“Onde eu vou, o vírus vem atrás”, desabafa Mauro Hart, piloto brasileiro que residia em Wuhan - Revista Esquinas

“Onde eu vou, o vírus vem atrás”, desabafa Mauro Hart, piloto brasileiro que residia em Wuhan

Por Eduardo Reis : julho 4, 2020

Mauro Hart, que residia na cidade chinesa que noticiou os primeiros casos de covid-19 no mundo, agora faz sua terceira quarentena em Natal-RN

Mauro Hart, de 59 anos, é aviador e morava na cidade chinesa de Wuhan, local de origem do novo coronavírus. Na entrevista, ele conta como foi a sua jornada desde o começo da epidemia, em janeiro deste ano. 

A covid-19 foi descoberta em dezembro de 2019, mas quando, de fato, começou sua propagação em Wuhan? 

MAURO HART: Ela realmente foi descoberta em 2019, mas só em janeiro soube-se que a transmissão poderia ocorrer entre humanos, e só então começaram a tomar as devidas providências. Lá em Wuhan, as medidas iniciaram no dia 18, que culminaram no lockdown da cidade no dia 23 

Quais foram as iniciativas imediatas para evitar a contaminação na cidade? 

M. R: As primeiras iniciativas foram recomendações de higiene como usar máscara e lavar as mãos. Logo em seguida, houve a intensificação disso, foi tratado com mais seriedade e mais força. No dia 23, pararam os transportes públicos para evitar aglomerações e, no dia seguinte, os carros particulares não podiam mais circular também. Isso praticamente parou a cidade, fecharam os shopping centers e todo o comércio, exceto supermercados e farmácias. 

Como foi a quarentena em Wuhan? 

M. R: Inicialmente, foi voluntária, mas as ruas estavam vazias, parecia uma cidade fantasma. Eu não sabia da gravidade, mas, como parecia bem alarmante, tive receio de sair de casa. Fui totalmente protegido nas poucas saídas que fiz, com máscara e respeitando a política de higienização. Fui ao mercado comprar os mantimentos e produtos de limpeza e higiene já que não sabia quanto tempo eu ficaria dentro de casa. Me preparei para o pior cenário e as compras me manteriam por 90 dias. Apesar de tudo, estava tranquilo. 

O governo chinês foi transparente e eficiente quanto à contenção do vírus? 

M. R: Acredito que foi transparente e foi eficiente na medida do possível. No começo, teve superlotação de hospitais – como aconteceu em todos os lugares que o vírus passou. Depois, se organizaram e combateram a disseminação com muito profissionalismo. 

Como se deu seu processo de repatriação? 

M. R: Fui repatriado no dia 8 de fevereiro. A situação estava bastante crítica em Wuhan com o vírus se espalhando e a cidade bloqueada, não podíamos sair de lá de jeito nenhum, nem de carro, nem pagando, nem a pé. 

Devido à gravidade da situação, foi feito um apelo para que o governo brasileiro nos resgatasse, visto que outros países já estavam fazendo o repatriamento. Diante da demora, os brasileiros de Wuhan se organizaram em uma rede social e fizemos uma carta aberta ao Presidente da República e ao Ministério de Relações Exteriores solicitando o resgate. Essa carta foi veiculada nos meios de comunicação e causou a aceleração da ‘Missão Regresso à Pátria Amada Brasil’.  

Essa missão teve participação da Presidência da República, do Ministério de Relações Exteriores, da Saúde e da Defesa e foi um grande sucesso. Uma operação tão complexa feita em questão de três ou quatro dias.  

Como foram as duas quarentenas em território brasileiro e as diferenças com a de Wuhan? 

M. R: A quarentena em Wuhan durou quinze dias, foi bastante tensa com o inusitado da situação. Depois da missão, fui para Anápolis, Goiás, onde fiquei quinze dias também, fazendo quarentena na Base Aérea de lá. A grande diferença foi que essa foi uma quarentena programada, estávamos sob os cuidados médicos e fazíamos monitoramento diário de temperatura e sinais vitais, além da testagem. Graças a Deus, os três testes que fiz deram negativo, não trouxe o vírus para cá. 

Depois de Anápolis, fui para Natal ficar com a minha família. No mesmo dia que desembarquei, tinha sido noticiado o primeiro caso de covid-19 no Brasil. A quarentena aqui é mais tranquila, mas não menos séria. 

Depois de tantos meses de isolamento social, qual o seu sentimento geral quanto a isto e como o futuro se apresenta? 

M. R: Essa pandemia era algo inimaginável, o tipo de coisa que só víamos nas telas dos cinemas. Como se fosse uma guerra biológica mundial, que todos os países têm um inimigo em comum e a união é importante. Aqui no Brasil, está tendo uma queda de braço desnecessária entre governos e oposições, era o momento de agir conjuntamente e sair por cima da situação, só depois disso voltarem a se digladiar. 

Quanto a mim, sinto que estou fugindo do vírus e onde eu vou, ele vai atrás, isso é muito ruim. O Brasil e o mundo estão passando por muitas mudanças. Eu que sou do ramo de aviação não consigo nem fazer uma previsão de como vai ser daqui para frente, como será o ‘novo normal’. Não tenho data para voltar para a China.