Já utilizado antes para o tratamento de outras doenças infecciosas, o plasma convalescente está sendo testado como possível terapia para pacientes acometidos pelo novo coronavírus.
Desde os primeiros meses da pandemia do coronavírus, pesquisadores em todo o país estudam a eficácia do uso de plasma convalescente como forma de acelerar a recuperação de pacientes acometidos pela covid-19. O tratamento consiste no uso do plasma, parte líquida do sangue na qual estão os anticorpos, vindo de doadores que já foram acometidos pela doença, se recuperaram e estão há pelo menos 14 dias sem sintomas. Acredita-se que, ao receber via transfusão esse plasma com anticorpos já formados, a resposta imune do paciente infectado pelo coronavírus é impulsionada, o que acelera sua recuperação e previne o agravamento do quadro.
No dia 4 de abril, a Anvisa autorizou o tratamento, mas apenas para pacientes em estado crítico e estudos clínicos. Contudo, após evoluções nas aplicações, uma portaria do Ministério da Saúde, em 12 de junho, autorizou o uso compassivo do plasma. Um dos primeiros a recrutarem doadores após a liberação foi um consórcio aprovado pelo CONEP, em 26 de maio, no estado de São Paulo, entre o Hospital das Clínicas e Hemocentro da Unicamp, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e o da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e os hospitais Sírio-Libanês e Albert Einstein. Em entrevista ao Estadão em Julho, Luiz Vicente Rizzo, médico do Einstein, evidenciou que “nenhum dos 70 pacientes à beira de entubação que tomaram o plasma quando indicado precisou ser entubado”.
Além dos estudos em São Paulo, iniciativas no sul do país já chegaram a perspectivas de sucesso do tratamento. Fábio Klamt, professor do departamento de Bioquímica da UFRGS com 20 anos de pesquisa biomédica, contraiu covid-19 em março. Após fortes sintomas, recuperou-se e tornou-se doador de plasma, além de um “agente de divulgação e motivação da terapêutica”, com estudos e parcerias com o HC de Porto Alegre.
Fábio relatou perspectivas de crescente evolução na comprovação do tratamento e citou dados de um estudo de sucesso da organização americana Mayo Clinic em cerca de 20.000 pacientes hospitalizados. “Tenho acompanhado muito a literatura internacional e os estudos estão demonstrando uma redução de 50% no óbito com o plasma, que é o desfecho mais duro quando você está tentando implementar uma terapia experimental. A gente não tem nada perto do que o plasma pode fazer. Ainda acho que o plasma vai longe”, completa
Sua primeira doação foi no Hospital Virvi Ramos, o primeiro no Rio Grande do Sul a conseguir um caso de sucesso com o uso do plasma convalescente. O paciente recuperado, de 63 anos, estava em estado grave e, coincidentemente, recebeu uma bolsa de plasma de Fábio. “Ele estava há 42 dias em UTI, há 30 dias já em coma induzido, sedado, em ventilação mecânica, e agora está se recuperando”, relata o doador. “Quando ele recebeu alta, o diretor do hospital me convidou para uma cerimônia. Foi bem divulgado, justamente por ter sido o primeiro paciente que, numa situação gravíssima, respondeu bem ao plasma.” Em parceria com o Hemocentro Regional de Caxias do Sul (Hemocs), 53 pacientes já haviam sido beneficiados pelo tratamento no hospital até meados de setembro.
Mesmo com casos positivos indicando resultados promissores tanto no Brasil quanto em países como China, Estados Unidos e Reino Unido – o que sugerem cada vez mais sua segurança -, a terapia com plasma ainda é considerada experimental devido ao número cientificamente baixo de grupos testados e estudos concluídos. Assim, é necessário consultar o médico responsável sobre sua viabilidade em cada caso. Contudo, Fábio reitera o papel essencial da mídia em veicular esse processo para a população, mesmo que com cautela, a fim de informar a respeito da possibilidade de ser realizado: “A busca pelos doadores tem sido muito baixa, até maio tinha muita matéria sobre o plasma; agora, saiu da mídia. Os bancos seguem solicitando, mas só podem contar com quem já foi recrutado. Eles teriam como buscar, mas eticamente não é recomendado. A gente precisa da mídia pra colocar isso na rua”, finaliza.