“Ele é um grande desafio para o resto do mundo”, afirma diplomata sobre Trump - Revista Esquinas

“Ele é um grande desafio para o resto do mundo”, afirma diplomata sobre Trump

Por Ana Souza, Gustavo Lillis, Luiz Octavio dos Santos e Marcele Dias : março 24, 2025

O político e empresário americano é um homem marcado por ter moldado sua carreira em atos e falas contestáveis, porém que foram essenciais no sucesso do bilionário. Foto: hoekstrarogier/Pixabay

Postura de Trump é marcada pela diplomacia agressiva; especialistas dizem que confiar no chefe da Casa Branca é difícil

Em seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, Donald Trump tem se mostrado um líder controverso quanto à política internacional. Polêmicas são a marca do seu governo até o momento. Questões como a saída dos EUA de acordos internacionais, novas taxações a históricos parceiros comerciais, manifestações contrárias às minorias, acenos à extrema direita e a deportação de imigrantes em massa marcam a complexa administração do estadunidense. Porém, de todas as suas posições, a que mais impactou a política global foi o aparente alinhamento da Casa Branca a Putin quanto à Guerra da Ucrânia.

Após a reunião do dia 28 de fevereiro entre o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, Trump e seu vice, JD Vance, a geopolítica internacional foi abalada. O encontro, que buscava um possível acordo, tornou-se uma discussão acalorada que, transmitida ao vivo, terminou com a saída do ucraniano da reunião, além de uma nova crise na guerra que perdura desde 2020. Apesar do cessar-fogo aceito pelos Estados do leste europeu, a imprevisibilidade dos americanos ficou marcada nas negociações e deixou todas as outras nações, principalmente do ocidente europeu, em alerta sobre possíveis negociações com os EUA.

Trump

A reunião entre Zelensky, Trump e JD Vance viralizou pela discussão que resultou na retirada do líder da Ucrânia da Casa Branca.
Foto: Wikimedia/The White House

No que se refere à postura norte-americana adotada em relação à Ucrânia, o interesse comercial de Trump foi fundamental para a mudança no posicionamento da Casa Branca. A Ucrânia possui uma das maiores reservas de terras raras do mundo, e essas reservas abrigam minerais usados na construção de baterias, chips e até armamento militar. “Trump já discutiu com Zelensky para tentar garantir acesso a essas terras. Ele quer mais controle sobre esses recursos. A corrida comercial das terras com minerais é de grande importância para os EUA. O imperialismo está mais presente nesse conflito do que imaginávamos.”, explica a economista Lucimeire Ferreira, formada na Universidade São Luís.

Mas as intenções imperialistas do presidente transcendem os minerais ucranianos. Ele frequentemente tem se manifestado a favor da anexação de territórios como a Groenlândia, Canal do Panamá e Faixa de Gaza, a fim de desfrutar das reservas naturais e características geográficas desses lugares. Para a internacionalista Marcela Sutton, formada no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, as pretensões do Governo Trump podem ser analisadas como neocolonialistas, uma vez que suas declarações vão além da simples retórica e configuram ameaças veladas à soberania e à autodeterminação do povo.

GOVERNO TRUMP

Desde que assumiu a Casa Branca, Trump tem provocado a política internacional e levado à risca o lema “Make America Great Again” (Faça a América ser Grande Novamente), o MAGA. Ao tomar o controle de todos os poderes institucionais de seu país, como se fosse uma sede da The Trump Organization, o líder tem remodelado as estruturas institucionais e internacionais estabilizadas desde a Guerra Fria, o que gerou consequências para todo o mundo.

“Embora Trump tenha sido eleito democraticamente, ele não está agindo como um democrata”, analisa Daithí Ó Ceallaigh, ex-embaixador da Irlanda no Reino Unido. “Ele governa por decreto, como Putin, e vem substituindo líderes do exército, CIA e FBI, além de esvaziar cargos do alto escalão do serviço público. Criou o departamento DOGE, liderado por Elon Musk, que promove cortes massivos sem controle do Congresso. Também fechou a USAID, ameaçou programas governamentais e impôs tarifas comerciais sem consulta parlamentar, mudando de posição depois”, conclui.

A estratégia isolacionista do governo Trump agrada seus apoiadores, que acreditam em uma “América” soberana. Eles veem no líder uma espécie de Messias contra o possível perigo de perder a hegemonia global para a China. O discurso do presidente americano é cativante e já mostrou sua força ao mundo, como nos ataques ao Capitólio por apoiadores do movimento MAGA em 2021, após o fim de seu primeiro mandato.

