Brasília 65 anos: qual o legado da construção da capital brasileira? - Revista Esquinas

Brasília 65 anos: qual o legado da construção da capital brasileira?

Por Gustavo Lillis : junho 18, 2025

Brasília completa, neste ano, 65 anos de sua fundação. Foto: renatolaky/Pixabay

Um dos projetos arquitetônicos mais ambiciosos da história nacional, mas, atualmente, a capital divide opiniões de moradores e urbanistas.

Segundo o repórter da Revista Piauí, Fernando de Barros e Silva, Brasília é uma síntese da utopia modernista, “uma aposta histórica que não vingou”. Sessenta e cinco anos após a sua construção, a capital, apesar de ser um marco arquitetura mundial, parece manter vários de seus problemas e considerada, até por alguns arquitetos como Paulo Mendes Rocha, um tropeço histórico. Qual o legado da capital brasileira?

Brasília antes de ser Brasília

A criação de uma capital no interior sempre foi um plano dos governantes brasileiros. A primeira vez que o governo pensou em uma nova cidade para ser o centro administrativo do país ocorreu na fuga de D. João VI e a família real portuguesa, que não enxergavam no Rio de Janeiro estrutura para representar o Estado. Além disso, sua localização costeira era vulnerável a ataques estrangeiros pelo mar. No começo da colonização, a Baía de Guanabara havia sido centro de conflitos entre o Império de Portugal contra o Império da França, aliada da tribo tamoiense. Apesar de ter ocorrido entre 1558 e 1567, não foi esquecido pela administração colonial de Portugal, que agora temia ataques no Reino Unido de Portugal e Algarves do seu poderoso inimigo francês Napoleão.

A ideia cresceu e rumores surgiram de uma cidade chamada Nova Lisboa, na localidade de Goiás, onde os rios Tocantins, São Francisco e Paraná se encontram. Entretanto, D. João VI desmentiu e nunca pôs o plano para frente, pois os comerciantes britânicos mantinham monopólio do porto carioca e não queriam que a capital saísse de lá.

Outras ideias surgiram, como Petrópolis (1823), ideia de José Bonifácio em homenagem a D. Pedro I, Brasília (1823), Cidade de Imperatória (1877) e Cidade Tiradentes (1891). Apesar de nenhuma ter saído do papel, a constituição republicana de 1891 garantiu a construção de uma nova capital brasileira, principalmente com os problemas de planejamento do Rio de Janeiro, que passou por processos de gentrificação e reformulação, porém não conseguiu obter o mesmo sucesso de capitais planejadas como Paris.

Embora os primeiros anos de República focarem no plano da mudança da capital como a Missão Cruls, expedição para investigar melhor o território do planalto do Centro-Oeste, a ideia foi engavetada nos próximos governos com a justificativa de falta de verba. Mas a nova capital ainda era alimentada por meio de um patriotismo moderno, como o senador Nogueira Paranaguá que em 1905, cria um projeto de lei para a capital ser criada até a promessa da constituição, no caso até 1922. O político, assim como vários, acreditavam que o Rio não poderia mais ser a capital do país. Segundo ele, “Esta é uma cidade cosmopolita por excelência. Aqui há o elemento português, o italiano, o alemão, o espanhol e muitos outros. Os estrangeiros têm força preponderante. Os interesses desta cidade são muitas vezes antagônicos com o interesse nacional.”

Apesar das promessas e de uma crescente na vontade de mudar a capital, a única coisa construída no terreno da terra prometida foi um obelisco no ano do centenário brasileiro, onde Epitácio Pessoa, presidente da época, coloca a pedra fundamental do que seria a
nova cidade.

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Pedra fundamental feita por Epitácio Pessoa. A promessa da capital foi cumprida 38 anos depois.
Foto: Nevinho/Wikimedia Commons

Na Era Vargas novas pesquisas foram feitas para a mudança de local administrativo. A ideia era mudar gradativamente a capital do litoral para o interior, e as cidades de Goiânia–GO e Belo Horizonte–MG foram pensadas nesta fase de transição. Outra proposta veio na era pós-Estado Novo, e alguns políticos ofereciam como solução definitiva o Triângulo Mineiro. Um dos apoiadores dessa ideia era um político de Minas chamado Juscelino Kubitschek, que marcaria seu nome na história mais tarde justamente pela nova capital.

Após a morte de Getúlio Vargas, a corrida presidencial foi extremamente polêmica e tentativas de golpes na república não faltaram. Entretanto, o mineiro Juscelino Kubitschek venceu as eleições e um dos fatores da sua vitória, além de ser um descendente da política varguista, foi a promessa de construir finalmente a nova capital brasileira.

