Cristina Fibe: as mulheres me salvaram - Revista Esquinas

Cristina Fibe: as mulheres me salvaram

Por Carolina Galimberti, Giovanna Almeida, Maria Eduarda Cardim e Sophia Rabassi : agosto 7, 2023

Cris é gente como a gente. Gosta de ir em botecos com os amigos, jogar papo fora e beber cerveja de pé mesmo/Foto: @crisfibe (Instagram)

Um pequeno capítulo da vida de Cristina Fibe, jornalista especializada no combate da violência contra mulher e autora de “João de Deus: o abuso da fé”

“Eu fui fazer jornalismo porque achei que tinha que dar voz para as coisas que não tinham voz. Eu tinha um pouco essa coisa de repórter, de ver as coisas acontecerem e sabia que as pessoas não tinham como ser ouvidas, mas eu queria que elas fossem. Fiz jornalismo porque era natural para mim, vivi coisas de jornalismo, cresci vivendo nessa água. E também porque eu realmente tinha essa ideologia de achar que a gente pode ser uma espécie de fiscal das coisas erradas que estão acontecendo e que a gente pode amplificar essa voz. O que é engraçado é que esse trabalho que eu faço hoje, que é dar voz às mulheres silenciadas, não foi planejado. Ele está na raiz da minha escolha pelo jornalismo. Então eu não tinha noção do que estava fazendo para amplificar a voz das pessoas ou serviços públicos silenciados. Não planejei cair nesse assunto de violência contra mulher. Eu planejei fazer isso em qualquer área. Não tinha perspectiva de gênero, não tinha o letramento feminista, isso foi uma coisa que eu fui correr atrás ao longo da carreira”, Cristina Fibe.

Só quem é jornalista conhece o sentimento gratificante de quando você tem uma pauta boa e ela vira, ou seja, dá certo e é aprovada. Cristina Fibe tinha o furo do ano em suas mãos. O poder de fazer toda a repercussão e audiência voltar os olhos para O Globo, veículo em que trabalhava na época. Mais do que a sensação gostosa de ter uma boa pauta, ela corria contra o tempo. Quanto mais rápido conseguisse, menos mulheres seriam abusadas. Ela não brigava apenas pelo furo de reportagem, ela brigava para prender um estuprador em série, por coincidência ou não, um dos homens mais poderosos do Brasil.

Flávia Martin, amiga pessoal de Cristina e também jornalista, enfatiza: “Ela expôs os crimes do João de Deus, que era esse ser intocável, tão poderoso, tão próximo de figuras políticas e midiáticas. Ela foi muito corajosa. Ela não se deteve diante dos obstáculos.”

A jornalista descreve a sensação: “É como ver que uma pessoa está sendo torturada e não pode fazer nada. É um senso de urgência, de que alguém precisa fazer algo. Tem a urgência natural de publicar uma matéria quando o primeiro relato foi postado em uma rede social. Ainda é um furo, então eu ainda tinha aquilo de querer ser a primeira.” Seria hipocrisia dizer que o furo não é importante. A própria profissão é movida pela urgência. Quanto mais informações exclusivas a jornalista der  ao leitor, mais renomada ela se torna.

A primeira denúncia de que o médium João de Deus teria abusado sexualmente de mulheres que frequentavam o centro que mantinha em Abadiânia (MG) foi feita em um grupo de Facebook. Ainda não havia entrevista, nem divulgação do caso. Qualquer um poderia ter visto, a publicação poderia repercutir, outros jornalistas poderiam estar no grupo. E curiosamente, ninguém viu nada, ninguém foi atrás.

Cristina viu o depoimento da bailarina holandesa Zahira em um grupo feminista brasileiro fechado chamado Gangue Rosa, fundado por Luciana Xavier, sua amiga pessoal. Para entrevistá-la, contou com a ajuda de Helena Borges, também jornalista do Globo, que já tinha experiência em coberturas de violência contra a mulher. Nenhuma das duas pensou nos perigos. Não sabiam que João andava armado, era milionário e considerado o dono de Abadiânia, local onde cometia seus crimes na Casa de Dom Inácio de Loyola. Até aquele momento, Cristina agia como se estivesse diante de qualquer notícia daquela gravidade: uma mulher relatando que foi estuprada, duas vezes, por uma celebridade mundial.