Trump

O ataque ao Capitólio foi um dos movimentos mais impactantes da história contemporânea dos Estados Unidos.
Foto: Wikimedia/Tyler Merbler from USA

Desde então, Donald Trump tem feito acenos à sua base mais identificada com a extrema direita. Discursos que discriminam minorias e até gestos que remetem a líderes fascistas, se tornaram comuns durante sua campanha de reeleição e perduram no início do novo governo. Segundo Sutton, “Essa postura não só legitima ideologias autoritárias e xenófobas, como também abre espaço para o surgimento de movimentos nacionalistas extremos e aumenta os ataques contra comunidades fragilizadas.” Para ela, essas manifestações são mais do que um simples gesto à sua base eleitoral. “Esses discursos refletem e reforçam o tom que ele pretende adotar em seu governo”, analisa a internacionalista.

Esses movimentos ideológicos fazem com que as atenções do globo se voltem para o presidente dos EUA. “Ele é um grande desafio para o resto do mundo, por causa de sua imprevisibilidade, de sua falta de confiabilidade e, até agora, por causa de sua posição incontestável nos Estados Unidos.”, analisa o diplomata. “Ele é imprevisível, vaidoso e parece não ter interesse, exceto no resultado final. Ele também é implacável ao lidar com qualquer oposição”, conclui Daithí ao analisar a postura do presidente.

Sutton reforça o posicionamento do embaixador ao classificar o segundo mandato do estadunidense: “O novo governo de Donald Trump representa um desafio significativo para a estabilidade da política internacional contemporânea. Sua postura é imprevisível.”, explica.

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ACORDOS INTERNACIONAIS

Outra discussão que tem tomado as manchetes é a retirada dos Estados Unidos de acordos de cooperação entre nações, como OTAN, OMS e Acordo de Paris. Medidas como essas já tinham pautado seu primeiro mandato e eram tópico recorrente durante sua campanha de reeleição. Mas a desaprovação das entidades internacionais se tornou ainda maior desde a reeleição de Trump, já que a postura tem inspirado outros líderes. Um exemplo é a defesa da saída da Argentina de acordos globais, feita por Javier Milei. Sutton explica que o argentino entende esses acordos como limitadores da soberania nacional e que eles impõem condições desvantajosas ao seu país.

ECONOMIA

O governo de Biden deixou como legado um déficit econômico alto, que Trump se propôs a resolver. A imposição de novos impostos sobre as importações, as famosas tarifas, e a reforma tributária, são medidas que adotou para incentivar e fortalecer a produção local. “De forma geral, é previsto que essa reforma reduza a arrecadação estatal em USD 5 a 12 trilhões ao longo da próxima década, aumentando o déficit federal caso esses números não sejam compensados por aumento de receitas ou diminuição de gastos.”, afirma Daniel Esaki, economista da Universidade de São Paulo.

“O novo governo de Trump está causando grande turbulência no mercado internacional”, examina Lucimeire. Analistas e economistas têm se preocupado com a iminente guerra comercial, já que alguns países retalharam as medidas americanas, tipicamente protecionistas. A China, por exemplo, taxou em 14 bilhões de dólares os produtos americanos. O Canadá, por sua vez, tarifou setores agrícolas e de matéria-prima, o que gera impacto direto no comércio norte-americano, além disso, seus cidadãos decidiram por boicotar as mercadorias do país vizinho em uma atitude nacionalista de proteção à sua economia.

Mediante ao cenário histórico-social, Trump é um grande desafio para a política global, como explica Daithí. Esta visão não advém apenas do diplomata, uma vez que o cientista social Henrique Carneiro Nicolau demonstrou que o receio socioeconômico é um consenso entre os economistas quando se referem ao segundo governo do estadunidense. “Traz uma imagem ruim para a imagem social americana. Esquece de todo o serviço prestado por esses imigrantes em seu tempo como residente nos Estados Unidos. Além disso, o modo de tratamento dos aprisionados pode rejubilar não só uma revolta interna, mas sim um conflito com os países de origem desses imigrantes”, comenta Henrique. O que já ocorreu, como no pronunciamento do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, em que o chefe do executivo colombiano repudia as ações de Trump com a imigração e, no primeiro momento, se recusou a permitir o pouso das aeronaves estadunidenses em seu país. A principal crítica do colombiano foi pela forma em que os imigrantes foram tratados, no caso, algemados e expostos como criminosos.

Com a retomada das práticas excludentes aos imigrantes e as abordagens violentas do presidente, a insegurança assola a população mais vulnerável, alvo dessas medidas. As ações reacenderam por todo o território global polêmicas acerca da violação dos direitos humanos, uma vez que as atitudes de Trump são controversas à constituição estadunidense que assegura os direitos civis dos cidadãos e não-cidadãos americanos. No texto não há vírgulas ou exceções à forma como um ser humano, residente daquele país ou não, deva ser tratado. A continuidade dessas políticas pode fazer com que o país passe a ser mal visto socialmente, e a deportação em massa de imigrantes pode causar um grande impacto na economia dos EUA.

Editado por Enzo Cipriano

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