A falta de visibilidade do basquete feminino no Brasil
Alana Gonçalo é um destaque do basquete brasileiro. Já jogou nos Estados Unidos e atualmente é armadora da seleção brasileira. Seu dia a dia, porém, está longe de ser condizente com suas conquistas. Integrante da equipe de Santo André, divide quarto com uma colega de time. O salário está na casa dos 3 mil reais e, sem fornecedor de material esportivo, precisa arcar com a compra dos próprios tênis, que custam, em média, 500 reais, durando, no máximo, seis meses devido ao uso intenso nas quadras.
O caso de Gonçalo exemplifica a dificuldade da modalidade, desconhecida mesmo na região mais populosa do país. Dentre as equipes membras da LBF (Liga de Basquete Feminino), duas delas são da grande São Paulo: a do Instituto Brazolin/São Bernardo e a Santo André/Apaba/Caoa Chery. Ainda assim, boa parte da população paulistana não conhece ou não acompanha o basquete feminino.
Segundo Mauro Roberto Bassoli, diretor da equipe Instituto Brazolin/São Bernardo, “justamente pela falta de divulgação, o esporte ainda não atingiu uma grande quantidade de pessoas”. A falta de espaço na mídia brasileira para o basquete feminino contribui para o desinteresse e desconhecimento da categoria. ”Não tem como as pessoas buscarem o que elas não conhecem, o que elas não estão acostumadas a ver”, afirmou Simone Lima, jogadora da equipe de Santo André.
“O brasileiro convive com o futebol desde o nascimento e mesmo assim o futebol feminino só ganhou espaço na mídia recentemente. Com a exceção do vôlei, a maioria das categorias esportivas femininas são relegadas”, ressalta Lima. O basquete ganhou espaço recentemente, sobretudo na televisão. “A transmissão dos jogos na TV foi uma conquista. A seleção feminina ganhou o Pan, que não vencia há anos, e a SporTV resolveu transmitir o campeonato Americup”, disse Gonçalo. Ela participou dessa competição em outubro de 2019. Nela, o Brasil obteve medalha de bronze, vencendo Porto Rico.
Ainda segundo Gonçalo, o basquete masculino ganhou muita popularidade em anos recentes graças à propaganda da NBB (Novo Basquete Brasil, principal liga do País). Entretanto, quando se trata do feminino, a divulgação não é tão eficaz. A equipe de Santo André, por exemplo, não possui uma equipe publicitária – muitas vezes as próprias jogadoras se esforçam para divulgar os jogos nas mídias digitais, conta Lima. Uma das principais causas dessa difusão precária é a falta de recursos financeiros e de investimentos.
Ricardo Molina, presidente da LBF, diz que é papel das equipes buscar investimento. Segundo ele, “os clubes precisam transformar suas equipes em um bom produto, de interesse do público, do mercado, de patrocinadores e da imprensa. Com isso, geram receita para investir na base, em atletas e na comissão técnica”. Contudo, os investidores parecem mais interessados no basquete masculino. “Não sei qual é a graça que os investidores veem no basquete masculino. Não sei o quanto de retorno o masculino traz que o feminino não. Já ouvi dizerem que o vôlei feminino chama a atenção por conta dos uniformes, ou seja, o público não assiste pela modalidade em si, mas para ver as meninas de ‘shortinhos’ apertados e curtos. São essas coisas grotescas que enfraquecem o lado do feminino”, critica Lima, enfatizando a existência de sexismo no esporte.
A precarização do esporte afeta também o salário das jogadoras profissionais. “A média salarial do feminino chega a R$ 3.000, enquanto no masculino isso não deve pagar nem um terço do salário dos atletas, já que recebem facilmente mais de R$ 15.000. Além disso, eles ganham material, enquanto nós temos que comprar”, revela Lima.
O baixo salário também é uma causa da falta de oferta de boas jogadoras, já que boa parte delas não pode se dedicar ao esporte, pois precisam de dinheiro para se sustentar e ajudar suas famílias. “A maioria das meninas com quem eu joguei desistiu mais por falta de perspectiva no futuro do esporte do que por falta de potencial”, contou a jogadora do Santo André.
Essa falta de perspectiva de futuro no esporte faz com que o Brasil perca jogadoras para outros países. Gonçalo passou alguns anos jogando basquete nos Estados Unidos e contou que muitas atletas preferem jogar no estrangeiro. “No exterior, elas conseguem jogar e estudar, algo difícil no Brasil”, revelou. “Quando eu jogava nos Estados Unidos, fazia um trabalho simples e recebia uma bolsa auxílio para me manter. Meus únicos deveres eram tirar boas notas e jogar, o resto era provido pela universidade para a qual eu jogava”, complementou. Ainda de acordo com a atleta, apesar de nos Estados Unidos existirem diferenças de público entre o basquete feminino e o masculino, os valores dos patrocínios são os mesmos.
Lima diz que a LBF ajuda financiando, principalmente, as viagens das equipes. “Dá para melhorar, mas não sei dizer até onde eles conseguem bancar. Eles têm dado um bom incentivo e procuram aumentar a cada ano”, conta. A Liga tem patrocínio da Caixa Econômica Federal desde 2016. “Subsidiamos custos importantes como arbitragem e passagens aéreas. Os clubes, por sua vez, entregam pontos estratégicos para o crescimento da modalidade, como piso adequado, locutor, comentarista, mascote, assessoria de imprensa e outros itens que avançam à medida que os subsídios aumentam”, afirmou o presidente da entidade esportiva.
Em 2019, a Liga conta com 10 equipes participantes, maior número na história. Mesmo assim, a falta de investimento e visibilidade são problemas a serem enfrentados. “Ainda falta muito. Não dá para querer resultados imediatos, apesar das boas participações no Pan e na Copa América em 2019. O caminho é duro”, disse Mauro Bassoli.
Gonçalo vê o cenário do basquete feminino atual com olhos otimistas. Para ela, a modalidade está atraindo cada vez mais pessoas e, mesmo que lentamente, mudando a mentalidade de gestores e investidores.