O silêncio da era irrequieta - Revista Esquinas

O silêncio da era irrequieta

Por Júlia Putini, Letícia Galani, Rodrigo Malafaia : janeiro 3, 2019

Foto por: Anthony Tran / Unsplash

Ênio de Andrade, diretor do serviço de psiquiatria da infância e da adolescência, fala sobre os principais transtornos da juventude atual

No Hospital Psiquiátrico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Ênio de Andrade comenta a crescente taxa de quadros psicológicos entre jovens, tema que chamou atenção desde o suicídio de adolescentes que estudavam em colégios e instituições do ensino superior renomados da capital paulista. Andrade é diretor do serviço de psiquiatria da infância e da adolescência no Hospital das Clínicas.

Trazendo discussões sobre depressão, suicídio e outros transtornos – como déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) –, busca-se entender os fatores que influenciam no aumento da ocorrência dessas psicopatologias, muitas vezes negligenciadas, o que dificulta o diagnóstico e o tratamento. O especialista discorre sobre o histórico desses quadros cujos dados apontam aumentos. Um mapeamento feito pela Universidade Federal do ABC, por exemplo, mostra que 11% de seus alunos que trancaram a matrícula em 2016 foram motivados por problemas psicológicos.

Apesar disso, Andrade afirma que a maior ocorrência dos transtornos se deve à melhor classificação dessas doenças, cada vez mais estudadas pela medicina. “Antigamente diziam que depressão era frescura e se curava ‘no tapa’ ou ‘pegando no cabo da enxada’”, critica. O médico ressalta que não se deve culpar um fator único como tem sido feito, ora a escola, ora os pais ou mesmo a internet.

ESQUINAS Ocorreram vários casos de suicídio de alunos do ensino médio em São Paulo. Você acha que houve de fato um aumento de quadros depressivos e suicidas entre os jovens? É uma questão atual ou que só ganhou visibilidade agora?

O que tem se notado é um aumento de doenças mentais como um todo desde o século XX. Junto a essa tendência, houve aumento das taxas de suicídio, que já é a terceira maior causa mortis entre jovens. Dentre as causas do suicídio, não temos só a depressão, mas também outros quadros psicológicos, como transtorno bipolar ou esquizofrênico.

ESQUINAS Você acha que a pressão dos pais pode exercer influência sobre o quadro psicológico de seus filhos?

Eu acredito que não. A sociedade mudou, então os pais estão mais perdidos do que cego em tiroteio. A mudança foi muito grande do século XX para cá, agora há insegurança de como criar as novas gerações. Quando eu estudei, na minha época, tinha alguns colegas que não frequentavam a escola e tudo bem, era normal, mas a sociedade mudou isso com o passar dos anos.

ESQUINAS E o excesso de informação gerado graças à revolução digital? Tem alguma influência?

Não, eu acho injusto culpar a internet por isso. A sociedade mudou como um todo, então esse aumento tem causas multifatoriais. Coincidentemente, a tecnologia traz essa pressão da informação e o indivíduo tem dificuldade de lidar com isso. Apesar de ser um fator capaz de gerar alguma confusão, não pode ser atribuído como único.

ESQUINAS O ingresso na faculdade numa idade vista por muitos como prematura é um fator que agrava esses quadros?

Pode ser, sim. Mudar de cidade é um fator estressante e gera um risco maior de desenvolver doenças mentais também. Existe até a psicose do imigrante, por exemplo. Deve-se considerar todos os fatores: quadros psiquiátricos podem acontecer por coisas tristes e alegres, passar no vestibular, casar, ser promovido, etc. Mudanças drásticas em geral podem causar problemas. E há uma problemática a mais: o que é drástico para um pode não ser para outro. Associou-se muito a depressão com puberdade, mas às vezes é algo que vem desde a infância e foi negligenciado.

ESQUINAS Sobre a negligência aos quadros psicológicos na infância, é possível afirmar que houve um aumento no número de casos de TDAH nos últimos anos?

Na verdade, não é necessariamente aumento da incidência da doença. Como agora sabe-se de fato o que é o TDAH, gera essa sensação de crescimento no número de casos. Por exemplo, o bullying era algo normal e sem nome, mas quando comprovou a percepção de que isso acarretava doenças e distúrbios em alguns, foi criado um nome que passou a determiná-lo como algo que deve ser combatido. Outro exemplo pode ser quando diziam que menopausa era uma invenção, porque a mulher não tinha isso até o século passado, mas a verdade é que aumentou a expectativa de vida, que antes era em média de 40 a 45 anos. As mulheres morriam antes de chegarem nessa época. Assim como a demência. Também existe uma ideia de que a indústria farmacêutica “inventa” doenças para lucrar com a venda dos tratamentos, o que não pode ser afirmado.

ESQUINAS Você acha que amigos e familiares negligenciam a depressão em si?

Sem dúvidas, porque diagnosticar é mais complicado e o tratamento é muito chato. Mas não é nada diferente dos demais tratamentos. Por exemplo, para o hipertireoidismo, tem que tomar remédio para o resto da vida e ninguém quer admitir esse peso.

ESQUINAS A escola tem como ajudar a evitar ou identificar um quadro depressivo? Ou ela deve se abster dessa tarefa?

A escola tem uma ferramenta muito facilitadora que é a comparação. Ao olhar 50 alunos da mesma idade, você consegue entender qual comportamento é padrão ou não. Fora que o rendimento de alguém depressivo é menor. A escola muitas vezes consegue identificar e atuar ao comunicar pais ou responsáveis.

ESQUINAS No século XX, o escritor François-René de Chateaubriand dizia que a histeria era o mau do século. Dizem que a depressão é a do século XXI. Você concorda com essa afirmação?

É de fato uma doença muito incapacitante. Com o maior contato com a sociedade, começa-se a buscar respostas e soluções. Antigamente, diziam que a depressão era frescura e se curava “no tapa” ou “pegando no cabo da enxada”. Isso é o equivalente a dizer que diabetes se cura com força de vontade ou miopia, com trabalho duro. Ainda existe muito preconceito com doenças psicológicas infelizmente.