Helena foi a primeira a entrevistar Zahira e a ter conhecimento de que João de Deus era um estuprador. Em questão de horas, elas tinham seis depoimentos de mulheres que não se conheciam entre si e viviam em estados diferentes, mas que eram conectadas pelo mesmo trauma. Como elas moravam no Brasil, tinham muito medo pois sabiam que o criminoso era coronel e o médium mais conhecido do Brasil, talvez até do mundo, como arrisca dizer Cristina Fibe. As vítimas sabiam que não seria uma luta fácil. Sozinhas, nunca seria possível.

Em 48 horas de apuração tiveram a certeza de que o estuprador estava cometendo crimes em série, já que as vítimas relatavam exatamente a mesma coisa. O modus operandi de João de Deus era selecionar mulheres na sala de meditação e mandá-las individualmente para sua sala. Foram três tentativas de publicação no O Globo, uma vez que havia muita descrença por parte do jornal, mas muita insistência por parte dela. No dia 7 de dezembro de 2018, o caso foi divulgado no jornal e no programa ‘Conversa com o Bial’. Nessa época, Cristina também tomou outra decisão: iria escrever um livro, que, posteriormente, seria lançado com o nome de João de Deus: O abuso da fé.

Tudo ficou ainda mais delicado quando a jornalista começou o processo de apuração para o livro, período em que viajava constantemente para Abadiânia. Diversas precauções foram tomadas ao assinar o contrato com a Globo Livros, e era necessária a presença de seguranças a acompanhando em todas as suas viagens. Além disso, ela manteve suas redes sociais fechadas durante esse tempo, nunca expondo seu rosto. Era uma jornalista de bastidores, como ela própria se coloca. Ninguém ali sabia quem ela era. Só quando João foi preso que as coisas mudaram. Parte dos cidadãos de Abadiânia começaram a odiar os responsáveis pela sua prisão, isso porque o abusador tinha grande influência e fortalecia a economia da pequena cidade, através do turismo. “As pessoas lá me odiavam, odiavam jornalistas em geral, odiavam o grupo do Globo todo. Várias precauções deveriam ser tomadas”. Flávia conta que, naquele momento, todos à sua volta ficaram muito preocupados, mas que Cristina era esperta e muito responsável. Ela sabia o que iria fazer.

A amiga e jornalista acompanhou Cristina em todo o processo de apuração: “O tempo que ela se propôs a escrever o livro foi muito exíguo para um livro tão importante”, diz Flávia. “A capacidade de trabalho, de objetividade, de foco e de escrita surreal que ela tem me chamou atenção. Ela não deixou de cuidar da casa, da família e do trabalho no O Globo. E foi muito sensível, porque ela não deixou cair a peteca do rigor jornalístico com a sensibilidade de ouvir as vítimas”. A parceira de trabalho ainda brinca que Cristina abriu mão de um Carnaval inteiro de blocos de rua para se dedicar ao livro. Coisa que não é fácil para ela.

Quando, finalmente, o livro foi publicado, ela já tinha saído do jornal O Globo e já era autônoma. Cristina decidiu tomar a medida de segurança contrária: se expor totalmente. Assim, se estivesse exposta demais, teriam medo de fazer algo pela repercussão que geraria. Em tom conselheiro, ela diz que não há uma fórmula ideal para se proteger, cada caso requer um tipo de procedimento. A atitude essencial que tomou foi fazer uma consultoria geral, pedir dicas para profissionais, se resguardar durante a apuração, e por fim, se expor com a publicação do livro. A jornalista nunca recebeu ameaças diretas de João de Deus, mas é de conhecimento geral que a área investigativa é muito mais delicada para as mulheres. Hoje, ela já se expôs muito e não tem como voltar atrás.

