Além do hortifruti: saiba que outros produtos contêm agrotóxicos - Revista Esquinas

Além do hortifruti: saiba que outros produtos contêm agrotóxicos

Por Ligia Moraes  : março 18, 2024

E se engana quem pensa que essas substâncias nocivas só são encontradas em produtos frescos como verduras e frutas. Foto: Volker Meyer/Pexels

Onde estão os agrotóxicos? Segundo dados recentes, os produtos químicos agrícolas vão além de frutas e verduras

Dados recentes do Atlas dos Agrotóxicos 2023, da Fundação Heinrich Böll, sediada na Alemanha, indicam que, agora, o consumidor não deve só tomar cuidado com o que compra no hortifruti, mas também com alimentos presentes nas prateleiras dos supermercados.    

Engana-se quem pensa que essas substâncias nocivas só são encontradas em produtos frescos como verduras e frutas. A pesquisa “Tem Veneno Nesse Pacote”, publicada pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), em 2022, já havia detectado resíduos de agrotóxicos em 14 de 24 produtos ultraprocessados, como salsichas e nuggets – dados que também foram divulgados pela edição recente do Atlas.

agrotóxicos

Alimentos ultraprocessados também contém resíduos de agrotóxicos.
Foto: Robin Stickel/Pexels

De forma alarmante, todas as categorias de produtos de carne (empanados de frango, hambúrguer de carne bovina e salsicha) apresentaram resíduos de agrotóxicos. E se esses itens, submetidos a intenso processamento industrial, com altas concentrações de sal, açúcar e gordura, já são nocivos ao corpo, a sua combinação com agrotóxicos gera um verdadeiro efeito “bola de neve”.

Segundo o Atlas dos Agrotóxicos 2023, no Brasil, o registro de intoxicação por agrotóxicos aumentou 97% entre 2010 e 2019. Já o último Programa de Análise de Resíduo de Agrotóxicos em Alimentos (Para), realizado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), constatou vestígios de pesticidas proibidos ou acima do nível permitido por lei em um a cada quatro alimentos de origem vegetal no país. Porém, tendo em vista a recente aprovação do chamado “Pacote do Veneno” – conjunto de medidas que prevêem uma flexibilização do uso de agrotóxicos no país  – esse cenário pode piorar.

Glifisato

Em março de 2015, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) – órgão intergovernamental que faz parte da Organização Mundial da Saúde (OMS) – classificou o glifosato (agrotóxico mais utilizado no Brasil)  como “provável cancerígeno para humanos”. Contudo, o Instituto Federal Alemão de Avaliação de Riscos (BfR, na sigla em alemão) e a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA) chegaram a uma conclusão diferente.

A multinacional Bayer, grande fabricante de glifosato, não deixou que a sua grande coleção de processos bilionários pela suposta carcinogenicidade do produto impedisse seus esforços para a continuidade da utilização do agrotóxico. Tanto que, no fim de 2023, a Comissão Europeia anunciou que prorrogará por mais dez anos a licença para o uso do glifosato no território. 

Ainda não se sabe ao certo, porém, o impacto direto na saúde do consumidor, pois as discussões, além de tumultuadas, são, muitas vezes, pouco claras. Se de um lado as fabricantes dessas substâncias, a exemplo também da Syngenta, e grandes proprietários de terra defendem um afrouxamento (ou até a suspensão) das regulações vigentes, de outro, entidades como ONU e Instituto Brasil de Defesa do Consumidor (Idec) tentam denunciar os perigos desses agrotóxicos, bem como estabelecer normas mais rígidas para sua utilização. 

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No Brasil, esse cenário é complexo. Em março de 2019, a Anvisa já havia publicado um parecer concluindo que o glifosato “não apresenta características mutagênicas e carcinogênicas”. Isso levou à reavaliação do produto pelo órgão, em dezembro de 2020. O uso foi mantido, mas com restrições em relação à sua aplicação.

