O sociólogo e professor Paulo Silvino analisa quatro aspectos da sociedade e as mudanças que ocorrerão no contexto pós-pandemia
Apesar de ser impossível prever os efeitos da pandemia da covid-19, o diretor da Organização Mundial da Saúde, Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, garante que o mundo não voltará a ser o que era antes e teremos que achar um ‘novo normal’, mais seguro, saudável e preparado. Diante disso, o sociólogo, pesquisador e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Paulo Silvino, faz algumas especulações cabíveis sobre o mundo pós-pandemia.
Desemprego e precarização do trabalho
De acordo com uma pesquisa feita no início de abril pelo Datafolha, 76% dos brasileiros apoiam o isolamento social como forma de mitigar o coronavírus. Apesar da grande aceitabilidade, a ideia causa receio para aqueles que temem ser somados aos 12,3 milhões de desempregados, conforme dados do IBGE. Ainda que o Brasil possua leis que impeçam demissões em massa, Paulo diz que a inserção de jovens e atuais desempregados será mais lenta. Além disso, pontua que os subempregos irão aumentar. “Isso vai depender de cada país, uns — como nós — sentirão mais que outros”, afirma o especialista.
Outro fator que, de acordo com ele, poderá influenciar os dados de trabalhos precarizados será o home office. Em 2018, 3,8 milhões de brasileiros já produziam de casa. Esse número provavelmente será impulsionado e fará com que empresas tenham redução de custos, como vale transporte, água e luz. “O que veremos pode ser apenas a aceleração de um processo que já estava em curso: o trabalho em home. Porém, o que deve chamar atenção é como isso poderá implicar a precarização do trabalho, com salários menores e mais atividades”, analisa.
Economia pós-pandemia: daqui pra frente, é só pra trás
As previsões para o PIB de 2020 são preocupantes. Os economistas do Citibank preveem uma contração de 4,5% em relação a 2019 — antes a expectativa era de um crescimento de 1,7%.
Durante crises econômicas, lideranças se mobilizaram para que a recuperação fosse rápida e efetiva. O New Deal de Roosevelt ficou conhecido por suas medidas intervencionistas que resgataram a economia estadunidense no cenário após a crise de 1929. Segundo o professor, o governo atual, eleito com a bandeira liberal, “terá, ao menos, que rever seu conceito de liberalismo”.
Ele ainda ressalta que o executivo não necessariamente precisará instaurar o Estado de Bem-Estar Social, adotado por Roosevelt. “Temos uma ideia equivocada sobre a agenda de Bem-Estar Social. A ignorância e a natureza obtusa da análise de muitos faz uma relação direta entre esse sistema e o socialismo ou comunismo. Não se trata disso”, afirma o especialista sobre o cenário pós-pandemia.
Solidariedade com prazo de validade?
Durante esse período é comum se deparar com gestos solidários. Na internet, circulam desde vizinhos que se prontificam a fazer as compras dos mais idosos até distribuição de refeições para moradores de rua. Para Paulo, pode se tratar apenas de uma onda momentânea. “Somos uma sociedade muito individualizada, e as questões coletivas ou do ‘outro’ nem sempre sensibilizam. Como temos recebido diuturnamente uma enxurrada de informações, podemos ficar mais sensibilizados. Penso que a ajuda também depende muito da classe social. E dos motivos que estimulam alguém a ajudar outras pessoas, com ou sem pandemia”, analisa.
Saúde mental
A situação mental dos brasileiros já estava em crise antes mesmo da pandemia. Segundo a OMS, o Brasil leva o título de país mais depressivo da América Latina e o de mais ansioso do planeta. O confinamento, somado às incertezas do futuro, pode fazer com que esse quadro fique ainda pior. Paulo traz a hipótese de que esses gatilhos apenas ampliarão as doenças que de certa forma já nos acompanham. “Penso que as pessoas já são muito depressivas e ansiosas. A vida moderna tão intensa gera expectativas seguidas de frustrações. Isso leva as pessoas a comportamentos nocivos, pulsões de morte, consumismo exacerbado, uso demasiado de entorpecentes, e por aí vai. Não podemos acreditar que a pandemia em si trouxe um turbilhão de problemas para a saúde ou para a economia. Eles já estavam aí e foram ampliados”, reitera o sociólogo.