Flávia enfatiza o cuidado e a generosidade da amiga no processo de apuração. “Talvez esse seja o lado mais importante da Cris. Jornalistas investigativos existem muitos no Brasil, mas um que consiga aliar a sensibilidade na escuta, eu acho que a Cris é uma das poucas, eu diria. Eu tenho muito orgulho dela”, afirma. Ela sabia que era uma mulher que precisava ouvir as vítimas, lidar com a exposição, com a vergonha e o machismo estrutural. A amiga ainda completa: “O que se passava na cabeça dela, eu não sei, mas na minha era: que bizarra essa capacidade de trabalho dela. Cara, eu aplaudi de pé.”

Ela não é a única que faz questão de dizer o quão minucioso e rigoroso é o trabalho de Cristina. Luiza Fecarotta, jornalista e amiga pessoal, conta como ela é comprometida com a excelência do trabalho no ambiente profissional. Na época em que trabalhavam juntas, Cristina era subeditora na Ilustrada, caderno de entretenimento da Folha de S.Paulo, e Luiza, pauteira. “Ela era muito exigente para que a gente conseguisse construir pautas muito jornalísticas e de interesse público, do leitor, mas também muito generosa para discutir essas pautas e para fazer a gente chegar a alcançar uma pauta que, enfim, justificasse a gente publicar um artigo no jornal”, diz Luiza.

Ana Carolina Abar, amiga de profissão e da época da faculdade, também elogia Cristina:

“Eu tenho uma admiração gigantesca por ela, como jornalista que se aprofundou num tema tão necessário e que tem sido pioneira nesta área. A maioria dos jornalistas não sabe como fazer as coberturas que ela faz, como tratar questões de abuso contra a mulher de maneira correta, com respeito e  imparcialidade.”

“Posso contar tudo, sou uma pessoa aberta”, Cristina Fibe

Cristina Fibe é conhecida por muitos pela sua grandiosa investigação sobre o caso João de Deus e pelo seu renomado livro sobre o assunto. Uma jornalista autônoma que trabalha quase o tempo inteiro e que tem sua vida pessoal completamente atrapalhada pela sua vida profissional. Mas por trás disso há a Cris, mãe de um menino de oito anos e frequentadora das rodas de samba do Rio de Janeiro. Fora ser mãe e investigar criminosos, Cris é gente como a gente. Gosta de ir em botecos com os amigos, jogar papo fora e beber cerveja de pé mesmo.

Cristina não tem medo de se abrir e se mostra disposta a contar tudo. Entrega o coração ao falar do antigo relacionamento, mas esse coração não pertence ao ex-marido, mas às mulheres que lhe abraçaram. Casou nova, aos 22 anos, com outro jornalista e tinha um relacionamento aparentemente saudável que degringolou quando teve o filho. Aos 35 anos se divorciou, sabendo das dificuldades e da vulnerabilidade que teria que enfrentar. “É tudo mais difícil, especialmente o lado financeiro”, afirma Cristina. “Claro que o emocional mais. Só que, no racional, o financeiro também conta muito, porque fica tudo mais amarrado. Há menos margem de manobra quando você está sozinha”. Junto a isso, tinha uma convicção: para o seu filho estar bem, ele precisaria de um exemplo saudável em casa.

A paulista, que reside na cidade carioca, estranhou o dia a dia do Rio de Janeiro quando chegou. Mudou-se em 2011 por conta de uma oportunidade de trabalho, começando sua carreira no Globo e deixando sua estrutura familiar em outro estado. Quando tomou uma das decisões mais difíceis, a de se separar do pai de seu filho durante seu puerpério, o medo lhe tomou conta. Eram noites em claro amamentando, cuidando do bebê, trabalhando em redação, fechando jornal às dez da noite. Nesse momento, foi abraçada.

“Quem me salvou depois da minha separação foram mulheres. As mulheres me salvaram, porque elas me estenderam a mão e falaram ‘que merda que você está passando, vem cá!’”, Cris confessa.