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Juscelino Kubitschek em Brasília.
Foto: TV Cultura/Divulgação

A construção da capital mais moderna do mundo

O governo federal iria finalmente cumprir sua promessa de construir a nova capital 34 anos após a demarcação da pedra fundamental do governo da República Velha. Em 1957, o urbanista Lúcio Costa venceu um concurso público para o planejamento da cidade com o plano piloto. A escolha do arquiteto foi Oscar Niemeyer, que consagraria seu nome em solo nacional pela revolução que faria no projeto da cidade. A arquiteta e urbanista, doutora e docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Luciana Tombi Brasil, descreve como foi o plano inicial do arquiteto carioca.

“Juscelino Kubitschek, quando ainda era prefeito de Belo Horizonte contratou o jovem Niemeyer para a construção do conjunto arquitetônico da Lagoa da Pampulha, obra que iniciou uma conexão entre o político e o arquiteto, resultando, anos mais tarde, no projeto do Plano Piloto para Brasília, do urbanista Lúcio Costa. Niemeyer desenhou os edifícios sobre a elaboração de uma cidade que seguia rigorosamente os pressupostos da Carta de Atenas — elaborada no CIAM de 1933 e que propunha quatro funções básicas na cidade: habitar, trabalhar, se divertir e circular. Também visava garantir que os indivíduos tivessem acesso ao bem-estar e à beleza da cidade, e versava sobre os monumentos e seu caráter, ou seja, Brasília fez a interpretação rigorosa do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna”.

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Exposição do concurso do Plano Piloto de Brasília.
Foto: Arquivo Nacional/Wikimedia Commons

Uma nova capital, um novo conceito de arquitetura representada pelo avião que, segundo Otto Lara Resende, simboliza a conjunção das loucuras de Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, o engenheiro Israel Pinheiro e o JK: o vôo em direção ao futuro. A cidade foi prometida para concluir sua construção em três anos, e a decisão foi apoiada até pela oposição, pois os udenistas — membros do partido UDN e rivais políticos do presidente da época — achavam que o plano não daria certo e teriam mais motivos para tirar o mineiro político do PSD do executivo. Porém, a construção foi entregue no tempo certo, às custas de um grande aumento na inflação, considerada o maior problema do governo de Juscelino, e historicamente marcada como uma cortina de fumaça para os problemas de desigualdade social, falta de reforma agrária e da crise política da época.

Mesmo sendo parte de uma grande estratégia política e não sendo prioridade da população, 21 de abril de 1960 marcou a data da inauguração de Brasília, o grande símbolo do desenvolvimentismo brasileiro e marco de uma cidade com características ligadas ao
modernismo nacionalista, como ruptura com o tradicionalismo, mistura de vanguardas europeias e a geometrização das construções.

Sessenta e cinco anos após sua inauguração, todavia, Brasília é uma cidade que divide opiniões entre os brasileiros. Mas, por que há tanta controvérsia em uma capital que durou tanto tempo para sair do imaginário popular e havia se tornado, na época, símbolo do futuro?

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O atraso e descaso da cidade do futuro

Brasília para muitos representa a dialética da beleza e da funcionalidade. É inegável que a cidade vista de planos aéreos mostra imponência e um ar exótico, mas para muitos moradores, a cidade é muito mais uma realização teórica do que prática. Um dos problemas mais relatados sobre a capital do Brasil é o pouco acesso aos meios de transporte público ou mobilidade a pé. A cidade foi projetada em uma época onde as
rodovias e os carros eram o foco do governo.

“Também vale lembrar que no ano de inauguração de Brasília, em 1960, o paradigma da Arquitetura Moderna já estava sendo revisto há pelo menos 15 anos na Europa e nos EUA, enquanto por aqui ainda repetíamos um modelo de cidade ultrapassado. Dessa forma, o excedente da produção norte-americana precisava ser vendido e os planos urbanos rodoviaristas, com seus grandes eixos monumentais, que resultaram em cidades para os carros corroboraram para as políticas de abertura ao capital estrangeiro defendidas por JK. Assim, a Arquitetura de Brasília é uma das únicas no mundo que permitiu materializar a utopia moderna em sua integridade, às custas de um modelo de urbanização questionável para os dias de hoje”, comenta a arquiteta Luciana Brasil.

A política de JK tinha, em seu conhecido Plano de Metas, projetos para ligar o Brasil de norte a sul, leste a oeste com o apoio da indústria americana e seu patrocínio a grandes projetos rodoviários.

Grande parte dos moradores da capital brasileira são funcionários públicos. Os relatos do documentário sobre a pós-inauguração de Brasília por Joaquim Pedro de Andrade, feito em 1967, deixou claro a insatisfação de alguns concursados que compunham, na época, 13,3% da população local. “Cinco anos depois de inaugurada, Brasília tem mais de 300.000 habitantes. Desses, cerca de 40.000 são funcionários públicos. Para os mais graduados, apesar do conforto de suas residências, Brasília ainda é apenas um lugar de trabalho distante e inconveniente.”

