"O presidente da República não sabe viver em uma democracia", diz senador Fabiano Contarato  - Revista Esquinas

“O presidente da República não sabe viver em uma democracia”, diz senador Fabiano Contarato 

Por João Nakamura : dezembro 13, 2021

Foto: Reprodução

Para Contarato, as próximas eleições serão marcadas pela polarização e fundamentalismo, mas, acima de tudo, pela resistência

“Muitas pessoas hoje com adesão ao presidente se sentem legitimadas a exercer um comportamento preconceituoso, sexista, racista, misógino e homofóbico”, diz Fabiano Contarato, senador eleito pela Rede-ES. Nesta manhã, o parlamentar anunciou sua saída do partido para se filiar ao Partido dos Trabalhadores (PT). Em entrevista ao CAVHCAST, programa de entrevistas do Centro Acadêmico Vladimir Herzog (CAVH), no dia 29 de novembro, Contarato comentou influência da intolerância e da desigualdade na política brasileira.

Ao ser questionado sobre o panorama para 2022, ele relembra a teoria do filósofo Thomas Hobbes, que diz que “o homem é mau por natureza”. Para o senador, a direita e seus eleitores vão manter o tom de 2018, – quando apoiadores de Bolsonaro foram às redes sociais realizar ataques xenofóbicos contra nordestinos, já que o candidato Fernando Haddad (PT) havia obtido a maioria dos votos da região no primeiro turno das eleições – e fazer o que for necessário para angariar votos e queimar a reputação da oposição.

Contarato também expõe o perfil do eleitorado de Jair Bolsonaro e lembra algumas das falas do presidente que exprimem um posicionamento preconceituoso e que dão força para as atitudes de seus apoiadores. O senador cita o episódio em que o presidente declarou que “não corria risco de ter uma cunhada negra, pois seus filhos foram bem-educados”. Comentários com esse teor podem ser enquadradas no crime de injúria racial, contudo, Contarato diz que quando uma autoridade realiza esse tipo de discurso e consegue ficar impune, todo um grupo que acredita nesse ideal se fortalece.

Desestruturando a oposição

Mulheres, pretos e pardos formam a maior parte da população brasileira, mas, mesmo assim, possuem menos abertura na sociedade do que homens brancos. Considerados minorias pela falta de empoderamento e oportunidades, Contarato chama esses grupos de “maiorias minorizadas”. “Quais são as oportunidades que temos concedido a essas minorias? Quais são os espaços que pretos, pardos, mulheres, indígenas e a comunidade LGBT têm conseguido conquistar na sociedade?”, questiona o senador.

Dados do IBGE apontam que 38,15% dos alunos matriculados em faculdades são pessoas pretas, enquanto o grupo representa 56% da população do Brasil. Quanto às mulheres, se olharmos para a política, na Câmara dos Deputados apenas 15% das cadeiras são ocupadas por deputadas, enquanto elas são 52% da população brasileira.

Para Contarato, é nessa baixa parcela das “maiorias minorizadas” que os grupos conservadores vencem e garantem a manutenção do poder. Ele afirma que, mesmo quando conquistam abertura, as minorias ainda são suscetíveis a ataques de intolerância. Contarato lembra de um episódio da CPI da covid, quando a senadora Simone Tebet (MDB-MS) sofreu um ataque misógino do Ministro Wagner Rosário, que a chamou de “descontrolada”.

“Infelizmente, dizer que todos somos iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza está longe de ser uma realidade. Dos três poderes, o legislativo foi o único que nunca foi presidido por mulheres, não havia mulheres na câmara legislativa do Mato Grosso do Sul, isso tem que dizer alguma coisa, pois as mulheres são maioria da população”, argumenta o senador.

Para ele, os ataques não param nos ‘minorizados’ e com a oposição do governo, há também uma estratégia para descredibilizar as instituições brasileiras: “Vivemos uma crise política, pois o presidente da república não sabe viver em uma democracia”.

Contarato diz a democracia é o melhor modelo de governo que já ocorreu no Brasil, pois foi nela que “a sociedade obteve bons frutos para a igualdade”. O senador ainda aponta que a população precisa continuar se manifestando em prol desses bens: “É importante entendermos a importância das instituições e que ser cidadão não é simplesmente viver em sociedade, mas transformar essa sociedade”.

E o cenário para as próximas eleições?

Seja para desqualificar a oposição ou as instituições, o uso de ataques de ódio e desinformação tem sido marcante nos últimos períodos de eleição. Para o senador, o próximo pleito não será diferente. “2022 vai ser um ano difícil de polarização, de um comportamento fundamentalista, um comportamento reverberado na sociedade porque ele tem como principal autor desse discurso o presidente”, afirma.

Contarato acredita que as próximas eleições vão ser marcadas, mais uma vez, pela postura opressiva do presidente e de seus apoiadores. Ele explica que, além de enfraquecer a oposição, os ataques são realizados com a intenção de afastar seus alvos da política.

Veja mais em ESQUINAS

Resultado da CPI da covid fragiliza narrativa anticorrupção de Bolsonaro, dizem analistas

Prévias expõem “ninho autofágico” e “atual amadorismo”, diz ex-coordenadora de comunicação do PSDB

“Tenho receio de uma ruptura institucional em 2022”, diz Augusto de Arruda Botelho sobre ameaças de Bolsonaro

“Durante mais de 50 anos, eu fui omisso e condenei a política. Isso foi um grande equívoco. Eu faço essa convocação aos jovens, mulheres, negros, índios, quilombolas, população LGBTQIA+: não fiquem omissos, pois somente através da política vamos transformar o Brasil num País mais justo, fraterno e igualitário”, prega o senador.

O senador diz que sua postura é de “morrer defendendo a democracia”. Mesmo num cenário de dificuldades e intolerância, Contarato defende que é necessário que os cidadãos se mantenham num debate delimitado pela ética, equilíbrio emocional e sobriedade.

Contarato afirma que sonha que essa situação de desigualdade e intolerância se reverta, permitindo a existência de um Estado Democrático de Direito no qual todos são iguais perante a lei. Ele diz que, para que esse cenário ideal possa existir, os cidadãos precisam buscar representatividade política. O senador realiza um chamado para a participação na política relembrando um poema do filme Sociedade dos Poetas Mortos (Peter Weir, 1990):

“Venham amigos, não é tarde para procurarmos um mundo mais novo

A minha meta é navegar além do pôr-do-sol

Embora não tenhamos a mesma força que antigamente movia céu e terra

O que nós somos, nós somos

Uma boa índole e corações heroicos

Enfraquecidos pelo tempo, mas fortes na vontade de lutar, procurar, achar e jamais ceder”.

Confira a entrevista completa aqui.

Editado por Anna Casiraghi e Julia Queiroz.

Encontrou um erro? Avise-nos.