E assim criou sua rede de mulheres, a maioria mães, mas nem todas. Talvez dez anos atrás ela seria capaz de brigar com uma amiga por causa de um homem, hoje, não mais. Durante o caso João de Deus, viu o poder da união das mulheres na prática. Descobriu o que é estar de fato uma ao lado da outra.

Cris não vê problema em sua solteirice, não sente pressa nem urgência. Não há uma vaga a ser preenchida. Ainda não aconteceu de ter uma relação que valesse seu tempo, que inclusive, é muito valioso. Talvez seu trabalho a tenha tornado esperta demais. Lidar diariamente com a cobertura de temas de violência contra mulher lhe deu bagagem suficiente para desvendar as red flags, os sinais tóxicos, e eliminar, o mais rápido possível. Mas, há um homem em sua vida, dentro de sua casa, ou melhor, um menino, um futuro homem. Seu filho, Fran, é seu legado para o mundo. Sente na pele a determinação da mãe de criar um homem decente, já que sabe como é o mundo real. Quando pequenininho, Fran viu a mãe apurar o caso de João de Deus. Não sabia a dimensão dos crimes, mas era curioso, sabe que João de Abadiânia machucava mulheres. Cris estudou proundamente sobre o assunto e entendeu que violência sexual é um tema que deve ser debatido com crianças:

“Converso com ele sobre machucar, sobre violência sexual (tem que conversar com menino também), sobre não colocar a mão em ninguém e não deixar ninguém colocar a mão nele.”

Mas como lidar com isso tudo? Remo. Essa é a solução que a jornalista encontrou na Baía de Guanabara. O remo canoe, uma atividade individual que exige muito do físico. Esse é seu tipo de meditação, afinal, é ansiosa e irritada demais para o modo tradicional. Ela mesma se questiona se talvez não seria mais fácil ter uma religião na qual pudesse se apoiar, mas deixa essa função de proteção para a crença das amigas. Cris é jornalista, gosta de conversar, fala muito fácil sobre si mesma. Apesar de sua base de apoio ser feminina, ela divide a psicanálise com um filósofo desde um dos maiores tumultos da sua vida, seu divórcio.

“Eu vivi o jornalismo”, Cristina Fibe

Na redação do Jornal Nacional tinha uma criança correndo de um lado para o outro, brincando com o teleprompter, tentando manter silêncio durante as transmissões ao vivo e dando palpite nas reuniões de pauta. Lillian Witte Fibe e Alexandre Gambirasio criaram a filha nos horários do jornalismo: as datas festivas eram dias de plantão e o assunto dentro de casa não podia ser outra coisa além da profissão. A menina respirava, sentia e vivia o jornalismo. Para ela, era natural e seu destino sempre foi óbvio. A necessidade de dar voz às coisas que não tinham, fez Cristina escolher seu caminho para trilhar.

A jovem mulher cursava duas faculdades ao mesmo tempo, jornalismo na Faculdade Cásper Líbero e cinema na Faap (Faculdade Armando Álvares Penteado). Seria enganação ignorar seu gosto por filmes e sua tentativa de fugir do mundo que já conhecia. Formou-se vinte anos atrás e hoje ainda é lembrada por antigos professores. Luís Mauro de Sá Martino se recorda do lugar em que a aluna se sentava durante o curso de jornalismo. Comenta sua quietude, foco e dedicação.

Cineasta de formação, Cristina é amante de filmes e não poderia deixar de dar uma recomendação: Spotlight. Produção do diretor Tom McCarthy que conta a história real de um grupo de jornalistas, do The Boston Globe, que investigou o abuso de crianças por padres católicos, acobertados pela Igreja. O jornalismo não sai de seu pensamento em nenhum segundo e quando questionada sobre qual personalidade escolheria para conversar, continuou no tema. Janet Malcolm foi uma escritora tcheca que viveu em Nova York, e seu livro “O jornalista e o assassino” foi mais uma recomendação. A obra é uma reflexão sobre ética jornalística e a relação entre jornalismo e poder. A narrativa tem como base o caso Jeffrey MacDonald, homem condenado pela morte da esposa grávida e de suas duas filhas.

