O ato que contou com balas de borracha e gás lacrimogêneo aconteceu em Pinheiros e terminou com 17 manifestantes na delegacia.
No dia 7 de junho, domingo, manifestações favoráveis à democracia e contrárias ao racismo e ao presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) tomaram o Largo da Batata, no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Dezessete pessoas foram detidas ao final dos protestos. Uma delas foi Aimy Ikezili, de 19 anos, estudante da Universidade de São Paulo (USP) que estava desacompanhada de movimentos ou partidos políticos.
Imprevistos no início
Com a indicação de evitar aglomerações por conta da pandemia, Aimy diz ter reavaliado se deveria ir ao protesto, mas optou por comparecer. Ela chegou atrasada e encontrou amigos que já estavam no Largo da Batata. Quando chegou, “os manifestantes tinham ido em direção à Avenida Paulista. Um amigo que já estava no protesto disse que estava tudo tranquilo com bastante policiamento”, ela conta. Em rede social, João Doria (PSDB), governador do estado de São Paulo, informou que mais de quatro mil homens foram escalados para fazer a segurança na capital.
A manifestação não tinha previsão de ir em direção à Paulista, onde se concentrava um protesto a favor de Jair Bolsonaro. O juiz Rodrigo Galvão Medina havia proibido que os dois grupos protestassem na Avenida simultaneamente. “Como a rota mudou de última hora, ninguém postou o trajeto ou se a concentração seria parada”, conta Aimy.
Enquanto caminhava com seu grupo, a estudante percebeu que os policiais já tentavam dispersar os presentes. Segundo ela, eles já montavam um cerco para conter o avanço e, “em praticamente toda esquina, tinha uma concentração de policiais”. Nesse momento, a tropa de choque isolou a maioria dos manifestantes na Rua dos Pinheiros, onde ficaram por “um bom tempo, sem força para passar”, conta. Aos poucos, a passagem foi liberada, mas Aimy viu o policiamento como anormal.
Atitudes inesperadas
Ela diz que, apesar dos protestos pacíficos, os policiais logo teriam cercado o grupo outra vez. Nas ruas escuras, os helicópteros da polícia eram a única fonte de luz. Segundo Aimy, alguns policiais gritavam xingando os manifestantes. Outros chegavam a apontar as armas carregadas com balas de borracha. Ela descreve que, “sem qualquer motivação extra, um policial atirou a primeira bala”, seguido de bombas de gás lacrimogêneo, o que causou agitação.
Diante disso, Aimy protegeu o rosto com a camiseta. Próxima a uma escada e com uma amiga, ela já estava planejando a saída. “Eu tinha o objetivo de voltar para casa sem ser presa e sem o vírus”. Discutindo como iriam embora, as duas concluíram que não conseguiriam ir a pé. Quando decidiram chamar um motorista de aplicativo, ouviram bombas explodindo mais perto e viram pessoas correndo. “Quando virei para trás, vi um homem alto que pegou uma pedra e jogou em direção a um policial na esquina”, recordou. “Um deles correu atrás de um menino, acusando-o de ter jogado a pedra e pegou-o pelo pescoço”.
Cercados pela polícia, Aimy diz que todos foram abordados e revistados. Ela relata ter visto um fotógrafo independente, sem carteirinha de imprensa sendo estrangulado por um policial pelo cordão de sua câmera. “Ele começou a ser rude, mandou o menino ficar de joelhos. Em seguida, o garoto caiu na nossa frente, com olhos estatelados e boca aberta. Depois, foi levado junto com a gente. Demos água e ele foi ficando melhor. O policial dizia que, se ele não ficasse sentado, seria levado ‘para dar uma voltinha’”.
A estudante lembra que sua amiga perguntou a um policial mais calmo se elas seriam levadas à delegacia. Ele respondeu que não, mas a calma durou pouco. Outros agentes chegaram e disseram que levariam todos. De três em três, os dezessete foram colocados nos camburões com celulares e câmeras apreendidos. Em um momento em que os policiais recolhiam tijolos e pedregulhos do chão, ela lembra que moradores bateram panelas de seus apartamentos.
Desfecho
Assim que chegaram ao 14º Distrito Policial, em Pinheiros, a jovem conta que os detidos foram colocados em fileiras. Com todos virados de costas, segundo ela, um policial com um cassetete dizia: “Vê se não dá vontade de dar uma em cada um” enquanto gesticulava insinuando agressões nas cabeças dos detidos.
Ela conta que sua amiga olhou para trás para observar esse policial e ele a ofendeu, ordenando que olhasse para frente. A entrevistada disse que sua amiga não é de São Paulo e estava amedrontada: “Eles se aproveitaram dos mais assustados para fazer pressão psicológica”.
Para depor, eles teriam de esperar a delegada chegar. Quando os defensores públicos adentraram a delegacia, ela narra que a postura dos policiais mudou. A delegada não passou pelos manifestantes, que só souberam de sua chegada quando perguntaram a um dos defensores. Ela diz que o defensor público ‘Doutor Marcelo’ conseguiu conversar com a delegada e negociar para que não precisassem depor.
A jovem assinou um documento que a enquadrava por vandalismo e dano ao patrimônio. Segundo ela, os mesmos delitos foram atribuídos a todos os detidos. A estudante ainda informa que foi acusada de supostamente ter danificado a agência de um banco (sobre a qual “meu olho nem bateu”) e quebrado os vidros de uma viatura.
Em entrevista, Aimy agradeceu o suporte que recebeu de defensores públicos, advogados de projetos sociais e da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ela disse que os advogados custearam uma pizza para os manifestantes, que deixaram a delegacia depois das vinte e três horas.