Pouco investimento do Governo Federal, desinteresse por parte dos brasileiros e questões geográficas são desafios na visibilidade da música nortista
“Abandonada por você”, “Tenho tentado te esquecer” e “No fim da tarde de uma paixão”, reconhece alguma dessas músicas? Se sim, você já sabe de qual região estamos falando. Se não, com certeza conhece sua intérprete, uma das cantoras nortistas mais renomadas do país, Fafá de Belém. A paraense é referência no cenário musical brasileiro e já esteve nos principais eventos de música pelo país, como Varanda de Nazaré e blocos e trios de Carnaval.
Em outros, no entanto, ela fica de fora. No Rock in Rio 2024, a cantora não foi adicionada ao line-up e isso foi motivo de indagação por Fafá, que colocou em questão a representatividade de artistas da região Norte do Brasil no “Dia do Brasil” – dia que conta apenas com atrações brasileiras – por meio de uma declaração em suas redes sociais.
“A Amazônia não faz parte do Brasil? A cultura amazônica e nortista não é parte deste país? Onde está Dona Onete, Gaby Amarantos, Joelma, Aíla, eu? Nós temos uma cultura pujante e fortíssima. Então como é que não tem ninguém?”
Esse sentimento é compartilhado por outros artistas nortistas . A cantora amazon ense Marcia Novo , cujo trabalho é focado em estilos populares e regionais de Manaus, como o brega e o beiradão, adiciona .
“Quando vamos olhar o line-up de grandes festivais, a representatividade [nortista] é pequena e a gente vê muita gente do Pará ocupando esse espaço. Mas percebemos que dos demais estados da Amazônia há pouca presença. E eu acho que até por uma questão geográfica, pois o Pará tem uma facilidade maior de logística.”
Novo, que completa 20 anos de carreira este ano, buscar conectar a região norte com o resto do país através da música, utilizando para tanto, uma linguagem bem-humorada, com gírias e costumes do Amazonas. A artista, que morou em São Paulo por sete anos, fez parte da construção da visibilidade nortista em festivais musicais ao participar da Virada Sustentável. Mas, em 2019, quando retornou para sua cidade natal, se viu com dificuldades de estar presente nos eventos de maior alcance. Atualmente, o seu comparecimento nesses locais depende de que sua própria assessoria entre em contato com os realizadores.
“Tirar uma banda de dez, cinco pessoas aqui do Amazonas, que é onde eu moro, é muito caro. E eu sinto falta de incentivos para podermos quebrar com essa barreira de distância. É um esforço tremendo para uma banda daqui sair para fazer shows”, lamenta.
Sua estadia em São Paulo, inclusive, está intrinsecamente relacionada com essa questão. Essa mudança só foi possível por meio da Lei Rouanet. A lei ajudou a realizar o planejamento e ajudar com as despesas de morar em um outro estado. “Você tem que começar tudo do zero”, diz a cantora. Ela também confessa que passou por dificuldades de aceitação na região com o seu disco recém-lançado e recebeu propostas para mudar de estilo.
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A banda paraense Joana Marte, formada pelo trio Rubens Guilhon, Leo Chaves e Bruno Azevedo, também enfrenta esses desafios. Em entrevista a ESQUINAS , compartilham suas experiências e a luta constante para obter reconhecimento. A banda, fundada em 2015 em Belém, se define como um grupo de rock alternativo, com influências de rock psicodélico e progressivo.
Apesar da qualidade e originalidade de seu trabalho, eles relatam que conseguir a atenção dos grandes centros nacionais é uma batalha constante. As dificuldades não são diferentes das relatadas por Novo. Na logística, deslocar-se do Norte do país, seja digitalmente ou fisicamente, é dispendioso e complexo; e, mesmo quando conseguem romper essas barreiras e alcançar um público mais amplo, os preconceitos e um olhar transigente, os apontam como inferiores no ramo musical.
O grupo também destacou a dificuldade de serem aceitos sem a inclusão de elementos tradicionais de seu estado natal.
“Como nosso som não se baseia em elementos de ritmos locais como carimbó e guitarrada, vêm questionamentos como, “mas vocês não são do Pará?”. Como se qualquer música produzida aqui, para valer a pena ser exportada, precisasse desses elementos tido como ‘exóticos’. Sendo música ‘normal’, vale mais a pena contratar bandas e músicos já de lá.”
Sobre a presença em grandes festivais, a banda comentou que já participaram do festival Se Rasgum, no Pará, mas nunca estiveram em festivais do circuito Sul e Sudeste. Eles têm dificuldade em lembrar da presença de muitos nomes nortistas nesses eventos.
“É muito difícil ver um nome nortista que toque um som com elementos de carimbó num festival grande sudestino, e impossível ver alguém do Norte que toque algum outro estilo que tem sido feito por lá, também.”
Joana Marte lançou seu álbum de estreia, “De Outro Lugar“, em 2018, e desde então vem buscando expandir sua audiência. Eles reconhecem a importância de elementos variados em sua música, que inclui jazz, samba, música erudita, psicadélica, baião e valsa, além do rock alternativo. Seu último lançamento foi em 2022, o álbum “Afeto e Desapego” com dez faixas é o exemplo perfeito dessa miscelânea criativa.
Mesmo enfrentando barreiras, a banda segue firme em sua missão de representar a música nortista com autenticidade e paixão, destacando a riqueza e diversidade cultural da região Norte do Brasil. A música nortista, repleta de riqueza e diversidade, ainda enfrenta grandes desafios para obter a visibilidade que merece no cenário nacional. A falta de curiosidade do público, o pouco incentivo governamental e as dificuldades logísticas são barreiras significativas que precisam ser superadas.
Artistas como Fafá de Belém, Marcia Novo e a banda Joana Marte exemplificam a perseverança e o talento da região, lutando para levar sua arte além das fronteiras do Norte. Para aqueles que desejam explorar mais a música nortista, recomendamos os talentos de Luê, com sua sonoridade envolvente e moderna; Kikito, que traz uma energia única e cativante; Anna Suav, cujo estilo autêntico e poderoso ressoa profundamente; e Patrícia Bastos, que combina tradição e inovação de maneira sublime.
Esses artistas, junto com Fafá de Belém, Marcia Novo, Joana Marte, e muitos outros, representam a força e a vitalidade da música nortista, merecendo ser ouvidos e celebrados em todo o Brasil.