Como a situação da rede pública de ensino afeta a saúde mental e a vida de professores brasileiros. Psicólogos comentam a questão
Ameaças, falta de investimento, de materiais, de respeito e de apoio dos pais e do Estado. É esse o ambiente em que professores da rede pública brasileira são obrigados a trabalhar. Apesar de ser um assunto atual, são poucos os educadores brasileiros que têm coragem e disposição para expor seus quadros depressivos.
Segundo uma pesquisa realizada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), cerca de 40% dos professores afastados por problemas de saúde sofrem com a depressão. Um outro dado, este do Jornal Agora, mostra que a educação paulistana tem, por dia, 62 afastamentos devido à saúde mental.
Apesar de nunca ter desenvolvido transtornos mentais, Marli Flores, professora da Escola Municipal de Ensino Fundamental General De Gaulle, afirma já ter sido ameaçada por um aluno. “Ele disse que ia cortar a língua dele [com uma faca] porque queria me culpar”, relembra. Essa situação, atrelada à rotina puxada, ao longo expediente que continua depois das aulas, à falta de infraestrutura e ao grande número de alunos por sala, faz com que muitos não consigam manter a saúde mental.
Esse foi o caso de André Luiz Pereira, professor da Rede Estadual do Rio de Janeiro há 14 anos. Apesar de citar fatores que o incentivam a continuar na rede pública, como a maior liberdade pedagógica e a gratidão de alunos e responsáveis, relata ter sofrido ameaças físicas e verbais no ambiente de sala de aula, citando um caso específico em que dois alunos não aceitaram sua repreensão por mau comportamento e se levantaram para desafiá-lo. Em 2018, a pedido de um psiquiatra do Centro de Referência de Saúde do Trabalhador, Pereira se ausentou da sala de aula durante duas semanas por estar desenvolvendo problemas psicológicos e pelo assédio moral sofrido na escola em que trabalhava.
Ana Silvana Rocha também ajuda a ilustrar o drama vivido por esses profissionais. Trabalhou na rede pública de São Paulo por 32 anos e se afastou do cargo por três anos devido à depressão. “O pai só sabe cobrar o professor. Sempre pensa que o aluno vai mal por nossa causa. E isso vai acumulando na nossa cabeça”, desabafa.
Com 41 anos de experiência no magistério, 26 desses na rede pública, a professora Vera Galdino atribui grande parte dos confrontos entre professores e alunos e o consequente deterioramento do ambiente da sala de aula às condições sociais dos estudantes. Ela cita o caso de um aluno de 12 anos que esqueceu de fazer um trabalho por ter, além de sua vida escolar, que cuidar da irmã de nove meses.
O prejuízo psicológico
“O desgaste mental limita a capacidade de processamento mental, gera sensação de cansaço e sofrimento, influenciando no próprio funcionamento do corpo.”
– Psicólogo Rodney Costa
Buscando entender a fundo os efeitos que essas condições de trabalho podem surtir nas vidas de docentes, ESQUINAS conversou com Rodney Costa, psicólogo pela UNESP e com Mestrado intitulado “O mundo do trabalho docente e o esgotamento psíquico”. O interesse no assunto veio de suas experiências em um ambulatório de saúde mental em São José dos Campos (SP) e na rede municipal de Paraibuna (SP). “O trabalho do professor não termina com o fim da aula. A preparação das aulas, as correções e o planejamento de atividades demandam tempo excessivo, privando o professor de atividades de lazer”, afirma. Segundo Costa, a sensação passada pela maioria dos professores que analisou foi de abandono: “Eles não têm ajuda de nenhum sindicato ou mesmo das escolas”.
Questionado sobre possíveis políticas públicas voltadas à saúde mental dos docentes, Costa acredita que seria necessária uma total reestruturação do sistema de ensino brasileiro. Além da diminuição do conteúdo programado, ele considera fundamentais projetos de integração entre alunos, pais e professores. Em casos extremos, acredita em punições mais severas para quem desacata o educador que está no exercício de sua função. Ressalta, no entanto, que “essa medida nunca seria necessária em uma sociedade que valoriza e reconhece o papel do professor”.
A pedagoga Gláucia Aparecida da Silva, que trabalha há 22 anos na rede pública, reforça as preocupações de Costa. Ela diz ter visto muitos professores e colegas de trabalho se afastando por conta da doença, na maioria das vezes por não conseguirem conciliar os problemas da sala de aula com os de suas vidas pessoais. De acordo com Silva, “o Estado e a escola deveriam apoiar e acreditar que o professor está realmente doente, encaminhando-o para um departamento especializado no assunto, fazendo readaptações se necessário para que não seja prejudicado profissionalmente”.