Atualmente, a realidade parece manter as questões citadas no documentário. Em entrevista, Alessandro Borges, funcionário público, auditor federal de finanças e controle da Controladoria-Geral da União, falou sobre como Brasília é ainda uma cidade desafiante para quem mora nela.

“A maior dificuldade que existe aqui é se adaptar com a cidade, que é uma cidade diferente das outras. As distâncias são grandes, os núcleos urbanos em que você tem todas as instalações próximas (em outras cidades), por exemplo, a escola é próxima, o supermercado é próximo, o hospital é próximo. Não, aqui em Brasília é justamente o contrário de tudo isso. Tudo é longe e tudo é distante de uma coisa da outra.”

Problemas sociais e ambientais foram recorrentes em Brasília. Luciana Brasil comenta sobre como a construção da capital foi problemática. As cidades satélites do Distrito Federal, herdadas pela gentrificação e a expulsão sistemática dos candangos (trabalhadores retirantes nordestinos), mostra que a capital não atingiu o sonho de Niemeyer de uma cidade igualitária.

“Pode-se olhar para Brasília com olhos ingênuos e amar os seus edifícios, eixos e praças, mas do ponto de vista da tábula rasa que foi realizada no Centro-Oeste brasileiro para a implantação da nova capital não é aceitável em termos ambientais. Considerava-se àquela época que ali não tinha nada e, que, portanto, abrir uma clareira e criar uma cidade do zero seria algo tão inconsequente como outras medidas tomadas pelos governos desenvolvimentistas através dos projetos da Transamazônica, da Hidrelétrica de Itaipu, da Ponte Rio Niterói e outros. A arquitetura e o urbanismo contemporâneos buscam por uma via de reconciliação com os bens naturais, uma maneira sustentável de abrigar sem aumentar a emissão desenfreada de carbono, ainda que essas medidas caminhem a passos miúdos. Portanto, hoje, Brasília seria impensável, ou seria proposta a partir de outras maneiras de olhar para as pré-existências e da cultura local como índices para a sua proposição.

Apesar dos avanços em direção à agenda ambiental, não me surpreende que muitas cidades (inteiras ou trecho delas) ainda sejam propostas a partir deste modelo de Brasília, por exemplo, no Oriente Médio. Inclusive sem nenhum respeito à mão de obra e aos trabalhadores da construção civil, outro ponto que não se pode esquecer ao lembrar dos candangos, pessoas que vinham de várias partes do Brasil, mas sobretudo do Nordeste, assim como de Goiás e de Minas Gerais e que perderam suas vidas construindo as belíssimas estruturas de concreto armado de Brasília.”

Monumento em homenagem aos Candangos, trabalhadores da construção de Brasília.
Foto: Mariordo/Wikimedia Commons

Como dito pela professora, Brasília foi palco de sérios problemas trabalhistas e humanitários. Mortes que ocorreram por mau cuidado, operários sem equipamentos e jornadas exaustivas de trabalho no calor do Centro-Oeste culminou, segundo o pesquisador Hélio Queiroz, três acidentes de trabalho por dia. Acidentes como, por exemplo, queda de colunas de 12 metros segundo Roosevelt Beltrão, presidente do Clube de Pioneiros de Brasília em entrevista ao G1.

Contudo, não só mortes causadas por inconsequência do governo ocorreram. O documentário Brasília Segundo Feldman aborda um massacre da GEB (Guarda Especial de Brasília) contra operários foi realizado para acabar com uma greve para a melhoria de condições de comida.

Trabalhadores da construção de Brasília na cantina.
Foto: Arquivo Nacional/Wikimedia Commons

Oficialmente, o massacre da GEB, ou o massacre da Pacheco Fernandes, foi registrado apenas uma morte. Entretanto, relatos e estudos evidenciam que a quantidade foi muito maior.

Outro caso de tirania do governo local contra a população foi o Badernaço de 1986. Protestantes que começaram a manifestação de forma pacífica, tiveram confronto direto com a polícia de Sarney. Os manifestantes viram até tanques de guerra escoltando o Palácio contra a população.

A capital brasileira surgiu como uma solução para a defesa nacional antes mesmo do Brasil ter sua própria bandeira. A ideia demorou 150 anos para sair do papel e ressurgiu como um sonho utópico de políticos e acadêmicos que sonhavam na cidade e no país do futuro em uma época de prosperidade e grandes investimentos no território brasileiro. Entretanto, a construção de Brasília ficou marcada por trazer para o Brasil consequências inflacionárias para a economia, problemas de transporte, palco de violência do governo contra a sua população, uma cidade pouco prática para quem mora e um símbolo de um Estado que se mostra distante da população.

Editado por Luca Uras

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