A adição de novos membros ao Brics, gera expectativa em criar uma organização que defenda os interesses latinos e do sul global
Nesta quinta-feira, 24 de agosto, a 15° Cúpula dos Brics terminou com o anúncio de que seis novos países foram convidados a integrar o grupo a partir de 2024. São eles Argentina, Irã, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos e Etiópia. O evento aconteceu na África do Sul e trouxe como tema a parceria para o crescimento mutuamente acelerado, desenvolvimento sustentável e multilateralismo inclusivo.
As reuniões dos chefes de Estado aconteceram de maneira fechada à imprensa, porém o evento reuniu diversas lideranças sociais, empresariais e governamentais. Durante os três dias, houveram discursos públicos dos chefes de Estado, como os do presidente do Brasil e da Rússia.
Expectativa e resultado da cúpula
Durante as semanas que antecederam o evento, diversos veículos trataram de colocar suas expectativas em movimento. Em Washington, o assessor de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, disse que os EUA não viam os BRICS como ameaça e destacou as diferenças de opinião sobre questões críticas como a fonte de desarticulação do grupo.
Jim O’Neil, criador do termo BRIC, disse em entrevista ao Valor, no começo de Agosto, que a entrada de novos membros não faria sentido e que provavelmente diminuiria sua força. O economista do grupo Goldman-Sachs, já criticava, em um artigo de 2021, que além da criação do Banco dos BRICS, o grupo não concretizava nada além de reuniões anuais.
O Presidente Lula, no seu primeiro discurso na África do Sul, frente a lideranças empresariais, voltou a defender a criação de uma moeda de referência comum para os BRICS. Entretanto, sua fala logo foi colocada em cheque pelos organizadores sul-africanos, que afirmaram não haver discussões sobre uma moeda comum na agenda.
De fato, o único resultado mais concreto da cúpula foi o convite anunciado para os seis novos países, sendo que cinco deles foram indicados por cada participante e a Etiópia foi convidada em comum acordo para equilibrar a distribuição dos possíveis membros entre os continentes. Além disso, foram acordados os parâmetros para a entrada de possíveis novos membros assim como de países parceiros.
Para a Coordenadora de Internacional da Brasil de Fato, Patrícia de Matos: “Essa cúpula prova que se instaura uma nova etapa, um novo momento do bloco, o que mostra uma capacidade de articulação, entendendo que ele vai reunir em torno de 46% da população mundial e um PIB somado maior que o do G7”
No que tange às repercussões na mídia, o encontro inevitavelmente teve pautas ofuscadas pela Guerra na Ucrânia, mas, para a jornalista.
“Uma informação muito replicada, tanto nas agências internacionais quanto na imprensa brasileira é que por trás disso existe única e exclusivamente um interesse de expansão da influência geopolítica da China. Todos têm interesse em expandir seu nível de influência. Entendendo tudo o que está em jogo, esta é uma visão muito simplista.”
Para além dos interesses chineses, a coordenadora diz que os países buscam, através dos BRICS, uma forma de se estabelecer no campo político internacional e intensificar a multilateralidade, para que possam discutir outras questões que passam pela relação entre países, como a entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, as sanções contra o Irã e a relação da Argentina com o FMI.
Giorgio Romano, cientista político, disse em entrevista que a questão do petróleo é um ponto importante a ser considerado, já que o grupo agora vai passar a abarcar seus grandes produtores. Para ele, o grupo tem mostrado grande capacidade de conciliação, principalmente após este encontro, já que diversos de seus países, tanto fundadores, quanto os convidados, tem diversos conflitos entre si, como China e Índia.
O “Banco dos BRICS”, chamado de Novo Banco de Desenvolvimento, também prestou contas durante a cúpula sobre o que tem sido feito desde que a ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, assumiu sua presidência. Em suas entrevistas, Dilma vem ressaltando sua intenção de conduzir o banco como uma alternativa aos arranjos financeiros mundiais.
Fomentar o desenvolvimento sustentável em países em desenvolvimento, e não exigir medidas austeras dos governos que pedem financiamentos do banco, coloca a presidente do banco em oposição a política de crédito de instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, que historicamente impuseram políticas estritas e austeras a países como Brasil, Argentina e Grécia.
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Jake Sullivan ligou no dia 21 de Agosto, um dia antes do começo da cúpula, convidando o presidente brasileiro para se reunir com Joe Biden a fim de discutir o aprofundamento das relações Brasil-EUA. Dessa forma, mostra que, ao mesmo tempo em que discursa com a retórica negativa em relação ao potencial dos BRICS, o governo americano se articula para não perder o Brasil de vista.
Já Patrícia de Matos entende que o Brasil aposta no retorno à sua tradição diplomática para manejar os interesses da América Latina, como sua liderança, e ganhar protagonismo no cenário mundial. Para ela, a participação de Lula em eventos como o do Fórum Econômico Mundial em Paris e a Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos com a União Europeia na Bélgica confirmam esse viés da política externa brasileira.
Mantendo as relações próximas com EUA, Europa, e os países dos BRICS, o Brasil se coloca no meio dos conflitos mais pujantes do mundo. Para Patrícia é justamente essa posição de mediação entre o Sul e Norte que dá ao Brasil a oportunidade de favorecer seus interesses.
Porém, o governo de Lula foi na contramão do seu discurso progressivo, de empoderamento feminino e igualdade, principalmente por aceitar a entrada do Irã e da Arábia Saudita, notoriamente países patriarcais, autoritários e cuja aproximação é fruto do interesse russo e chines de conter o avanço dos EUA no Oriente Médio.