadamente 660 pessoas por jogo, registrando um número superior a 64 mil telespectadores durante todo o campeonato.
É possível encontrar equipes de futebol americano afiliadas às potências do futebol nacional. Corinthians, Flamengo e Palmeiras entram nessa lista. Contudo, é a modesta Portuguesa – que hoje disputa apenas a segunda divisão do Campeonato Paulista de futebol convencional e que amarga dívidas próximas a 400 milhões de reais com credores – que está despontando com a bola oval. Campeã da São Paulo Football League (SPFL) de 2016, do Metropolis Bowl 2014 e herdeira de uma promissora base de atletas, a equipe da Lusa fez tanto sucesso que teve seu nome alterado: os antigos Lions deram espaço ao Portuguesa FA. Foi uma medida para aproximar o futebol luso ao sucesso do primo americano.
As partidas geralmente acontecem em estádios de futebol, onde já se pode acompanhar craques do ramo mesmo com o esporte em crescimento. O running back Vinicius Takemi, campeão paulista e vice-campeão brasileiro de 16 anos, afirma ser um grande fã de Branco Meneses – ex-atleta do Palmeiras Locomotives convocado para a Seleção Brasileira em outubro de 2017. Além do ex-jogador do time de futebol americano do Palmeiras, Álvaro Fadini, Vinicius Seya e Parris Lee são outros astros que os jogos trazem. Porém, infraestruturas irregulares, dificuldades financeiras e a grande disparidade técnica comparada às ligas norte americanas ainda atrapalham a decolagem do football no Brasil.
No Centro de Treinamento da Portuguesa, o comandante dos triunfos lusitanos é Paulo Henrique Tidus. Formado em Comunicação, decidiu seguir um caminho diferente de seus parceiros universitários, promovendo o futebol americano no Brasil. “Os avanços como popularidade, qualidade técnica e financeiro são grandes. Porém, não chegam aos pés da principal liga mundial, a NFL”, comenta o treinador. Para ele, é o que afasta jogadores brasileiros das principais equipes mundiais.
Para as jogadoras mulheres não é diferente. O Brasil possui um Campeonato Brasileiro Feminino de Futebol Americano, criado em 2014 com apenas quatro times – hoje são sete. Existem outros torneios na modalidade flag, cujo jogo é realizado sem contato entre as participantes. Mesmo assim, segundo a jogadora de flag da Portuguesa FA Queila Masson, além dos problemas estruturais, há, ainda, obstáculos como a discriminação, machismo e diferença de investimentos para homens e mulheres. “Existe muito preconceito no futebol, sim. As condições não são boas. Caso fossem, arcaria o futebol americano como minha profissão”, critica. Masson trabalha com faturamentos para bancar os custos pessoais além do que ganha com o esporte.
Tentando reverter esse cenário de diferenças, Tidus considera como uma solução a parceria entre instituições públicas e privadas. Isso expandiria o conhecimento das regras em escolas, universidades e escolinhas esportivas. Também motivaria indivíduos cujas oportunidades ainda não são satisfatórias no esporte, como acontece com Queila Masson. Mesmo crescente no País, o futebol americano brasileiro precisa correr longas jardas para dar seu touchdown e alçar uma posição de destaque dentro do mundo dos esportes para além dos fãs.