Logo após a formatura, ingressou como trainee na Folha de S. Paulo. Foi lá que conheceu uma de suas amigas de longa data, Luiza Fecarotta. Ou quase isso. Sentavam perto na redação e aquela sensação de “te conheço de algum lugar” pairava no ar. Durante o colegial haviam participado do Projeto Aprendiz, capitaneado pelo jornalista Gilberto Dimenstein. Ali começou uma relação de apoio e cumplicidade, pois lidavam com as horas intermináveis no jornal. Se reconheciam uma na outra, as dificuldades do dia a dia eram parecidas. Transformaram-se em família. Cris pode ser aberta para falar de si, mas ao falar sobre seu núcleo familiar, se reserva. Assim, “uma vez que você entra, é um privilégio”, desabafa Luiza com orgulho. A relação não era só profissional dentro do ambiente de trabalho, construíram um porto seguro. Ao longo dos anos, os laços se estreitaram e hoje em dia, Luiza é madrinha do Fran, filho de Cris.

O dia de Cristina parece ter mais de 24 horas, com certeza. Em meio a toda confusão rotineira de ser mãe, educar um filho, defender mulheres, investigar criminosos e exercer a profissão de jornalista, ela organizou uma viagem para as duas com todas as passagens, reservas em hotéis e restaurantes planejados. É uma ultra organização e agilidade. As primeiras férias afastadas do seu filho foram na Colômbia. Luiza se agarrou nela por dez dias. Dividiram gostos, vontades e uma convivência muito íntima. Passaram os dias caminhando pela cidade sossegadamente, gastando tempo em livrarias e cafés.  

“Violência contra a mulher é regra e não exceção”, Cristina Fibe

Quando uma criança aprende a ler, parece impossível “desler”. A partir do momento que as letras fazem sentido, é inevitável que formem palavras. A mesma coisa acontece quando as mulheres começam a perceber o papel que desempenham nas relações profissionais e pessoais. Quando acionamos esse mecanismo que analisa as diferenças de gênero na sociedade, o nosso olhar fica treinado para realizar essa percepção.

Cristina, assim como grande parte das mulheres, entrou no mundo do trabalho de forma ingênua e via vários homens subirem de cargo com muito mais rapidez e facilidade. O machismo sempre esteve muito presente nas redações – e em todos os ambientes em que a mulher assume seu papel. Fibe conta que só começou a realmente entender como essa desigualdade de gênero funcionava e estava presente em sua vida, após quinze anos de profissão.”Eu não fui letrada e preparada para isso”, afirma. Quando a jornalista mudou da editoria de cultura para a de direitos humanos dentro do Globo, conheceu um grupo de mulheres que redigiam pautas que destacavam o direito da mulher, a luta LGBTQIAPN e o antirracismo. E foi aí que a chavinha virou.

Assim que a ficha caiu, Cristina já se convenceu que teria que lutar a nível estrutural para quebrar as barreiras que foram impostas para as mulheres. “Acho que do ponto de vista profissional, me deixou preocupada a maneira como a gente trata esses assuntos dentro das redações”, conta. Precisaria conversar com as pessoas, sair falando sobre isso, brigar por uma pauta, fazer um manual, escrever um livro, vocalizar, chamar atenção dos outros e ser porta-voz desse movimento. Assim, ela começou a abraçar a luta feminista e enxergar claramente essa desparidade e formas de extingui-lá. Mesmo antes do furo de João de Deus, sempre foi uma voz para aquelas que se encontram caladas e invisibilizadas.

A relação de Cristina com a luta feminista foi se fortificando quando ela começou a publicar os relatos de assédio sexual do médium de Abadiânia. Nesse momento, para muitas mulheres, ela foi quem estendeu a mão e lhes mostrou que não estavam loucas nem sozinhas. Cristina Fibe abriu portas para que diversas vítimas de assédio se sentissem confortáveis e confiantes o bastante para denunciar crimes e abusos sexuais.

No Brasil, uma mulher é agredida a cada quatro horas. A quantidade de mulheres que sofrem algum tipo de assédio sexual diaramente é capaz de lotar um estádio de futebol. Cristina reitera que a violência contra a mulher é um dos crimes pelos quais a sociedade não liga.

