"Jorge & Mateus é rock", diz editor da Billboard Brasil; gênero faz do sertanejo seu antagonista - Revista Esquinas

“Jorge & Mateus é rock”, diz editor da Billboard Brasil; gênero faz do sertanejo seu antagonista

Por Alexandre Silvestre, Francisco Stefanelli e Paola Costa : outubro 2, 2024

Sérgio Martins relata que uma vez um garçom perguntou para Nando Reis se os Titãs tinham acabado, porque nunca mais tinha os visto na TV. Foto: @titasoficial/Instagram

Em meio a derrocada do rock no Brasil, bandas como “Ira!” e “Titãs” mantêm atitude roqueira petulante e resistem a um cenário desfavorável

“Foram muitas as sincronicidades da vida que ocorreram para que o projeto do “Ira!” alcançasse o sucesso”, destaca Nasi, ao relembrar do encontro aleatório com Edgard Scandurra, guitarrista da banda, em um ponto de ônibus. Fatalismo à parte, o destino do “Ira!” os levou a marcar o auge do rock nacional nos anos 1980. Contudo, o conceito de sucesso se redefiniu ao longo dos anos, bem como os gêneros musicais predominantes no Brasil, o que nos leva à seguinte indagação: onde os ídolos do rock se veem atualmente e como a crítica os enxerga?

Nasi conta que, após o sucesso do primeiro álbum, “Mudança de Comportamento”, em 1985, o “Ira!” deslanchou como uma das principais bandas da geração. Nesse contexto, o vocalista enxerga dois grandes momentos na história da banda: o auge do rock nos anos 1980, com o álbum “Vivendo e Não Aprendendo”, e a época da MTV.

“Aquele momento nos levou a outro patamar, pois atingimos um público mais jovem. A garotada que via MTV o dia todo descobriu essa banda. Não sei dizer qual estouro foi melhor.”

Declínio do rock

No entanto, o momento de ápice do rock brasileiro já se foi e o estilo parece passar por um declínio ininterrupto há décadas. Na história do gênero, Sérgio Martins, editor da Billboard Brasil, avalia que a geração dos anos 1980 foi crucial para a comercialização do rock no país. “Foi a primeira geração em que as gravadoras e a “grande mídia” enxergaram o rock como algo comercial, vendável e embalável.”

Martins acrescenta que os artistas dos anos 80 conseguiram transportar para suas canções toda a angústia e o desencanto que se tinha em relação à política do país, algo que não se podia fazer na década de 70 por conta da censura. Contudo, ele acredita que, em sua maioria, essas bandas não se comunicam com as gerações atuais.

“Essas bandas falam para as pessoas que ouviram a música desses artistas nesse período específico. Além disso, o rock deixou de ser uma música popular no final dos anos 80, com raras exceções.”

O editor coloca que a falta de maleabilidade dos roqueiros, o fenômeno MTV no Brasil e a derrocada da “atitude petulante” nas letras das bandas de rock são fatores que explicam esse declínio da popularidade do rock.

“Dizer que “o rock brasileiro acabou porque as bandas deixaram de ir no Chacrinha” pode soar irônico, mas é verdade. Quando a MTV entrou em cena, as bandas de rock pararam de participar desses programas de auditório”, adiciona. Martins, não se deixa esquecer de uma história com o cantor Nando Reis que foi questionado por um garçom se a banda “Titãs” havia acabado, pois nunca mais tinha os visto na televisão.

Para o editor, quem assuniu os espaços dos programas de auditório foram os sertanejos, com uma maleabilidade que os roqueiros nunca tiveram.”O rock é alegria, diversão, paquera. Quem faz isso hoje? Os sertanejos. O show do Jorge & Mateus é rock ‘n’ roll”, completa.

Nasi enxerga de uma outra forma, e coloca a crise do rock em um estágio maior. “O rock está em crise mundialmente, não aparecem mais bandas como antigamente.” Apesar do cenário desfavorável, o vocalista espera um novo movimento musical contracultural de massa.”Eu fico torcendo para ter uma revolução como foi nos anos 1980, que na verdade veio como consequência da abertura política e do fim da censura.”

Redefinição de sucesso

“Antigamente, o “Santo Graal” de todo artista era ser contratado por um grande gravadora, porque ela iria bancar os custos de produção do disco”, aponta Martins. A partir desse trabalho, as bandas tocavam nas rádios e se tornavam populares, o que influenciava na venda de discos e no número de shows.

“Eu detesto a indústria fonográfica hoje”, dispara Nasi, brincando que “antigamente era ruim e depois foi piorando”. O vocalista afirma que, nos anos 80, as bandas se sentiam exploradas pelas gravadoras, que ficavam com uma porcentagem em torno de 90% dos discos, mas elas davam todas as condições. “Já hoje eu sou explorado por nerds do Vale do Silício que não investem nada na produção do disco e dão uma porcentagem menor ainda”, critica.

Nesse sentido, o editor da Billboard Brasil avalia que existem muitos fenômenos com milhões de seguidores e reproduções nas plataformas, mas que não são tão bons em shows e têm uma agenda baixa.

“O público comercial é muito maior. O sucesso hoje virou muito relativo. Quantos shows esse artista está fazendo?”, questiona. Para Martins, ser famoso é diferente de fazer sucesso, mas ser famoso é o principal objetivo dos artistas, hoje.

André Barcinski, jornalista musical, diz que “até os anos 2000, era mais fácil de avaliar o sucesso”, e acrescenta que, hoje, se está sujeito a questões subjetivas, como a manipulação com “fazendas de bots” que vendem número de reproduções de músicas e seguidores.

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O “pós” do rock e bandas nacionais

Em meio a esse cenário, Martins entende que as bandas de rock atuais não conseguem dialogar mais com o público, ao passo que aquelas dos anos 80 também já não são conhecidas.

“A maioria alimenta essa ilusão dos seus dias de glória. É muito difícil trazer essas pessoas para a realidade. Não existem mais grandes gravadoras que vão investir muito dinheiro. Muitos artistas ainda vivem nessa ilusão, mas outros acabaram se adaptando.”

À exemplo de quem lidou bem com o “pós-sucesso”, o editor da Billboard Brasil cita a banda “Capital Inicial” que, continua fazendo shows para um público mais velho, mas também consegue estabelecer uma conexão com os mais novos. Para Martins, isso se deve ao fato das letras de Dinho Ouro Preto refletirem uma “angústia adolescente”.

Já Barcinski cita o próprio “Ira!” como uma das raras exceções que conseguiu se adaptar às mudanças.

“Acho que o Ira! tem uma carreira notável, porque é uma das poucas bandas daquela época que não apenas permaneceram na ativa, mas também continuam lançando discos novos.”

Nasi conta que não gosta de pensar no número de anos em que está nos palcos. O artista considera isso uma bobagem e entende que hoje o “Ira!” é visto como um clássico.

“Hoje temos menos bandas de rock e eu faço mais shows do que antigamente. O Ira!, como o Capital Inicial, vive em turnê. Mas eu vivo o dia a dia. De certa forma, acho que hoje é melhor, porque a cada ano que passa, as pessoas respeitam mais a banda e sua história, reconhecendo sua importância como sobrevivente do rock. Para mim, isso é gratificante.”

Editado por Luca Uras

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