Nesta quarta-feira (19), no Dia dos Povos Indígenas, pautas antigas como território, educação e saúde seguem guiando a causa frente aos governos
No dia 19 de abril de 1940, foi realizado no México o 1º Congresso Indigenista Interamericano, com o objetivo de criar políticas a favor da preservação e segurança de povos indígenas americanos. Para comemorar a data, o então presidente da República, Getúlio Vargas, tornou oficial o Dia do Índio, que persiste, principalmente, na busca pelos direitos básicos dos povos indígenas e no levantamento das suas principais causas.
No intuito de reduzir estereótipos e reconhecer a diversidade e a importância da comunidade para a formação étnico-cultural do país, a data comemorativa, que antes se chamava “Dia do índio”, recebe hoje o nome de “Dia dos Povos Indígenas”, levando em consideração toda a riqueza e diversidade que os nativos representam. Essa alteração ocorreu após votação no Senado em maio de 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro, que foi contra a mudança.
A arte educadora e vice-cacica da Aldeia Ukair, em Teresina, Piauí, Aliã Wamiri Guajajara, expõe a visão indígena sobre essa nomenclatura: “A palavra índio não nos representa, isso diz mais sobre o colonizador do que sobre nós, originários. Ela generaliza nossa existência e se relaciona com a chegada dos portugueses no território que já ocupávamos e eles acreditavam ser a Índia.” Além disso, substituindo por povos originários, demonstra a pluralidade na existência dos indígenas, que somam mais de 570 povos e 274 línguas.
Ministério dos Povos Indígenas
Contudo, no atual governo, a comunidade indígena ganhou maior notoriedade e novos direitos foram adquiridos com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, iniciativa pioneira no país. Representado por Sônia Guajajara, deputada estadual de São Paulo, e por especialistas da comunidade, como médicos e advogados também indígenas, o órgão visa reconhecer e defender as garantias da comunidade originária com figuras que representam e possuem propriedade para falar de si e de seu grupo. “Estamos no esperançar de que muita coisa boa pode acontecer, o apoio do Ministério com as caravanas de cada estado vem auxiliando os povos indígenas.”, diz Aliã.
A pesquisadora e historiadora da FGV (Fundação Getúlio Vargas) do Rio de Janeiro, Bianca Luiza Freire, destaca que ter uma mulher à frente dos povos indígenas é quase uma reparação histórica. “A Sônia é uma liderança, e a nova presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) também é uma mulher indígena, a deputada e advogada Joenia Wapichana. A mulher nativa toma frente à luta, não tem medo de enfrentar, cuida dos seus filhos, do seu povo e da sua aldeia.”, conclui a historiadora.
Um dos principais desafios enfrentados atualmente no ministério é a questão da demarcação de terras e o combate ao garimpo ilegal, que destrói o ambiente natural dos povos indígenas. “Há uma esperança grande de que as pautas indígenas sejam atendidas. A votação do marco temporal foi comprometida porque diziam que as terras indígenas eram só o que foi demarcado de 1988 pra cá, apaga-se 523 anos de exploração genocida. Há um risco cultural porque destrói homens, destrói crianças, destrói idosos”, completa Bianca.
Com o lema “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia”, nos dias 24 a 28 de abril deste ano, em Brasília, acontecerá a maior mobilização indígena do Brasil, o Acampamento Terra Livre. Quando paralisada as discussões nos quatro anos de governo Bolsonaro, o tema da demarcação de terras voltou a ser pauta da assembleia indígena. Aliã Wamiri que mora em uma aldeia urbana, destaca que o espaço não recebe ajuda governamental e comenta sobre a dificuldade que um parente indígena viveu ao ter seu território invadido pela polícia, considerando que o Piauí não possui nenhuma terra demarcada.
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Negligência aos indígenas
A saúde indígena é outro desafio a ser enfrentado pelo ministério. “Ouvi de amigos indígenas que nos postos de saúde faltam dipirona, tratamentos dietéticos e medicamentos simples, medicamentos de pressão não chegam aos idosos”, relatou Bianca a ESQUINAS, apontando ainda o caso crescente de diabetes entre os nativos e a grande quantidade de originários que morrem sem tratamento.
Além do mais, a educação indígena também é uma das questões abordadas pelo ministério, a qual deve ser repassada aos nativos de forma comunitária, gratuita e bilíngue nas versões tupi-guarani e português, pensada de forma especial para cada povo já que é uma forma de manter a cultura viva.
Outra reivindicação bastante esperada é a inclusão dos indígenas em mais setores sociais e a redução de preconceitos, frutos da visão eurocêntrica. “A gente absorve todo o cânone europeu e norte americano. Dificilmente chega um texto de um indígena na universidade, a menos que haja movimentação de alunos. A maioria são homens europeus ou brasileiros, brancos e envolvidos com política. Missionários religiosos não podem simplesmente catequizar os indígenas”, afirma Bianca.
A importância da valorização dos costumes indígenas se relacionam com técnicas originárias que foram importantes para a evolução da sociedade atual. “A cultura indígena está na nossa alimentação, nos nossos banhos diários, nos penteados e no chá”, afirma a pesquisadora. A construção de uma maior valorização desses povos é fundamental para a formação de uma identidade nacional inclusiva e diversa, pois a sociedade causa sua autodestruição quando não olha para o seu passado e destrói as comunidades nativas. “É preciso ter um olhar ético, humano e sem folclorização para os povos indígenas.”, encerra Bianca.
A criação do Museu Indígena Anízia Maria, no município de Lagoa de São Francisco, região norte do Piauí, servirá como ferramenta de contextualização histórica em relação a culturas e etnias indígenas do estado. “No museu, vamos ser protagonistas da nossa própria história” destaca Aliã. O museu contará com oficinas de saberes tradicionais originários, imagens dos povos locais, objetos simbólicos e ancestrais, e todos os textos do estabelecimento terão a língua originária do respectivo povo.
Apesar das notórias mudanças, o atual governo possui uma longa jornada pela valorização digna dos povos que há mais de 500 anos lutam por um espaço e pelo fim do silenciamento. O conflito relacionado ao garimpo ilegal e demarcações de terras seguirá presente e o Ministério possui um grande papel a ser exercido. “Nós, povos indígenas, continuamos existindo e resistindo. Precisamos ser escutados, para que sejam cumpridos os nossos direitos ainda negados. Compomos a sociedade brasileira.”, finaliza a líder.