Durante III Feira da Reforma Agrária, organizada pelo MST, integrantes do movimento expõem a medicina alternativa
“Prazer, sejam bem-vindos à nossa feira da reforma agrária” e “bom dia, companheirada” são frases que ecoaram com frequência do dia 3 ao 6 de maio no Parque da Água Branca, localizado na Zona Oeste da cidade de São Paulo. A Feira da Reforma Agrária, em sua terceira edição, visa materializar e divulgar aquilo que se produz nos acampamentos e assentamentos do Movimento Sem-Terra (MST).
Entre a cozinha típica dos 23 estados presentes, a venda de sementes crioulas (passadas de geração a geração), os produtos vindos da terra, os livros e artesanatos, algo se destaca: a utilização de ervas medicinais e a venda, tanto de mudas quanto de mercadorias produzidas a partir delas.
A mudança de rotina de Vanda Monteiro Prado, de 53 anos, ocorreu há vinte anos atrás. Ela trabalhava em uma firma e desejava sair da cidade, queria desacelerar. Vanda quis mudar e isso implicava em deixar para trás suas verdades já datadas e ir à procura de mais, sem a possibilidade de voltar.
O MST foi o que a levou à conquista de tudo isso. Com um sorriso cativante, uma vontade de viver e de explicar como funciona a vida no campo, Prado afirma que “é só através do movimento que a reforma agrária é possível”. Hoje ela produz seus próprios alimentos: abóbora, milho, feijão e mandioca. Tudo em seu próprio lote de terra e sem qualquer utilização de agrotóxicos.
“Natural é melhor, não é cheio de veneno ou efeitos colaterais”, é o que afirma Elzio de Souza, de 75 anos. Ele se aprofundou em ervas medicinais, algo que aprendeu com seus avós e hoje transmite para as próximas gerações.
Atualmente, ele vive no Assentamento Elizabeth Teixeira, próximo da cidade de Limeira, interior de São Paulo, e comanda o Viveiro Pedagógico Chico Mendes, onde planta, realiza e ensina medicina alternativa. Erva-cidreira, folha de eucalipto, tanchagem, arruda, mulungo, babosa, boldo da bahia e erva baleeira são as mais presentes dentre as matérias-primas utilizadas por aqueles que produzem os próprios medicamentos.
Elzio já até escreveu um livro, no qual explica as funções de cada uma das plantas. Ele acredita fielmente em seu modo de vida e diz que, em 2014, foi capaz de curar um AVC que teve apenas com chá de alecrim, ainda acrescenta que luta hoje para não ser mais escravo dos outros.
Entretanto, ao se falar de medicina alternativa, os medicamentos não visam apenas curar os males do corpo. “Trabalhamos com remédios que também tratam da alma” é o que admite Adriana Medino da Silva, de 30 anos. Filha e neta de agricultores, aprendeu o ofício com seus avôs e as bruxas velhas, apelido dado às boticárias anciãs já que a fabricação de alguns fármacos inclui cerimônias próprias.
Silva, quando morava na cidade, sofria de esofagite crônica, inflamação no esôfago que causa um leve gosto de acidez na boca. Ela já chegou a tomar morfina por conta da dor causada pela doença. Diz que entrou no movimento, se mudou para o campo e modificou sua alimentação e, por consequência disso, afirma não sofrer mais dos males.
“A medicina convencional não visa a cura do paciente, e sim a sua intoxicação”, defende ela. Morar no campo, comer o que planta e poder direcionar o tempo aos seus afetos são seus maiores prazeres. Sua alimentação consiste, diariamente, de batata-doce, mandioca, ovos de galinha, feijão, arroz, inhame, azuchi e frango. Salada e Pancs (plantas alimentícias não-convencionais, como hibisco e ora-pro-nóbis) também são abundantes em sua dieta. Nos dias de hoje, a luta pela medicina alternativa, pela terra e pela libertação são sinônimos do modo de vida que Adriana leva.
Este também é o caso de Antenor de Souza, de 54 anos. Coordenador do setor de saúde do horto medicinal, ele reitera que o movimento mudou totalmente o modo como via o mundo. “Eu, antigamente, chamava os sem-terras de vagabundos, hoje vejo que eles educam e acolhem os mais necessitados”, relata.