Com a história de João Pedro, brasileira viraliza em protesto antirracista nos EUA - Revista Esquinas

Com a história de João Pedro, brasileira viraliza em protesto antirracista nos EUA

Por Leonardo Sarvas Cunha : junho 15, 2020

Brasileiras residentes nos EUA contam como estão os protestos antirracistas e contra a violência policial que já se estenderam por 20 dias.

Quase dois mil quilômetros as separam, mas as pautas antirracistas e contra a violência policial unem os EUA e geram protestos por 20 dias

Nova York, NY – Antonia de Mello                

“Eu não sou daqui. Nasci no Brasil e, embora esse não seja o país em que nasci, é o país que escolhi para construir minha vida. E é por isso que estou protestando agora”, disse Antonia de Mello iniciando seu discurso em uma manifestação em Nova Iorque. O ato foi realizado em reação ao assassinato brutal de George Floyd pela polícia de Minneapolis, no estado de Minnesota. O vídeo de Floyd sendo sufocado por 8 minutos e 46 segundos viralizou e tomou as redes sociais com a #BlackLivesMatter. João Pedro

A brasileira de 21 anos mora em Nova Iorque há seis, trabalhando como babá. Como mulher, negra e latina, Antonia revela que já sofreu discriminação, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.

No dia 2 de junho, a prima de Antonia compartilhou seu discurso, legendado em português, em uma rede social. O vídeo viralizou e foi compartilhado por outras páginas, como a dos Jornalistas Livres, atingindo mais de 90 mil visualizações. “Eu não planejava falar para a multidão de manifestantes naquele dia. Decidi discursar, em parte, por conta da história de João Pedro. Senti que ela deveria ser escutada”, explica.

João Pedro, um menino de 14 anos, foi baleado e morto na sala de sua casa em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, em 18 de maio. Ele foi levado por policiais sem que sua família soubesse, o que gerou comoção popular e inspirou os protestos brasileiros antirracistas e contra a violência policial.

“Mencionei o João Pedro na intenção de que o caso dele fosse mais falado aqui. Minha esperança ainda é de que haja uma pressão internacional. Quem sabe esses casos sejam mais ouvidos e que as instituições democráticas trabalhem para que essas famílias tenham justiça”, diz Antonia.

A brasileira afirma que seu país de origem precisa de mais lideranças negras, para relembrar casos como o de João Pedro: “No Brasil, não sabemos sobre a história dos direitos civis. Não estudamos sobre o ativismo na educação brasileira como estudamos aqui sobre os Panteras Negras, Malcolm X, Martin Luther King Jr., Rosa Parks”.

“O conhecimento dessas histórias ajuda as pessoas a se organizem com mais facilidade e maior urgência. Então, conforme os ativistas negros brasileiros têm contato com o que está acontecendo aqui, espero que sigam esse exemplo, se inspirem nos protestos daqui para criarmos lideranças em nosso País”, completa.

Sobre os cinco atos dos quais participou, ela diz que, “na maior parte, foram pacíficas”. Ressalta, no entanto, que isso não foi por mérito da polícia “porque, na verdade, ela dificulta esse processo [de pacificação] ao antagonizar os manifestantes e provocá-los, mostrando-se pronta para uma guerra”. Antonia também aponta a modificação dos uniformes policiais, o que foi denunciado em matéria do HuffPost, em 4 de junho. Neste momento, alguns deles estão atuando sem identificação durante os protestos.

Para ela, após mais de 10 dias de manifestações, a polícia parece mais “hostil”. Ainda assim, na sua visão, os atos não estão mais ou menos pacíficos do que estavam anteriormente. “Há a sensação de que estamos chegando a algum lugar. Policiais envolvidos [no assassinato de George Floyd] estão agora respondendo pelos seus crimes na justiça, e a gente percebe que a justiça pela morte dele está sendo alcançada. Assim, conseguimos mais tempo para focar na questão maior, que é a brutalidade policial sistemática”, afirma.

Os quatro policiais envolvidos na morte de Floyd, Derek Chauvin, J. Alexander Kueng, Thomas Lane e Tou Thao, foram demitidos. Chauvin, que aparece no vídeo pressionando seu joelho contra o pescoço de Floyd, está sendo acusado de assassinato em segundo grau. Os outros três devem responder por cumplicidade.

Minneapolis, MN – Simone Clark João Pedro

A também brasileira Simone Clark, 42 anos, é casada com um americano e vive há 7 anos na cidade de Bloomington, vizinha de Minneapolis, onde Floyd foi assassinado.

Simone conta que não estava em casa no dia da morte, mas seu marido estava. “Quando os protestos se iniciaram, ele via, no céu, Minneapolis pegando fogo, com muita fumaça”. Devido às manifestações, ela diz que até “1 de junho tínhamos toque de recolher aqui. Ninguém podia sair depois das 20h da noite”.

 

Em seu perfil do Instagram, ela costuma dar dicas de compras e falar sobre seu dia a dia e viagens nos EUA. Mas, no domingo, 7 de junho, fez uma transmissão ao vivo para seus mais de 43 mil seguidores andando por Minneapolis e mostrando como a cidade ficou depois dos protestos. Observando as flores deixadas em homenagem a Floyd, a brasileira reforça a tristeza que sentiu no lugar “onde tudo aconteceu”.

Sobre o assassinato de George Floyd, a brasileira opina: “Acreditamos que foi o estopim após tantos anos de guerra aqui nos Estados Unidos”. Ela afirma que é “totalmente a favor [dos protestos], pois do jeito que está não pode continuar. Mas, da maneira como o protesto se iniciou, eu não sou a favor. Quem protestou destruiu a própria comunidade: mães, pais, avós dependiam daqueles comércios. Acabaram com tudo”.