Diferentes vivências de pessoas LGBTs por São Paulo revelam a disparidade de sua ocupação pela cidade
A Avenida Paulista com calçadas em perfeito estado, pessoas bem vestidas e edifícios comerciais de vidro e ferro não passam uma visão completa sobre a cidade de São Paulo. Principalmente no início de junho, em que todos os lugares são tingidos pelo arco-íris e as vitrines estão estampadas com a palavra “orgulho”. Vendo a cidade dessa perspectiva, a imagem é de um lugar acolhedor, onde todas as cores são aceitas e toda forma de amar e ser é bem-vinda. Mas basta pegar um metrô ou um ônibus para longe do Centro que os armários voltam a aparecer em cada rua, em cada esquina, em cada casa. Será São Paulo a cidade tão colorida que aparenta ser quando observada da Bela Vista?
“Aqui parece ser uma cidade diferente”, conta Ingrid Dias, de 18 anos, moradora da Vila Carrão, na Zona Leste paulistana. Estava acompanhada de sua namorada, Victória Fonseca, da mesma idade e região. Há três anos juntas, o relacionamento enfrentou diversas barreiras para se manter firme. Inicialmente, os impedimentos vinham da família de Dias: a mãe sempre foi contra a orientação sexual da filha. Diversas intervenções da mãe quase levaram o namoro às ruínas. E mesmo quando tentavam manter a união em segredo, longe da família, os moradores do bairro interferiam. “As pessoas não são tão amigáveis em relação a isto, é uma região muito familiar”, conta Fonseca, lembrando que poucos LGBTs são vistos passando por ali, um “choque” para a vizinhança.
Sobre o estranhamento dos moradores, elas se lembram da vez em que foram a um restaurante da região. O jantar, um encontro casual, se tornou um “show de horrores” quando os funcionários e outras pessoas no estabelecimento perfuraram o casal com olhares de censura, causando um constrangimento às jovens.
Para conhecer uma vivência completamente diferente na cidade, não é necessário fazer baldeação. No extremo oposto da Linha 3-Vermelha do Metrô, no terminal Palmeiras-Barra Funda, mora Nicholas Freitas, de 22 anos, em um prédio próximo ao Memorial da América Latina. “Sempre tem alguém LGBT por aqui, as pessoas estão acostumadas”, relata o jovem, afirmando que nunca sofreu preconceito na região por ser um homem transexual. Para ele, isso acontece por ser uma região próxima à área universitária de Perdizes. Freitas acredita que tudo em São Paulo é um pouco mais centrado, principalmente os eventos e locais que servem a comunidade LGBT, e mesmo estes locais ainda enfrentam problemas em representar igualmente toda a sigla, em especial o T, já que o jovem vê muita transfobia dentro dos próprios grupos para LGBTs.
Sempre presente em diversos grupos de Whatsapp e do Facebook para a comunidade de transgêneros, Freitas conta que, por mais desigual que seja a ocupação de espaços pelos LGBTs, São Paulo ainda é bastante procurada por pessoas de outras cidades. Muitas pessoas trans fora do eixo Rio-São Paulo vão à capital paulista em busca da documentação necessária e dos recursos cirúrgicos e hormonais do processo de transição de gênero.
Saindo de regiões privilegiadas e indo no sentido da periferia, a realidade muda. A mais de uma hora de distância do centro da cidade, Gustavo Dias mora no Grajaú. O jovem de 28 anos é um dos criadores do coletivo audiovisual Quebramundo, que tem como objetivo fomentar os artistas da região e é o responsável pela cobertura do evento Periferia Trans, um conjunto de shows, apresentações e debates sobre a comunidade LGBT, realizado pelo Galpão Cultural Humbalada no distrito paulista. “Acho importante estarmos nesses espaços e cobrindo sempre como coletivo audiovisual da quebrada”, afirma o idealizador do Quebramundo.
“Aqui a galera tem se unido para fazer acontecer. Mas ainda tem uma parcela dessa comunidade que acha que tem que sair daqui para ser quem são”, relata o ativista sobre a comunidade LGBT da região, que acredita em certa espécie de “romance” criado sobre o centro de São Paulo, onde lá podem realizar a performance que quiserem, ser quem querem ser. Para Dias, entretanto, é a criação de uma bolha, já que a região central faz as pessoas se sentirem mais livres e pensarem que só ali elas seriam aceitas por serem LGBT, algo que não aconteceria no Grajaú.
“É a minha quebrada, eu moro aqui, por que não posso ser eu aqui?” – Gustavo Dias, 28 anos, criador do coletivo audiovisual Quebramundo
Ainda existem outros fatores que podem ajudar a entender essa “aceitação” maior de LGBTs na região central. O jovem lembra a necessidade de fazer o recorte de classe ao falar de questões relacionadas a sexualidade e identidade de gênero, apontando para o poder aquisitivo das pessoas que mais frequentam as baladas e bares LGBT próximos ao centro. Também conta sobre amigos que performam, carregando tudo que vão vestir até o centro da cidade para lá se montarem. Tudo isso pelo medo da violência no caminho.
Para Gustavo Dias, a resposta para combater a violência e a LGBTfobia é clara: É preciso ocupar todos os espaços. É com esse intuito que diversos eventos foram realizados pela região em que vive, no extremo da Zona Sul. Saraus, ateliês, blocos de carnaval. Todos com participação de LGBTs. Ele pensa que somente assim as pessoas da região vão começar a debater o assunto.