Gabriel Estrela constrói pontes entre a carreira e sua vivência com HIV
Portador do vírus HIV há nove anos, Gabriel Estrela tem mudado o rumo da discussão do vírus desde a revelação pública de sua doença. Foi capa da revista Galileu e autor do post mais lido do Huffpost Brasil, colocou em cartaz um musical sobre sua descoberta e colaborou em vídeos com uma das maiores influenciadoras digitais brasileiras, a Jout Jout. Estrela utiliza de seu Projeto Boa Sorte para levar informação sobre HIV e saúde sexual pela arte e acolhimento em palestras e rodas de conversa.
No teatro, descobriu que precisa cuidar da coletividade, a peça, mas também se preocupa com o indivíduo, cuidando do ego e vaidade dos atores, e reconhece que sem se atentar ao individual o todo não funciona. “Aprendi isso com o teatro e coloco agora em tudo que faço”, afirma. Por outro lado, contou que identifica uma nova sensibilidade para tratar o HIV e demais assuntos em produtos audiovisuais. Os projetos de Estrela, seguem na contramão do imaginário construído acerca do vírus pela mídia nas décadas de 1980 e 1990.
ESQUINAS Como foi sua carreira como ator e dramaturgo antes de o seu texto estourar no Facebook e no HuffPost?
O meu diagnóstico e o início da minha carreira foram coisas que começaram no mesmo período. Enquanto eu não falava abertamente sobre o HIV, minha carreira foi se desenvolvendo à parte. Trabalhava principalmente com teatro para crianças, tanto como ator quanto como roteirista, até chegar no Boa Sorte, que foi uma peça que escrevi do zero.
ESQUINAS Parece que a forma como a geração atual trata o HIV mudou, porém os discursos nas redes sociais não são tão abertos como são nos grupos minoritários socialmente. Você mesmo se considera uma exceção por ser um representante da causa. Por que esse debate não foi ampliado assim?
Quando a gente vai para a questão do HIV, é algo muito mais passível de ser abafado. Se eu digo que tenho HIV, expresso que apenas tenho HIV, mas estou sujeito a muito estigma. A gente tem isso também com o câncer, por exemplo. Uma amiga teve câncer e não queria contar para as pessoas isso, porque tem o estigma da pessoa ser fraca, frágil, de não poder fazer as coisas, de “coitadinha”. Na verdade, eu ainda expresso saúde, uma coisa não anula a outra.
ESQUINAS E qual seria o papel das mídias em relação à visibilidade e à conversa sobre HIV? Você acha que as plataformas digitais são espaços para que essa comunicação aconteça?
Antes da dificuldade que temos com a tecnologia, temos um problema entre nós: perdemos a capacidade de nos comunicar e pensar essa comunicação, isso ficou nas mãos de quem é palestrante, político. A gente acha que estudar a forma de se expressar é coisa de artista. “Para que eu vou precisar me expressar?”. Tem um problema em nossa comunidade de deixar a comunicação de lado. Vivemos em uma época de colocar a mídia antes do conteúdo, o meio à frente das mensagens, e as redes sociais são mais um evento que caiu nessa cilada.
ESQUINAS A mídia continua generalizando singularidades a apenas termos técnicos?
Vemos muito isso na linguagem. Existem certos termos que demoram a se atualizar… Eu ouvi o termo “sorodiferente”, em substituição ao “sorodiscordante”, assim que eu comecei o meu trabalho. Em 2016 levamos isso para Malhação – Seu Lugar no Mundo, que é comunicação de massa, mas só em 2017 o governo reconheceu essa mudança. Foram quase dois anos para que os meios oficiais se igualassem aos não oficiais, à vivência. É um ranço difícil de vencer.
ESQUINAS Você está se graduando em Comunicação agora. Quais os seus objetivos com isso?
Me frustra muito ver que a Comunicação ainda é discutida em um lugar muito conservador. Na Comunicação, acho que tem uma discussão ainda muito focada em como eu transmito, pensando em veículo, e não em influência. Por que a gente ainda acredita que a outra parte irá absorver a informação ilesa? Isso não existe, se eu escolho o repórter, mulher ou homem, para fazer a reportagem, já estou mandando uma mensagem. Por que a gente não assume isso? Comunicação é muito louca para mim.
ESQUINAS Você tem outros projetos para levantar a pauta do HIV?
O Boa Sorte são vários produtos: teve a peça, o trabalho na internet, infográficos, vídeos, ensaio fotográfico, consultorias. Tem o texto no HuffPost e na Galileu. Ajudamos na produção da Malhação. Estou prestando consultoria para Magazine Luiza sobre diversidade dentro da empresa, não necessariamente sobre HIV. Estamos participando de um processo de educação online também. Tem muita coisa mesmo, a gente não para. Eu juro que está vindo coisa melhor.