Especialistas relatam como a mudança do dia a dia impactou a vida social dos idosos durante a pandemia da covid-19
“Foi difícil ficar em casa porque uma família precisa de muita coisa da rua. Era um tal de pedir para as pessoas mais chegadas comprar alimento, remédio, esse foi o período pior”, conta Ivana Moretti, de 79 anos, sobre sua experiência no começo da pandemia do novo coronavírus. A aposentada, que mora apenas com o marido, comenta que os dois idosos tinham uma rotina simples antes da pandemia: “a gente ia visitar os filhos, ia nos aniversários, fazia supermercado. Uma vida normal de uma pessoa de idade”. Depois, quando o isolamento social foi necessário, Moretti relata que passou a viver com o medo de contrair a doença e perdeu a liberdade que possuía.
Jaime de Almeida, 79, relata a mudança radical no cotidiano dele e da esposa, que dividem um apartamento: “a mudança de rotina é um grande choque, muda muito nosso comportamento”. O idoso ainda conta que, mesmo com toda a cautela, o casal estava sempre receoso em relação ao vírus, vivendo o cotidiano com medo de uma possível exposição.
O que dizem especialistas
No início do período de isolamento, o desconhecimento vivido por todos foi potencializado para o idoso. Segundo Rose Claudia Batistelli, linguista e psicóloga especializada em estresse e depressão, isso serviu como agravante para o emocional dessa população. “A minha experiência com eles num primeiro momento foi de muito pânico, eles ficaram muito assustados”, relata. Em situações normais, o idoso já poderia sofrer com a escassez de relações humanas e insuficiência de apoio emocional e informativo. Na pandemia, sua rede social foi ainda mais reduzida, diminuindo seu contato com outras pessoas além daquelas que moram em suas casas, nesse caso seus parceiros.
A falta de familiaridade com a tecnologia também é um agravante. Ivana Moretti conta que possui algumas redes sociais, como o WhatsApp e o Instagram, mas afirma saber apenas o básico das funções oferecidas. Jaime, por sua vez, diz que não possui nenhuma rede e se comunica com os filhos apenas por ligações telefônicas. Do outro lado, coube aos profissionais driblar as dificuldades: “eu canso de fazer sessão de terapia online com o celular virado para o teto”, relata a psicóloga. “Porque se eu falar para o idoso ‘Olha, tenta arrumar a câmera’, ele fica desconcertado, envergonhado, aflito para colocar o celular no lugar, e aí nós vamos passar, dos 50 minutos da sessão, meia hora tentando arrumar o celular”, completa. Em relação ao cuidado com a saúde, Jaime conta sobre ter ouvido inúmeras vezes pessoas dizendo que a covid não tinha importância por afetar apenas aos mais velhos. “Essas pessoas não sabem o quanto vale a vida”, conclui.
O papel da família
Na opinião de Jaime e Ivana, a família foi essencial nesse momento de reclusão. Para eles, além da ajuda em atividades diárias, como fazer compras no supermercado ou na farmácia, o apoio também se estende para o campo emocional. “A rotina em casa foi baseada na colaboração, apesar da mudança drástica de hábitos devido à quarentena”, conta Jaime. Como psicóloga, Rose diz que a família representa uma rede de apoio ao idoso, desde ensiná-los como usar a máscara corretamente até desmistificar notícias falsas. A psicóloga também destaca a importância de acalmar uma possível hipocondria, que, segundo ela, é comum entre idosos. “Deixar os idosos sozinhos, mesmo que seja um casal isolado, é deixá-los soltos com todas as possibilidades de pensamento”, explica.
Quanto às perspectivas para o futuro, Jaime é otimista: “existe uma expectativa de, a qualquer momento, a gente possa voltar à vida normal”. Por outro lado, Rose comenta sobre a existência de pacientes que passaram o período de isolamento relativamente bem, mas que apresentaram uma piora significativa no quadro quando o cenário começou a melhorar. “Eu tive paciente idoso que passou muito bem os primeiros 18 meses, e agora está deprimido, porque talvez ele tenha segurado toda a aflição, todo o medo dele todo esse tempo” relata a psicóloga. “Quando parece que está mais ou menos bom é que vem como se fosse um estresse pós-traumático”, completa.