A jornalista conta que após a repercussão do caso de João de Deus, muitas mulheres vieram se abrir e relatar casos de assédios sofridos no dia a dia, em casa, no trabalho, na escola, no transporte, na rua – e a lista seguiria por cada um dos espaços existentes na sociedade. Os corpos das mulheres são banalizados e socialmente aceito que sejam usados daquela forma por homens poderosos. Mesmo assim, João de Deus não está sendo devidamente investigado, já que ele se encontra em prisão domiciliar e a Casa Dom Inácio segue aberta – entidade onde o criminoso atuava e segue com muita influência. Nenhum dos cúmplices envolvidos no crime foi investigado. Havia boletins de ocorrência registrados, o Ministério Público tinha ciência dos crimes. O Tribunal de Justiça inocentou João de Deus perante uma denúncia de estupro de uma garota de 16 anos em 2008.

Cristina se sente completamente impotente perante a violência contra a mulher. No Brasil, os casos de assédios e abusos sexuais se tratam da regra e não da exceção.

“Óbvio que eu fico sentindo que uma parte da missão foi cumprida, porque a gente conseguiu publicar de maneira séria, responsável, sem sofrer retaliação jurídica, o que está cada vez mais comum. […] O nosso trabalho gerou alguma reparação para essas centenas de vítimas e impediu talvez milhares de violações futuras que outras mulheres saíssem de lá machucadas e traumatizadas. Então, isso sim é digamos, reconfortante. Dá um alento saber que você foi instrumento para isso tudo, é uma coisa gigantesca mesmo,” relata sobre a publicação do caso de João de Deus.

“Onde ela estava, eu queria estar junto”, Flavia Martin

No primeiro lançamento presencial de João de Deus: O Abuso da Fé – já que o livro foi publicado durante a pandemia – um dos selecionados para mediar o debate do evento pegou covid-19 e Flávia Martin foi escalada para assumir a posição de última hora. O lançamento aconteceu no Bar Bip Bip, barzinho conhecido pela sua roda de samba tradicional localizado em Copacabana, no Rio de Janeiro.

Na amizade de anos entre Flávia e Cristina, há uma admiração muito grande no quesito profissional entre as duas. A amiga faz seu depoimento: “Pra mim foi uma super responsabilidade fazer essa mediação, porque, enfim, eu admiro muito a Cris profissionalmente. Foi meio em cima da hora, mas eu creio que ficou gostoso, sim, foi um bate-papo informal, muitas mulheres, algumas mulheres vítimas de abuso, então foi uma catarse. Foi uma coisa muito bonita, a Cris se empolga muito quando ela fala desse assunto, é muito bonito ver o envolvimento que ela tem com as vítimas, o respeito que ela tem com a história das vítimas, o respeito que ela tem com essa apuração. Então foi muito bonito.”

Cristina Fibe marca a vida das pessoas pela sua voz, pela sua força e pela sua sensibilidade. Porém, ela também tem aquela personalidade com gosto de graça e risada, e Flávia confirma isso a cada palavra que diz a respeito da amiga. “Olha, desde que eu e a Cris a gente ficou mais amiga, que foi de 2017 pra cá, quando eu entrei no Globo, a gente já viveu muita coisa engraçada, doida, maluca, junta, né!”

Flavia poderia falar por horas e mais horas. Ela, inclusive, conta sobre um talento desconhecido da amiga: “Na pandemia, desenvolveu um talento maravilhoso pra coquetelaria. Ela faz altos drinks, ela estudou, leu livros, comprou utensílios, fez misturas em casa de açúcar com gengibre, enfim, ela arrasou nisso.” Durante sua trajetória profissional, acompanhou a amiga o mais perto possível. Queria estar onde ela estava. Se conheceram na Folha de S. Paulo em 2009, batiam pauta juntas. Anos depois, houve um reencontro. Flavia, carioca de berço, voltou à sua cidade natal para trabalhar no O Globo, onde Cristina estava no Segundo Caderno, de Cultura. Trabalharam juntas nesse momento e depois na editoria de Sociedade. Meses se passaram assim, e junto com Nani Rubin construíram o “cantinho da felicidade” – apelido carinhoso dado ao trio de amigas.

