O trabalho em áreas com pacientes de covid-19 é feito com máscaras caseiras, diz auxiliar de limpeza. Com histórico de problemas, Hospital Salvalus nega acusações
Um combate à pandemia que funcione de verdade somente possível em um ambiente hospitalar esterilizado e em constante limpeza. Esse serviço essencial é prestado por funcionários e auxiliares de limpeza. Ainda assim, eles e elas são as figuras mais esquecidas na chamada linha de frente contra o coronavírus. ESQUINAS recebeu a denúncia de um caso em que o esquecimento se combina com o descaso. Glória (nome fictício para preservar a identidade da profissional), auxiliar de limpeza que atua no hospital Salvalus, na Mooca (zona Leste de São Paulo), denuncia a falta de equipamentos de proteção.
Depois de duas horas e meia no transporte público para chegar ao hospital, ela segue exposta à contaminação. “A prioridade são os médicos e enfermeiros. Para nós, não tem. Eles querem que a gente limpe um terminal com infectados mas não temos a proteção necessária para isso”, revela.
Não é a primeira vez que o hospital Salvalus é denunciado por falta de equipamentos de proteção. Em reportagem da BBC Brasil no dia 24 de março, duas enfermeiras contaram realizar atendimentos sem máscara. Ambas acabaram afastadas com sintomas de covid-19.
A lista de outros problemas também é extensa. Em 18 de março, um médico foi esfaqueado pelo marido de uma paciente revoltado pela demora no atendimento. Em ofício, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) pede explicações à instituição, alertando que “a falta de estrutura e de recursos humanos necessários ao bom atendimento são fatores associados, que contribuem para agravar os atos de violência”. Em 8 de abril, a polícia prendeu uma quadrilha de funcionários do próprio hospital que furtaram 50 mil máscaras, comprometendo o estoque da instituição. Em 2016, após um suposto surto de superbactéria, uma inspeção da Vigilância Sanitária encontrou 26 irregularidades — entre elas, falta de médicos e enfermeiros, além de medicamentos vencidos.
Glória relata que o hospital não fornece máscaras suficientes. Ela afirma ter recebido uma única vez, no seu primeiro dia de trabalho, com duração de 1 mês. Passada a validade, ela agora alterna o uso de máscaras descartáveis e caseiras.
Em nota técnica de 27 de maio, a Anvisa informa que trabalhadores da limpeza em contato com pacientes com sintomas respiratórios devem usar máscaras cirúrgicas, que oferecem mais proteção que as de pano por possuírem uma camada de filtro. Outros equipamentos obrigatórios são óculos de proteção ou protetor facial (caso haja risco de respingos de secreções nos olhos) e luvas de borracha de cano longo. Máscaras de tecido só são admitidas na limpeza de áreas administrativas. O documento informa, ainda, que as máscaras faciais devem ser trocadas sempre que estiverem sujas ou úmidas.
Glória aponta que o conjunto do auxiliar de limpeza, no geral, têm se recusado a trabalhar sem a proteção necessária. “O negócio é pedir a Deus por segurança, fazer uma oração antes de entrar no hospital, porque não temos nenhuma garantia de que não vamos contrair o vírus enquanto trabalhamos. Estamos num ambiente infectado por covid-19 e outros vírus”.
Assim como os médicos e enfermeiros se preocupam em contrair o vírus e infectar seus familiares, o auxiliar de limpeza sofrem com a mesma apreensão. “A gente fica muito preocupado. Quando chego em casa, tiro minha roupa lá fora, vou direto para o banho, coloco as máscaras no álcool para desinfetar e rezo para não infectar meu filho”, diz Glória.
Por serem trabalhadores terceirizados, os funcionários de limpeza lidam com outras preocupações, como o medo da demissão, da redução salarial e do corte de benefícios. Glória, por exemplo, tem em seu salário sua única fonte de renda. “O hospital está mais lotado, tem mais limpeza para fazer. Nosso salário deveria aumentar, ainda mais que trabalhamos em condições insalubres, principalmente agora que o risco de infecção aumentou”.
Mesmo que os funcionários dediquem quase nove horas diárias de trabalho – incluindo finais de semana e feriados – limpando os hospitais, a valorização é uma perspectiva distante. “Como precisamos desse trabalho, nos submetemos a isso, mas não sinto valor na profissão. Não somos valorizados pelas pessoas, médicos, ou enfermeiros. Tratam a gente com indiferença, mas só por nossa causa eles têm condições de trabalhar de forma adequada. Nada funciona sem a gente”.
Contatado por ESQUINAS, o Grupo Notre Dame Intermédica, proprietário do hospital Salvalus, respondeu por meio de nota que a instituição segue todos os protocolos técnicos definidos pela Organização Mundial da Saúde. Sem comentar o caso específico, afirma que “todos os equipamentos são devidamente destinados para áreas e situações adequadas, mantendo nosso objetivo de garantir alto nível de segurança para pacientes e colaboradores do hospital”.