Elon Musk no Governo Trump: Até que ponto interesses privados podem interferir no público? - Revista Esquinas

Elon Musk no Governo Trump: Até que ponto interesses privados podem interferir no público?

Por Enrique Cánovas, Léo Albiero, Miguel Deotti e Rafael Di Giorgio : julho 24, 2025

A "lua de mel" entre o homem mais rico do mundo e o presidente dos Estados Unidos durou 130 dias. Foto: The White House/Wikimedia Commons

Está encerrada a união entre Donald Trump e Elon Musk. A separação, nada tranquila, ainda repercute no cenário mundial

No dia 28 de maio de 2025, a parceria tão amada do Republicanismo americano chegou ao seu fim. O casal “Elonald”, nome proposto no programa Late Night de Jimmy Fallon, está de laços rompidos após um conflito de interesses entre dois dos homens mais poderosos do planeta. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o empresário Elon Musk visaram mudanças no país, mas não chegaram a um consenso: em como fazer “A América Grande Novamente”.

O matrimônio começou quando Musk apoiou os republicanos na eleição dos EUA de 2024. Mas, segundo o homem mais rico do mundo, não foi um simples apoio, mas um determinante para a vitória. “Sem mim, Trump teria perdido a eleição”. Não é possível dizer que Musk foi o único determinante, mas seu 1,6 bilhão de reais de fato foram de grande ajuda para a candidatura de Trump. Talvez por isso os dois estavam tão “colados”. Adaptando a frase de Machado de Assis, “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”, teríamos: “Trump amou-me durante 130 dias e 1,6 bilhão de reais”.

Mas não pense que só uma das partes tinha outros interesses com a parceria. Elon não doou apenas por doar, ele estava interessado em se tornar chefe do setor de Departamento de Eficiência Governamental (DOGE na sigla em inglês). Ao assumir o cargo em janeiro deste ano, Musk fez uma promessa: cortar mais de dois trilhões de dólares na máquina pública. Resultado? Mission failed. Segundo Atilio Magila, mestre em administração e negócios, “Muitos erros acarretaram o fracasso do DOGE. Ele não tem direito de fazer esse corte de gastos que ele se propõe a fazer, por isso não se sustenta”.  Deixou seu departamento tendo atingido menos de 10% do que havia prometido. Os cortes foram somente de 175 bilhões de dólares. Além de falhar em sua principal missão, o DOGE promoveu demissões em larga escala de servidores federais, um próprio caçador de Marajás à moda azul e vermelha. Não satisfeito, inconstitucionalmente rescindiu contratos firmados pelo governo federal. A intenção era que houvesse um alívio, mas o resultado foi de insegurança.

O fim do casamento

Musk dedicou tanto seu tempo quanto seu dinheiro na parceria com Donald Trump. Em troca, conseguiu algumas dores de cabeça e problemas para sua empresa. A Tesla, após o sabático de Elon na política, viu suas ações caírem e parte de seu lucro ir embora.

A pauta principal da discussão dos dois foi a revolta de Musk com o corte de incentivos à compra de carros elétricos, o principal produto da Tesla. Segundo o cientista político Robson Vasconcelos Carvalho, especialista em gestão pública e doutorando em ciências políticas, “O discurso de Musk em defesa do governo pouco interferindo na economia só vale quando o Estado Mínimo é para os outros. Mas, como funcionário do governo, para financiar suas empresas, o Estado deve ser um subsidiador, o Estado deve ser máximo. É um discurso que não para em pé”.

A gota d`água, após os prejuízos acumulados, foi o anúncio da lei tributária por Donald Trump e a “The One Big Beautiful Bill” (TOBBB), ou “O Grande e Bela Lei”. As medidas não agradaram nem um pouco o empresário. “Esse projeto de lei de gastos do Congresso, enorme, escandaloso e eleitoreiro, é uma abominação repugnante”, disse Elon Musk. Além disso, falou que a nova medida colocaria o peso do desequilíbrio nas costas dos cidadãos americanos.

