Ambiguidade do cárcere - Revista Esquinas

Ambiguidade do cárcere

Por Lucas Cabral : setembro 6, 2018

A penitenciária federal de segurança máxima de Brasília, dentro do Complexo Penitenciário da Papuda Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Penitenciárias limitam em um ciclo vicioso o acesso aos direitos de detentos

O sistema penitenciário, responsável por ressocializar presos e presas, cumpre pouco a sua função. Sobretudo no Brasil, onde as condições desse sistema passam por uma crise endêmica que só reproduz o estigma e reforça os efeitos de uma segregação social.

A ressocialização é falha e provoca rachaduras na vida de um detento. O discurso no plano teórico e a prática evidenciam o caráter paradoxal do sistema penitenciário: é preciso excluir para reeducar. O detento muitas vezes perde o vínculo com a vida social, familiar e empregatícia. Muitos e muitas são separados dos filhos, dos maridos, das esposas. O trabalho, perdido. Quando saem, frequentemente, têm dificuldades para conseguir outro.

Nessa lógica, o atestado de antecedente criminal surge como uma barreira que não só torna egressos e egressas mais suscetíveis às violências sociais, mas também reproduz um círculo vicioso. Mantém às margens do sistema capitalista essa população. Dentro das penitenciárias, apenas 20% dos detentos trabalham, de acordo com a reportagem Prisões Brasileiras — Um Retrato sem Retoques, da TV Brasil. Em relação aos estudos dos prisioneiros — um dos principais pilares para a ressocialização —, o número é ainda menor: apenas 8%.

É importante contextualizarmos a população das nossas penitenciárias. Majoritariamente, são compostas por pessoas negras e pardas vindas da periferia. Ainda nesse sentido, o Brasil possui um dos maiores contingentes carcerários. Isso se atribui a alguns fatores. Primeiro, a política antidrogas, que não consegue distinguir o usuário do vendedor. Eduardo Valério, promotor de Justiça de São Paulo, relata que em penitenciárias como a de Roraima, por exemplo, mais da metade da população carcerária decorre do tráfico de narcóticos.

Segundo, temos uma politização — aliás, conservadora — do Judiciário, que não leva em consideração a situação socioeconômica brasileira. Julga com base, fundamentalmente, no que diz a lei. E isso se reflete, por exemplo, nas prisões preventivas. Para não ser preso preventivamente, quando pego em flagrante, o indivíduo precisa comprovar que trabalha e possui residência fixa. Muitas vezes, isso é compreendido apenas mediante à apresentação da carteira assinada. É o que o Direito chama de “ocupação lícita”, e o entendimento do que é considerado um trabalho ou não depende estritamente do juiz na hora da audiência.

Por outro lado, sabe-se que, muitas vezes, as relações de trabalho não condizem com essa situação. Há acordos trabalhistas mais informais, como nos casos de camelôs, pedreiros e empregadas domésticas. Embora, neste último caso, a lei preveja carteira assinada. Sem contar a recente reforma trabalhista, que torna precárias as relações de trabalho historicamente mais estáveis.

O fato é que tais ações provocam um encarceramento em massa dessa população mais pobre, que já possui um acesso limitado da cidadania. Nesse sentido, o sistema carcerário se constitui como um potencializador dessas violências, provocando uma vulnerabilidade maior pelas condições insalubres de sobrevivência. As penitenciárias, sem novidades, não só limitam o acesso aos direitos, mas também provocam um estigma em decorrência delas. Ressocializar não; domesticar e controlar alguns corpos sim.