Como a seletividade afeta jovens com algum tipo de disfunção
Atualmente, 2.464 crianças que possuem alguma doença ou deficiência estão inseridas no Cadastro Nacional de Adoção e 42.498 pais adotivos estão na fila para adotar. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, das 2.800 crianças adotadas em 2018, apenas 83 têm algum tipo de deficiência, o que é um aumento considerável em relação aos três anos anteriores. Em 2015, 973 crianças foram adotadas, incluindo 22 com deficiência; em 2016, 1.728 foram adotadas, das quais 29 eram deficientes e, em 2017, das 2.216 adotadas, 68 apresentavam alguma deficiência. No primeiro semestre de 2019, somente 32 deficientes foram adotados.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, assegura o direito à vida e à saúde, tendo como base a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento em condições dignas de existência. Silvia Penha, psicóloga da Vara da Infância e Juventude do Fórum João Mendes Júnior, explica que é dever da família, da sociedade e do Estado garantir que as crianças tenham boas condições de vida.
Em 2014, a Lei n° 12.955;14 entrou em vigor, estabelecendo prioridade de tramitação para o processo de adoção de crianças com deficiência. Ainda não foram feitos levantamentos para verificar os resultados efetivos dela, porém, Penha diz que desde que começou a atuar na área, em 1998, tem observado que a adoção de crianças deficientes tem sido mais aceita entre as pessoas que entram na fila para adotar, apesar de a mudança não ser significativa.
Esses dados comprovam que o ato de adotar no Brasil ainda é seletivo. Dos 42.498 pais disponíveis na fila de adoção, 61% aceitam apenas crianças sem doenças e 97% optam por crianças de até 10 anos. Por inúmeros motivos, e até mesmo por padrões sociais, a preferência é por crianças que não possuem nenhuma incapacidade. É o caso de Sidneia Santos que, apesar de querer ser mãe adotiva, escolheu não adotar uma criança com deficiência. Ela explica que diante de uma vida corrida e cheia de compromissos, não conseguiria dar o amparo e a atenção necessários para uma criança especial.
Penha afirma que “as pessoas imaginam que a entrega do bebê para adoção acontece logo que nasce, mas não é sempre assim. Às vezes são crianças que foram destituídas do poder familiar por algum motivo de violência e que não tiveram condição de refazer o caminho”. Por esse motivo, a expectativa dos pretendentes nem sempre está alinhada com a realidade do processo.
As políticas públicas atuais não são suficientes para que as crianças com deficiência sejam adotadas. Em maio de 2019, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, disse que o governo iria lançar no começo do segundo semestre uma campanha de incentivo com foco na adoção tardia e de crianças com deficiência. A ministra também disse que o governo estuda mandar um projeto de lei para promover mudanças na Lei da Adoção. Até agora, essas promessas não foram cumpridas.
Ainda assim, passando por cima das dificuldades impostas, algumas famílias optam por adotar crianças deficientes, como Lia Precioso, que reside no interior de São Paulo. Ela tem uma filha biológica de 20 anos e, em 2007, com a vontade de ter mais filhos, entrou na fila de adoção. Na época, o Cadastro Nacional de Adoção ainda não existia e só depois de dois anos conseguiu adotar Clara, com apenas 10 meses de vida. O lar no qual a menina vivia não tinha informações completas sobre suas condições de saúde, mas isso não foi um problema para Lia que, com a ajuda de um advogado, conseguiu a guarda da menina. “Eles avisam que tem uma criança [disponível para adoção] e perguntam se você quer olhar, mas eu não fui para escolher, se chegou a minha vez, era para ser ela”, revela a mãe.
No final de 2017, Lia acompanhava sua irmã em uma reunião de um grupo de apoio para famílias com crianças deficientes. Ela soube que um juiz do fórum de Rio Preto estava procurando um lar definitivo para uma criança com síndrome de Down que sofria muito em um abrigo. Pedro, com apenas 6 anos, já tinha um histórico de maus-tratos com sua família biológica e foi abandonado pela mãe. Ela se comoveu com a história e, após uma conversa com seu marido, resolveram adotá-lo.
Após um ano e meio de convivência com seu filho, relata que, devido à infância caótica, Pedro é introspectivo, apresentando algumas dificuldades em seu desenvolvimento, mas é estimulado com atividades semanais. Quando perguntada sobre o convívio com seus filhos adotivos, Lia afirma: “é uma experiência maravilhosa, só vivendo para entender a sensação”.