Começam os ataques

O que aconteceu na pós-separação de Trump e Musk foi, em poucas palavras, desagradável. Ambos usaram de suas próprias redes sociais – Elon usando o “X” e Donald a “Truth Social” – para servirem de palco às discussões de duas das maiores celebridades do mundo. Musk acusando Trump de abusador sexual e Trump chamando Musk de louco.

Ainda no começo de julho, os dois ainda trocavam farpas nas redes sociais. Trump voltou a ameaçar o empresário sul-africano dizendo que vai usar o DOGE para “devorar Elon”. O presidente se refere ao financiamento que as empresas do bilionário recebem do governo colocando-o como o homem que recebe “mais incentivos que qualquer ser humano”. Trump ainda completou, “sem esses subsídios, Elon provavelmente teria que fechar as portas e voltar para casa, na África do Sul”.

No dia 05 de julho, Musk anunciou que estava pensando em fundar um novo partido, denominado inicialmente de “Partido da América”. No “Truth Social”, o presidente respondeu à essa novidade: “Estou triste em ver Elon Musk sair completamente ‘dos trilhos’, basicamente se tornando um desastre total”. Além disso, após essa ideia de Musk vir a público, as ações da Tesla caíram 7%.

O especialista Robson Carvalho comenta sobre o papel das redes digitais nesse conflito on-line. “Por um lado, eles dão mais visibilidade às suas redes. Por outro, surge uma banalização muito grave do que é a fala presidencial e seu poder. Se o presidente da República está se comportando dessa forma, eu também posso”. Apesar da gravidade das acusações de ambas as partes, ele vê a briga como estratégica. “É uma confusão meio que estratégica para dizer que, a partir de agora, os dois não têm mais nada a ver entre si”.

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Atrás das cortinas

No caso conturbado de Trump x Musk, se esconde um elemento essencial da relação entre os dois. Até que ponto o interesse privado poderia interferir nos interesses públicos?

Atilio Magila fala sobre a relação entre o Estado e a iniciativa privada. “Não acho que deve ser proibido, já que as campanhas políticas têm que ser financiadas de algum modo para que haja democracia. Mas é bom que esse financiamento seja regulamentado para que o político não fique refém das empresas, como aconteceu no Brasil com o Petrolão”.

Países que permitem a interferência da iniciativa privada no governo estão sujeitos a certos riscos. Mundialmente, cresce cada vez mais um conceito chamado de patrimonialismo. Quando um sistema de governo trata tanto o poder público quanto seus bens como propriedade privada do governante – ou de um grupo dominante – cria-se uma confusão entre o público e o privado. Logo, surge a corrupção. Segundo Magila, quando há algum investidor muito forte no meio da política, “o partido ou o político pode se sentir na obrigação de favorecer aquele investidor, se sentir de “rabo amarrado””.

O caso do “Petrolão”, citado por Magila, é um exemplo. Esquema bilionário de corrupção na Petrobras, ocorrido durante o governo de Lula e Dilma, envolvia cobrança de propina das empreiteiras, lavagem de dinheiro e superfaturamentos de obras. Qual o objetivo? Abastecer os cofres de partidos políticos, funcionários da estatal e os próprios políticos.

Lei do Lobby

Aqui no Brasil, surgiu um projeto de lei com a intenção de estabelecer normas para a representação de interesses perante agentes públicos. Entendido como a atividade de influenciar decisões políticas em prol de interesses legítimos, o “lobby” precisou, e ainda precisa, ser distinguido de crimes como corrupção e tráfico de influência.

“O lado positivo do lobby é quando uma categoria cujos interesses são coletivos é representada, como um lobby em favor da proteção ao meio ambiente. Porém, tem o lobby que quer ajudar segmentos particularistas, cujos interesses afrontam o coletivo. É o interesse privado em detrimento do interesse público, o patrimonialismo aparecendo novamente”, diz Robson Carvalho.

Portanto, é necessária cautela para trabalhar com o lobby. O projeto de lei citado, segundo a Agência Câmara de Notícias, visa a representação de interesses, feita pelo lobby ,podendo ser exercida para influenciar processos ou tomadas de decisões. Ou seja, o lobby pode atuar no âmbito da formulação de estratégias ou políticas públicas; na produção de ato administrativo; e em decisões regulamentares. É de grande responsabilidade.

Editado por Luca Uras

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