Nos hospitais, há novos procedimentos. Em casa, o desafio é conjugar o isolamento com a espera pelo parto ou a atenção a uma nova vida
ERRAMOS: conteúdo alterado às 21h57 do dia 15 de abril para abarcar gestantes e puérperas no grupo de risco para covid-19 segundo determinação do Ministério da Saúde (MS). O texto também inclui as instruções da Nota Técnica 9 do MS, de 13 de abril de 2020, com recomendações sobre trabalho de parto, parto e puerpério.
Renata Albuquerque é antropóloga, professora universitária e, desde o dia 27 de março — quando a pandemia de covid-19 e a quarentena já estavam no ar –, mãe de Otávio. Ela conta que ficava aterrorizada pensando em como estariam a cidade e os hospitais quando entrasse em trabalho de parto. “Você passa o dia pensando: tomara que seja hoje”, lembra. Felizmente, deu tudo certo. Mãe e menino passam bem. Em casa, o pequeno aproveita o isolamento ao lado pai Salomon e de irmão Vicente, de 2 anos. Mas a aflição de Renata faz sentido. Parte menos visível do grupo de risco, gestantes e bebês recém-nascidos têm merecido cuidado especial de médicos e hospitais.
A atenção do Ministério da Saúde com esse grupo na pandemia é recente. No começo de abril, esclareceu que “gestantes e puérperas são mais vulneráveis a infecções e, por isso, estão nos grupos de risco do vírus da gripe”. A Nota Técnica número 9, de 13 de abril, traz recomendações para os profissionais de saúde. As principais: parturientes com a doença devem dar à luz em quarto isolado; pacientes graves podem ter parto antecipado; não se aconselha parto em casa ou na água pelo risco de contaminação pelo ar ou pelas fezes do recém-nascido.
As mudanças já são visíveis. Alexandre Sasaoka, ginecologista e obstetra na clínica Gesta Itaim, especializado em medicina fetal, explica que os procedimentos de parto foram alterados devido à pandemia. São duas as principais transformações. “As pacientes são separadas em 3 grupos: as que estão no grupo de risco, as com sintomas e as assintomáticas. Além disso, também se priorizam internações mais curtas da mãe e do bebê”, explica.
Contar com uma equipe médica disposta a esclarecer anseios também é essencial. Foi o caminho de Renata, algo que a psicóloga clínica Isabella Lobo endossa. “É essencial ter uma relação forte com o time de profissionais, principalmente com o obstetra. A mulher precisa de liberdade para tirar todas as suas dúvidas”, pontua.
Após o nascimento de Otávio, Renata tem apostado no “super-poder da mãe para proteger o bebê, fortalecendo sua imunidade por meio da amamentação”. O obstetra Alexandre reafirma a importância dessa prática e complementa: “Ainda é necessário observar a mãe, que precisa de uma boa alimentação, hidratação e reposição de vitaminas”. Para Isabella, cuidar da mente também é fundamental. “Meditação é muito importante, independentemente do momento da gravidez, assim como a prática de exercícios físicos”, recomenda.
Até o momento, não há registro de transmissão do coronavírus da mãe para o bebê nem de contaminação pelo leite materno. Mas, por se tratar de um vírus pouco conhecido, alguns especialistas preferem optar pelo cuidado: quarentena rígida para as gestantes. “Os trabalhos publicados recentemente indicam que as gestantes não pertencem ao mesmo grupo de risco dos pacientes mais velhos, a não ser que possuam alguma doença clínica associada à gestação. Mas a cautela é necessária”, argumenta o médico.
Outro ponto importante é o resguardo da mulher no puerpério — período de recuperação pós parto. Renata cita mudanças ocasionadas pela pandemia. “Quem acabou de parir tende ao isolamento. A diferença é que agora ele acontece na chave do medo e não do descanso. Fico entre reconhecer e estranhar esse momento, principalmente porque minha mãe, por exemplo, ainda não conhece meu filho”.
De fato, os cuidados com o recém-nascido devem ser redobrados em meio à pandemia. “É preciso manter o distanciamento social sem contato com pessoas externas, evitar receber visitas e manter todas as regras de higiene”, afirma Alexandre. Além de métodos já conhecidos, como higienizar as mãos constantemente e manter distância, o especialista cita outros procedimentos possíveis no caso de suspeita de contaminação. Por exemplo, amamentar usando máscaras.
Para as gestantes, um desafio comum é combinar a rotina de exames com a vida que segue. Cuidados com a casa, filhos e trabalho — tudo isso em quarentena. Grávida de 4 meses e mãe de Gael, 2 anos, Marina Franciulli fala da importância de seu marido. “O Ricardo é meu braço direito, esquerdo, minhas duas pernas e meu porto seguro”, afirma a coordenadora de Comunicação da Fundação Dorina Nowill para Cegos.
Marina ressalta que está mais tranquila por ser a segunda gravidez. A apreensão vem com as idas ao médico. “Logo precisarei fazer o exame morfológico, que é para medir o bebê, olhar todas as formações e órgãos. Isso preocupa um pouco”, conta Marina.
Novamente, família e amigos aparecem como fonte de alívio. “Converso bastante com os parentes próximos e conhecidos. O Gael, meu primeiro filho, também tem um papel essencial. Quando entro e saio de reuniões o dia todo, ele e Amora, nossa cachorra, sempre aparecem no escritório e animam a conversa”, diz. A psicóloga Isabella Lobo confirma a importância desse apoio, enfatizando a necessidade de acolhimento que a gestação exige. “Quando está se imersa na quantidade de hormônios de uma gravidez, o emocional aflora. A escuta é essencial. As pessoas precisam oferecer apoio e voz a ela”, complementa a especialista.