Ela, ela e ela. Nos três Stories e em todo lugar
Já faz um tempo que os cardeais do Snapchat recusaram um caminhão de dinheiro do Mark Zuckerberg para ter o aplicativo sob seu guarda-chuva bilionário. Decisão errada: não se luta contra um Golias como esse. Desde então, o Davi da história só diminui. Muito por causa do surgimento revanchista do Instagram Stories, cujo propósito concorre com aquilo que o Snap tinha de mais original: a possibilidade de postar fotos com vida útil de 24 horas. Uma bela de uma cópia — muito bem-feita, diga-se de passagem.
Passada a frágil fidelidade ao Snap dos usuários menos fervorosos (isto é, o público em geral), os novos Stories ganharam cada vez mais força, até tomarem a coroa do fantasma e se estabelecerem de vez como hegemônicos no ramo.
Analistas vão dizer que a praticidade de usar um app multifacetado, a expansão de recursos, a dinâmica atrativa, o design inovador, a migração de influenciadores digitais e uma série de outras justificativas técnicas — sobre os quais eu nunca, na minha vida, me debruçaria para entender — explicam o sucesso do Instagram.
É verdade, tudo isso faz total sentido. Vocês manjam muito de tecnologia e comportamento. A propósito, que belas colunas semanais. Mas os senhores, jornalistas e estudiosos (ou nem tanto), ao explicarem o êxito do aplicativo, esquecem-se de um dos detalhes mais primordiais da programação e pulga atrás da orelha de uma geração inteira: o ordenamento do nome das pessoas que visualizam as Stories.
Você posta alguma foto, vídeo ou boomerang, tanto faz, deixa lá por um tempo — que vai variar de acordo com a sua popularidade (ou a falta de) — e pessoas vão começar a ver. Daí, você fica ávido por checar seu nível de relevância dentro da bolha algorítmica. Pensando bem, soa estranho constatar que as pessoas, inclusive eu, creem naqueles números. Sim, eles são importantes, sou de Humanas, mas até gosto de alguns. Tipo os números de cifras na minha conta, quem não gosta? Como ia falando, é loucura pensar que aqueles números, por meio de uma expectativa criada socialmente, produzem nas pessoas e em mim um impacto significativo e pragmático na vida delas e na minha.
Acabei me perdendo um pouco no raciocínio. Não repara na bagunça. Estou escrevendo esse texto ao longo de vários dias e vários “eus”, por isso a confusão.
O que eu queria mesmo dizer é que a lista que aparece quando você visualiza a sua própria história… E como eu vou explicar isso escrevendo? Não dá. Bom, acho que você sabe, e espero que saiba, do que estou falando. Clicou na primeira bolinha dos Stories no canto superior esquerdo do feed (a que tem a sua foto), abriu o post, apareceram outras três bolinhas pequenas no canto inferior esquerdo da publicação. “Visto por 477 pessoas”. Clicou nelas, minimizou-se o post, uma lista apareceu. “Visualizadores”. E quem está no topo? Ela.
Ela, ela e ela. Nos três Stories e em todo lugar.
Essa parada é um detalhe quase insignificante, que passa batido por qualquer análise pretensamente “séria”. Quem vai estudar O Significado da Ordem dos Perfis que Visualizaram os Stories do Instagram? Parece tolo, parvo, fútil demais para qualquer solene artigo científico. Mas, mano, como se explica essa merda? Talvez seja essa a brisa: não compreender a misticidade do arranjo.
“Ah, isso é o nível de interação entre os usuários”. “Que nada, a lista mostra as pessoas que mais te ‘stalkeiam’”. “Vocês só falam merda, isso tem a ver com o tempo que você passa na publicação de cada pessoa”. “Sei lá, vai ver que essa fita não tem explicação mesmo”. “Mano, tem que ter, procura aí no Google. Tô sem 3G”. “Vi aqui, não fala nada, o Instagram não divulgou o critério”. “Pois é, vocês vão fazer o que no fim de semana?”.
Mas não, dessa vez não. Não deixarei o assunto morrer aqui da mesma forma que ele tem sucumbido nas tantas conversas de bar em que estive presente. Porque formulei uma tese. Agora, sinto-me possuidor de uma ideia potencialmente esfuziante para muitos, que, como uma panela de pressão a ponto de explodir e engordurar vários ladrilhos brancos da cozinha com um saboroso caldo quentíssimo de saber, fervilha descontroladamente dentro de mim. Preciso torná-la pública.
Estou falando da captação de ondas telepáticas e da conversão delas em zeros e uns que alavancam o nome do remetente na conta do destinatário.
Funciona basicamente assim: a sequência é organizada a partir da codificação, em ordem decrescente, dos fluxos de pensamento de seus seguidores referentes a você. Para simplificar, a lista cita, daqueles perfis que visualizaram seu Stories, o quanto eles têm pensado em você, de mais para menos. Invertendo os papéis: quanto mais mentalizada é a figura de alguém na sua cabeça — caso ela tenha uma conta no Instagram e você veja um Stories postado —, mais elevada será a sua posição na lista dela. E vice-versa.
Insano, não? Até demais.
Tá bom, você não acredita, beleza. Mas como explicar o fato de ela, conforme estreitamos nossos laços, subir e subir até tornar-se dona absoluta da minha primeira posição e lá permanecer mesmo quando não nos falamos há dias. Tentei me enganar, evitá-la pessoalmente, não mandar mais mensagens, trocar ideia com outras pessoas. Nada. O topo continuou dela.
Ela, ela e ela. Nos três Stories e em todo lugar.
“E aquela galera aleatória que eu nem falo e fica lá em cima?”, você me pergunta. Eu respondo: elas também pensam em você. Pensam, sim, só você que não sabe ainda ou não quer acreditar — tanto para o bem quanto para o mal. Embustes, crushs, desconhecidos, stalkers, “exs”, melhores amigos, professores, parentes, vizinhos. Sim, qualquer um deles pode estar pensando em você neste exato momento. Louco, né?
Enlouquecido talvez esteja eu, que formulei essa hipótese: será que alucino o que desejo, pois também sou o primeiro na lista dela (o que corrobora parcialmente a minha tese)? Portanto, por sensoriar uma tal “re-ci-pro-ci-da-de”, busco algum viés de confirmação para ela. Talvez. Já que estamos lá em cima nas listas um do outro, deve-se presumir um sentimento mútuo, traduzido em pensamento, captado não sei como pelo aparato hermético do Instagram e que me dá álibi para a manutenção de um afeto avassalador. Não estou delirando, sou amado também.
Faz sentido?
Que bom. Não era para fazer mesmo. Sou maluco e ponto!