O medo como cabo eleitoral: especialistas analisam o jogo de Donald Trump para a reeleição - Revista Esquinas

O medo como cabo eleitoral: especialistas analisam o jogo de Donald Trump para a reeleição

Por Bruno Chaise : setembro 4, 2020

Com diversos adversários, políticos ou não, Donald Trump se organiza com mesmo discurso extemista e usando o medo como estratégia para ser reeleito em 2020

O mundo acompanha de perto o que acontece nos Estados Unidos desde que o país se consolidou como potência global, e neste ano, com as eleições presidenciais, não seria diferente. Os candidatos na corrida à Casa Branca foram oficializados no final de agosto, depois das convenções de seus respectivos partidos. Joe Biden, candidato do Partido Democrata, enfrentará o atual presidente Donald Trump, candidato Republicano, no dia três de novembro na briga por um dos cargos mais importantes da política mundial.

Historicamente, as eleições estadunidenses têm desdobramentos para além de suas fronteiras.  “A partir do resultado das eleições, podemos prever minimamente os perfis das políticas econômicas, externas, ambientais e de energia”, que impactam o mundo todo, afirma Karen Fernandez, professora do departamento de Relações Internacionais da Unifesp. Para ela, há diferenças notáveis entre os candidatos deste ano, especialmente em relação a pautas comportamentais. “O  Estados Unidos de Trump é branco e pouco afeito à diversidade. É para esse público que ele fala mais diretamente. Ele mobiliza o discurso do inimigo como destruidor da pátria e dos valores da família”, opina.

Adversários de Donald Trump

Visando à reeleição, Trump começou sua campanha no terceiro dia de janeiro. Ele autorizou a ação militar que resultou na morte do general iraniano Qasem Soleimani, apontado como inimigo pelo governo norte-americano. Um mês depois, já com os ânimos acalmados, o presidente obteve mais uma vitória: a absolvição no processo de impeachment aberto em 2019 contra ele, acusado de abuso de poder e obstrução ao Congresso. Com essas conquistas no início do ano e apoiado na menor taxa de desemprego dos Estados Unidos dos últimos 50 anos, Donald Trump parecia marchar sem problemas em direção ao seu segundo mandato.

Entretanto, seus adversários começariam a aparecer no final de fevereiro. Primeiro veio a pandemia de covid-19, que já matou 186,5 mil estadunidenses. Em seguida, depois do assassinato de George Floyd, outra calamidade, chamada racismo, levou milhares às ruas e tomou os noticiários do mundo todo, escancarando a seletiva violência policial no país. Os dois eventos deram força para Joe Biden, que hoje lidera as pesquisas de intenção de votos – o que não garante sua eleição.

“Trump ainda dispõe da máquina estatal para mobilizar a economia e mostrar uma reação significativa aos efeitos da pandemia. A questão é que o tempo é curto e pode ser o principal inimigo do presidente, que precisa apresentar resultados e reações muito rapidamente. Por outro lado, o voto facultativo é um grande aliado, já que Joe Biden tem o desafio de convencer jovens, mulheres, negros, latinos e imigrantes a saírem de casa para votar”, pondera Karen.

Enfim, a hipocrisia

A pandemia fará grande parte dos eleitores votarem pelo correio. Alegando que a eleição pode ser fraudada por esse sistema, Donald Trump, que votou a distância este ano, comprou briga com os serviços de correspondência norte-americanos e se negou a dizer se aceitaria uma derrota na eleição. Em contrapartida, a oposição já manifestou sua preocupação ante uma possível intervenção no resultado da apuração dos votos, como em 2016, quando a Rússia foi acusada de interferir.

As desconfianças quanto à validade do processo fazem com que a professora acredite que a disputa eleitoral pode ser decidida na Suprema Corte Americana.  Além disso, segundo ela, “a vitória de Biden representaria uma derrota da extrema direita, dos discursos que ela propaga e dos grupos que ascenderam recentemente e têm influenciado significativamente o modo de se fazer política na atualidade”.  Eleito em 2016, Trump alavancou políticos e movimentos conservadores ao redor do mundo que se vincularam diretamente à figura do presidente. Esse é o caso de Jair Bolsonaro, presidente do Brasil.

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Bolsonaro: “Submisso e amador”

“No caso do Brasil, a questão mais sensível, para além do caráter submisso com que essa relação foi construída, é a política externa bastante amadora. Ela é vinculada muito mais à pessoa e à retórica de Trump do que a termos políticos, comerciais ou estratégicos com os Estados Unidos enquanto nação”, analisa Victor Teodoro, doutorando no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES). Ele ainda completa, dizendo que “governos vão e vêm, e esse tipo de política tende a não perdurar, pois não possui lastros que vão além da mera amizade ou admiração”.

Para ele, a eleição deste ano traz mais um fato peculiar: o histórico de declarações hostis de Trump aos vizinhos latinos americanos. A agenda contrária à imigração, na opinião de Teodoro, pode ser intensificada caso ele seja reeleito. “Ela já existia em sua primeira eleição, porém muitas das declarações poderiam ser lidas como falas de palanque para angariar votos dos setores mais extremistas. Agora há uma promessa de radicalização do ‘America First’ e aprofundamento da postura bélica no que diz respeito às relações exteriores”, aponta o doutorando.

As proclamações do presidente norte-americano fizeram com que até mesmo políticos republicanos manifestassem abertamente apoio a Joe Biden. Mas se engana quem acha que isso pode representar uma união dos partidos. “Desvinculando-se da imagem de uma figura caricata e controversa como Trump, setores mais radicais podem articular a continuidade de agendas cada vez mais extremadas sem necessariamente se prejudicar por erros de uma única liderança. Desta forma, o apoio a Biden pode ser um mal necessário para reorganizar as fileiras e partir para uma agenda mais radical nas próximas eleições”, explica Teodoro.

O medo como estratégia

Independente de apoio, Trump tem uma estratégia definida para vencer a eleição: o uso do medo. Segundo ele, os inimigos estão por toda parte, o general iraniano, os congressistas que queriam tirá-lo do cargo. Com a pandemia, o alvo encontrado, um de seus favoritos, foi a China. Depois, os manifestantes que ocupavam as ruas nos atos antirracistas. E, por fim, Joe Biden, citado pelo presidente mais de 40 vezes em seu discurso na convenção do Partido Republicano.

“Muitas estratégias políticas possuem o medo como alicerce. No caso específico dos EUA, há uma cultura, alimentada por grande parte dos cidadãos, de absoluta defesa da soberania, que, nas feições mais perigosas, resvala no racismo, na xenofobia — algo lamentável, pois o país foi construído por imigrantes — e na guerra”,  diz a professora da Faculdade Cásper Líbero e historiadora da imagem e da arte Vanessa Beatriz Bortulucce.

Para ela, “Donald Trump é mais um exemplo marcante de persona pública construída pela mídia. Seu sucesso financeiro o transformou em um guru do homem bem-sucedido e seu reality show, O Aprendiz, deu novos ares ao personagem sabe-tudo a que todos devem prestar atenção”. Não à toa, a historiadora já considera o atual presidente estadunidense umas das figuras mais importantes do século XXI, mas não a única.  “Trump, Obama e Floyd, apenas para mencionar três nomes, dirão aos futuros indivíduos o que foram essas duas primeiras décadas do século XXI. Carregadas de mudanças e de novas propostas, de desconstruções e debates, mas, infelizmente, encharcadas de preconceitos, agressividades e intolerâncias que persistem há muitos séculos”, conclui.

 

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