“Eu espero conseguir capacitar mais gente para espalhar e entrar comigo nessa”, Cristina Fibe

Hoje ela é fixa no UOL, onde assina uma coluna e apresenta o programa Sem Filtros, que vai ao ar duas vezes na semana. Autônoma, Cristina Fibe, tem projetos pessoais em andamento. Seus planos para o futuro vão muito além da esfera individual. Ela pensa em algo muito maior, coletivo e comunitário. Algo que desencadeie transformações estruturais na sociedade. Cristina pretende não apenas seguir na cobertura de violência contra as mulheres, mas também conseguir disseminar ainda mais essa temática por meio de outras jornalistas.

Seu objetivo principal é desenvolver uma cobertura especializada, porque como a própria diz, não é uma cobertura de rua ou de Congresso. Mais pessoas precisam ser capacitadas para que tudo seja tratado de forma específica para esse tipo de caso. Além de atentar cada vez mais a imprensa para os erros que ela comete. Cristina deseja que seu alcance seja ainda mais amplificado, assim como a visibilidade do tema. Para isso, ainda é preciso que uma estrutura seja firmada nesse âmbito.

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Cris pelos olhos da Luiza 

“Bom, se eu pudesse descrever a Cris, como eu descreveria? Ela tem ideais, valores muito firmes, é uma pessoa extremamente ética. Tem essa firmeza de conseguir construir argumentações e conseguir, enfim, sustentá-las com muita clareza e firmeza. E o que eu acho mais brilhante de tudo é a capacidade dela ser tão generosa. É uma pessoa extremamente generosa. Ela nunca vai deixar um amigo na mão. Embora ela seja muito firme profissionalmente, se ela está em qualquer coisa de trabalho e um amigo precisa dela, ela imediatamente vai se organizar para acudir. E o mesmo como mãe. Eu acho que não dá pra gente falar da Cris sem falar como ela é como mãe. Ela é um exemplo dentro da casa dela, ela é um exemplo para o Fran. Um exemplo de generosidade, de amorosidade e de transmitir essa importância de ser responsável e de, enfim, lidar com todos esses valores que a Cris explicita em todos os capítulos da vida.”

Cris pelos olhos da Ana 

“A Cris é uma jornalista e uma voz extremamente necessária no momento em que a gente vive, que se transformou maravilhosamente com a mudança do jornalismo nos últimos anos e do movimento feminista. A Cris soube evoluir dentro da profissão e também como mulher. Uma mãe maravilhosa que faz questão de aplicar todos esses valores e de levantar as questões que se discute no dia a dia não só no momento do trabalho, mas também e principalmente na vida pessoal, no círculo de amigos e na maternidade.”

Cris pelos olhos da Flávia 

“Olha, se eu pudesse descrever a Cris… Como eu já falei, ela é uma amiga muito leal, brilhante e muito, muito, muito sensível. Ela é uma pessoa que enxerga o que você está passando, ela tem uma escuta muito qualificada. Ela tem sempre uma palavra reconfortante ou então um senso de humor também muito afiado. Ela é muito engraçada. E a gente se diverte muito, chora muito. A gente tem uma troca incrível, realmente. Ela é uma pessoa sempre disponível. Não sempre disponível porque nem todo mundo está sempre disponível, mas ela procura estar sempre disponível para te ouvir, para te ajudar. Ela é uma pessoa muito acolhedora, sabe? Eu até brincava um pouco que eu a chamava de Mamãe Cristina da Flávia, porque ela tem essa coisa muito maternal também com as pessoas. A gente se divertiu muito nos blocos de carnaval, nas noitadas, nas rodas de samba. Ela é muito divertida também. Então, ela é perfeita, né? Ela vai odiar que eu falei isso, mas ela é muito incrível.”

Editado por Mariana Ribeiro

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