Um estudo publicado também em dezembro de 2020 pela universidade americana de Princeton e pelas brasileiras Fundação Getúlio Vargas e Insper associou o uso de glifosato na produção de soja a uma alta de 5% na mortalidade infantil em municípios do Sul e Centro-Oeste do Brasil que são abastecidos com água de regiões de cultura de soja.

Para complementar, ainda no mesmo ano, uma pesquisa divulgada pela holandesa Elsevier, maior editora de literatura médica e científica do mundo, apontou que a exposição a glifosato aumenta em 41% o risco de desenvolvimento  do linfoma não-Hodgkin, câncer que tem origem nas células do sistema linfático e se espalha de maneira desordenada pelo organismo.

Para se ter uma ideia, a concentração máxima permitida de glifosato na União Europeia é 0,1 miligrama  por litro de água, ao passo que, no Brasil, esse limite sobe para 500 microgramas de glifosato por litro de água:  5.000 vezes mais.

“Soluções”

O segredo para se proteger e tentar driblar as consideradas frouxas regulamentações brasileiras na área está nos hábitos de consumo, com a priorização de alimentos orgânicos e agroecológicos.

O Mapa de Feiras Orgânicas, elaborado pelo Idec, por exemplo, tem o objetivo de ajudar o consumidor a encontrar esses produtos – que, pela cadeia curta de comercialização, acabam sendo mais frescos e acessíveis.

A Anvisa também faz recomendações, como a lavagem dos produtos com água corrente, podendo utilizar também uma bucha ou escovinha destinadas somente a essa finalidade, uma vez que a fricção  auxilia na remoção desses resíduos da superfície do alimento. 

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Existem diversas feiras org6anicas espalhadas pelo país.
Foto: Prefeitura de São Paulo/Divulgação

Entidades como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida têm lutado pela aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA), 2016,que bate de frente com o “Pacote do Veneno”, buscando implementar ações para a redução progressiva do uso desses produtos, bem como estabelecer medidas econômicas para estimular a produção de insumos orgânicos, assistência técnica para agricultores que optem pela produção sustentável e monitoramento dos resíduos de agrotóxicos nos alimentos e nas águas. Porém, o programa nunca chegou a ser regulamentado pelo governo. 

Numa tentativa de manejar o uso de agrotóxicos, a OMS e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) desenvolveram uma “estrutura voluntária de normas”. Por exemplo, as entidades pedem para que os países evitem agrotóxicos que exijam equipamentos de proteção individual muito caros ou de uso desconfortável, além de recomendar a utilização de alternativas agroecológicas e a proibição de agrotóxicos altamente perigosos.

No entanto, são recomendações não são vinculantes e muito menos possuem obrigação legal. Resta, então, tomar cuidado com o que trazemos para a cozinha, inclusive para a despensa. 

Relembre o caso de Rio Verde (GO)

Em 2013, um avião pulverizou um inseticida por 20 minutos sobre uma escola rural em Rio Verde, no estado de Goiás. Cerca de 70 estudantes e professores estavam almoçando a céu aberto quando os produtos químicos tóxicos foram pulverizados sobre eles. Dezenas de crianças e adultos foram hospitalizados.

O poder público determinou uma fiança de R$ 25 mil para o piloto, o proprietário da empresa e o funcionário foram liberados.

Mais de um mês após a ação irregular, alunos retornaram à Unidade de Pronto Atendimento, alguns deles diagnosticados com problemas nos rins e fígado.

O caso gerou comoção na época, com algumas tímidas movimentações de políticos, uma audiência pública aqui e projeto de lei ali, mas nada que surtisse efeito permanente, tanto que, a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), em seu último relatório, apontou o Brasil como o país que mais usa agrotóxicos no mundo. Em 2021, foram mais de 700 mil toneladas dessas substâncias aplicadas em lavouras, volume superior ao utilizado nos Estados Unidos e China, que aplicaram, respectivamente, cerca de 450 mil e 240 mil toneladas. 

Editado por Mariana Ribeiro

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